sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Uma revolução tranquila



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Há muito que grassava a incompetência, o nepotismo e até a corrupção no poder local. Conhecia-se os casos Isaltino Morais em Oeiras, Fátima Felgueiras no município com o mesmo nome e mais alguns que acabaram em tribunal e suspeitava-se que era apenas a ponta do icebergue.
Dividida entre o trabalho e a família, a população nem reparava. Os salários do trabalho ou os lucros no comércio e nos serviços iam-se mantendo, por vezes até aumentavam e aceitava-se a corrupção como algo de natural, como a chuva no Inverno.

Uma dívida galopante — duplicou em meia dúzia de anos — pôs o País no radar dos mercados e o colapso aconteceu: o governo de José Sócrates começou a sentir dificuldades em obter financiamento, viu-se obrigado a pagar altas taxas de juro, a dívida engordou e, com uma economia sem crescimento há uma década, tornou-se óbvio para os investidores que o País não tinha condições de a gerir. Daí até a torneira do crédito secar, foi um passo.
A partir de Maio de 2011, o País passou a receber instruções do FMI/BCE/CE para fazer reformas estruturais no sentido de diminuir drasticamente a despesa pública, a submeter o trabalho de casa à avaliação da troika e, depois de aprovado, a receber quantias em tranches trimestrais para se manter à tona da água.

A redução dos salários na função pública e das pensões, bem como o desemprego no sector privado, obrigou os portugueses a procurarem as causas.
Descobriram, então, que se criara uma administração pública mastodôntica, que os partidos políticos se haviam transformado em cancros que sugavam o orçamento do Estado através de institutos, agências e fundações — o Estado Paralelo —, que o sector privado se habituara a desfrutar de rendas de energia, de PPP, de swaps e que uma casta de indivíduos eleitos para defender os interesses nacionais — os deputados — tinham legislado no sentido de atribuírem a eles próprios, e aos outros políticos, fartas mordomias em recompensa de escassos anos de serviço público...

Foi um despertar doloroso. O eleitorado passou a examinar com mais cuidado os discursos dos políticos e os seus percursos profissionais.
E agora, com as eleições autárquicas, descobriu os podres do poder local: as dívidas das autarquias e uma nova espécie animal, o dinossauro autárquico, que após dez, vinte, ou mais anos continua grudado à câmara municipal e, mesmo quando a lei de limitação dos mandatos o obriga a dar o lugar a outro, vai ferrar os dentes num município vizinho.
Dos actuais 308 presidentes de câmara, 138 não podem recandidatar-se ao cargo devido a esta lei. Destes, quase metade (68) escolheu concorrer pelo mesmo partido à presidência da assembleia municipal, exactamente no mesmo município que governaram durante, pelo menos, 12 anos. "O que os leva a desejar um cargo que nada tem de executivo, não oferece salário fixo, quase decorativo, apesar das assembleias municipais terem uma função fiscalizadora pela lei das autarquias?", pergunta o Público. Mistério...

Daqui a minutos vai terminar a campanha eleitoral em que vimos os autarcas perder a inocência. Como irá reagir o eleitorado nas urnas no dia 29 de Setembro?

Lisboa que chumbou no teste da carteira e passou a ser a "cidade menos honesta do mundo" continua a sentir-se bem à sombra do socialismo. Também a única alternativa possível seria eleger um dinossauro vindo dos montes da Lua...
A esperança nasce no Porto com uma sondagem da Universidade Católica para as eleições autárquicas do próximo domingo, divulgada ontem, que dá praticamente um empate técnico, com uma surpresa: o independente Rui Moreira surge à frente com 29%, seguido pelo dinossauro social-democrata Luís Filipe Menezes com 26% e o socialista Manuel Pizarro com 23% das projecções. Confiemos que a Invicta não caia nas mãos de Menezes, o padrinho.

Dentro dos 308 municípios, o País tinha, pasme-se, 4260 freguesias. Se as freguesias rurais, mal servidas de transportes, podem ter utilidade para as populações idosas e pobres, já muitas das freguesias urbanas são um completo desperdício.
Por exigência da troika, o governo de Passos Coelho devia fazer uma reforma administrativa. Tudo o que não fosse reduzir aquele número de freguesias para metade era tempo e dinheiro perdido.
Muito a medo e debaixo do alarido dos presidentes, secretários e tesoureiros das juntas de freguesia que viam os seus tachos desaparecer, Miguel Relvas fundiu algumas continuando a manter 3084 freguesias. Também aqui abundam os esquemas para conservar o poder, havendo alguns criativos presidentes de junta que usam as esposas como fachada.

Passos e Portas tinham prometido, nos programas eleitorais das legislativas de 2011, extinguir os vereadores sem pelouro, um anacronismo para criar emprego bem remunerado para os políticos. Fingindo que não se conseguiam entender sobre a percentagem de votos que daria maioria absoluta aos governos locais, deixaram tudo na mesma. Não estamos a falar de amendoins,

308 municípios x 4 vereadores sem pelouro x 4000 euros x 14 meses = 68 992 000 euros

trata-se da 'módica' quantia de 68 milhões de euros anuais paga a políticos que não fazem absolutamente nada. E no número de municípios nem se mexeu.

Será que os eleitores vão aceitar tudo isto, sem pestanejar, limitando-se a escolher os candidatos que pareçam menos maus, como vêm fazendo nos últimos 37 anos?
Será que os eleitores vão aceitar passivamente o empobrecimento sem usarem a única arma aceitável nas sociedades democráticas: o voto?

Perguntar-me-á o leitor: mas como posso usar o voto?
O nosso voto concede o cargo mas oferece também uma certa quantia ao partido ou movimento político do candidato.

Há que analisar os candidatos que se apresentam num dado município. Se houver uma lista encabeçada por um candidato independente ou de algum partido que seja competente e absolutamente íntegro, está o voto decidido.
Caso contrário, resta anular o boletim de voto, por exemplo escrevendo que não votamos em gente incompetente e desonesta. Não os privamos dos cargos (a minoria que vive à sombra dos políticos, votará sempre neles) mas evitamos que vão buscar a quantia relativa ao voto aos impostos dos contribuintes.

Insistirá o leitor: mas se são eleitos, prefiro ficar em casa, de que vale anular o voto?
Num País em situação de assistência financeira externa, ou seja, debaixo dos holofotes da imprensa internacional, se milhões de eleitores anularem o boletim de voto com uma frase de indignação e protesto, a notícia vai correr mundo, os políticos portugueses vão tornar-se anedóticos e, por muita falta de vergonha na cara que tenham, vão acabar por alterar comportamentos ou ser marginalizados dentro dos partidos, dando lugar a gente mais competente e honesta. Miguel Relvas a ser substituído por Poiares Maduro foi apenas um começo.

Será o eleitorado capaz de fazer esta revolução tranquila? Sim, no domingo, se quisermos, podemos mudar o modo de fazer política em Portugal.


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