O Tribunal Constitucional (TC) pronunciou-se hoje sobre a Lei de Limitação de Mandatos, tendo optado pela interpretação menos restritiva da lei: um candidato com três (ou mais) mandatos autárquicos pode concorrer a outro município.
O relator do acórdão foi o juiz-conselheiro Pedro Machete, filho do actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete.
Em comunicado publicado no seu site, o Tribunal Constitucional considera que a limitação de mandatos é apenas territorial e não relativa à função:
Em deliberação tomada hoje, dia 5 de setembro de 2013, o Tribunal Constitucional decidiu que as dúvidas de interpretação suscitadas pela redacção do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto (limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais) deverão ser resolvidas no sentido segundo o qual o limite em causa é territorial, impedindo a eleição do mesmo candidato para um quarto mandato consecutivo na mesma autarquia.
A decisão foi tomada no julgamento do recurso eleitoral que deu entrada no Tribunal em 1º lugar (Processo n.º 765/13) em que é recorrente o Bloco de Esquerda B.E. e recorrido Luís Filipe Menezes Lopes.
Votaram-na os Senhores Conselheiros Pedro Machete, Maria de Fátima Mata-Mouros, Catarina Sarmento e Castro, Maria José Rangel de Mesquita, João Cura Mariano e Maria Lúcia Amaral.
Votou vencida a Senhora Conselheira Maria João Antunes.
Até ser conhecida esta tarde a decisão do Tribunal Constitucional, houve magistrados que consideraram que a limitação era apenas territorial e que o impedimento a uma quarta candidatura violaria a Constituição.
Outros juízes, citando o recurso do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em Junho, decidiram que apenas eram possíveis três mandatos consecutivos, qualquer que fosse o município, pois outra interpretação da lei conduziria “à perpetuação de cargos, possibilitando o seu exercício de forma vitalícia, desde que os mesmos fossem exercidos, sucessivamente, em circunscrições geográficas diversas”, violando o princípio da renovação (artigo 118º da Constituição).
Com esta decisão do TC são 11 candidatos a câmaras municipais e, pelo menos, três dezenas de candidatos a juntas que podem eternizar-se na profissão de autarca:
PSD (7)
Luís Filipe Menezes, presidente de Vila Nova de Gaia há 16 anos, candidato pelo Porto;
Fernando Seara, eleito três vezes presidente de câmara de Sintra, candidato por Lisboa;
Álvaro Amaro, presidente em Gouveia com três mandatos consecutivos, candidata-se na Guarda;
Fernando Costa, actual presidente da câmara de Caldas da Rainha, é presidente de câmara há 27 anos, agora é candidato à presidência do município de Loures;
Ribau Esteves (PSD/CDS/PPM), presidente de Ílhavo, candidata-se à câmara de Aveiro;
José Estevens é presidente da Câmara de Castro Marim há quatro mandatos consecutivos e agora candidata-se a Tavira;
Francisco Amaral é presidente de Alcoutim há cinco mandatos e agora candidato a Castro Marim.
PS (1)
Jorge Pulido Valente, actual presidente do município de Beja, já cumpriu dois mandatos em Mértola e agora recandidata-se à presidência de Beja.
PCP (3)
Carlos Pinto de Sá, presidente do município de Montemor-o-Novo desde 1993, portanto eleito cinco vezes, agora candidato em Évora.
João Rocha, eleito nove vezes em Serpa — foram 35 anos na presidência do mesmo município! —, candidata-se a Beja.
Vítor Proença, presidente de Santiago do Cacém, é candidato à câmara de Alcácer do Sal.
Em 29 de Setembro será a vez dos eleitores decidirem. Atendendo ao nível cultural da população, que aprecia as almoçaradas oferecidas pelos autarcas, supomos que o eleitorado votará a favor da permanência da maior parte dos dinossauros, que já rejubilam. Ficará, então, instituída uma nova profissão no nosso País: autarca.
Tal como os juízes do TC, também Alberto Souto de Miranda, docente da Faculdade de Direito de Lisboa, considera defeituosa a Lei de Limitação de Mandatos em análise que convém ler na íntegra:
"7. A questão está, então, em saber se estas razões militam a favor do efeito intra-municipal da limitação de mandatos ou se, pelo contrário elas são válidas para todo o território nacional.
Vejamos as razões positivas. A Democracia local não precisa de autarcas profissionais. A democracia não precisa de autarcas export/import, sem outra alma que não seja a do poder pessoal. A democracia deve propiciar igualdade de circunstâncias a todos os cidadãos que se queiram fazer eleger. Ora, a notoriedade adquirida por alguém que cumpriu três mandatos, coloca-o em situação privilegiada. O aparecimento de novos agentes políticos e a sua renovação fica mais limitado.
8. As razões negativas são ainda mais impressivas. Importa sublinhar que esta lei é tão cómica e absurda que, por omissão, permite que o Presidente actual se candidate em número dois para um quarto mandato consecutivo no mesmo Município. E permite, igualmente, que um Presidente de Câmara com três mandatos se candidate a Presidente da Assembleia Municipal... Ou seja, esta lei é um queijo suíço: veda o lugar de Presidente em nome do combate à perpetuação das influências nefastas e abre buracos por onde essas influências se mantêm...
9. Ora, se além disso, ainda for possível a um Presidente "tripetente", apresentar-se a sufrágio no Munícipio vizinho, o objectivo da lei é claramente parodiado. Parodiado no próprio município, através de "testas de ferro" que se candidatam a Presidente. Parodiado nos Munícipios vizinhos, através da manutenção ou, até, do reforço das ligações perigosas: os prestadores de serviços são os mesmos, os empreiteiros são os mesmos, a teia de influência mantém-se, o risco de favorecimento persiste."
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