terça-feira, 13 de março de 2012

Secretário de Estado da Energia sai - I


1. Troika defende redução das rendas pagas aos produtores de energia

Na avaliação trimestral do mês passado, a troika aprovou a actuação do governo exigindo, porém, que as reformas no mercado da electricidade fossem intensificadas no sentido de reduzir as altas margens de retorno, a fim de dinamizar a economia:

"No entanto, são necessários esforços adicionais para recuperar o atraso de Portugal em matéria de reforma estrutural dos sectores dos serviços de rede e serviços protegidos.
Obstáculos de longa data à entrada de firmas no mercado e a existência de margens excessivas de retorno asfixiam o dinamismo económico. Os elevados preços dos bens não transaccionáveis daí resultantes não só reduzem a competitividade externa, como também geram encargos socialmente injustos para consumidores e contribuintes. Os primeiros êxitos das reformas incluem medidas para assegurar condições de equidade no sector das telecomunicações e passos significativos para reduzir as altas margens de retorno nos mercados da energia, em particular da electricidade. Tanto o ritmo como o âmbito destes esforços de reforma devem ser intensificados.
"


2. Henrique Gomes negoceia redução das rendas pagas aos produtores de electricidade

O secretário de Estado da Energia concordava que havia “rendas excessivas” pagas a empresas de produção de energia eléctrica, especialmente à EDP, e pretendia renegociar um terço dos subsídios e tarifas fixas a pagar este ano, cerca de 600 milhões de euros.

Quando, ainda no ano passado, começou a negociar o plano de revisão de tarifas com os produtores eléctricos, Henrique Gomes chegou a obter a concordância de quase todos para uma redução progressiva dos subsídios. A excepção era a EDP, que se opunha a alterações, especialmente nos chamados Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC).
Só os CMEC correspondem a mais de metade das rendas excessivas estimadas pelo estudo realizado por uma empresa da Universidade de Cambridge, pela AT Kearney e pela secretaria de Estado da Energia, de que a troika devia tomar conhecimento durante a terceira avaliação.

Como se estava a preparar a privatização da EDP, o ministro das Finanças, Vitor Gaspar, pediu para adiar o plano a fim de não afectar o valor da empresa.
Depois da privatização, porém, o novo accionista da EDP, a China Three Gorges, lembrou que o Governo lhe assegurara que os contratos em vigor seriam mantidos. E aí Henrique Gomes passou a ser bloqueado com o argumento de que não se alteravam contratos de forma unilateral...

O secretário de Estado da Energia já tinha pedido para sair do Governo no final do ano passado quando foi inviabilizada a aplicação da contribuição especial sobre a produção eléctrica e que abrangeria além dos CMEC detidos pela EDP, os CAE detidos pela International Power e a Produção em Regime Especial (PRE) que abrange as eólicas, a co-geração, fotovoltaica e biomassa. Nessa altura Passos Coelho terá convencido Henrique Gomes a ficar.

Mas, na semana passada, a sua paciência esgotou-se quando foi impedido de fazer uma intervenção no ISEG na qual previa os efeitos das rendas excessivas na evolução futura das tarifas da electricidade a pagar pelos consumidores particulares e empresariais.

Numa entrevista dada ao Negócios a 8 de Janeiro, o secretário de Estado da Energia disse que "o Estado tem de impor o interesse público ao excessivo poder da EDP." E acrescentou:
"Negociar é uma via. [Mas o Estado pode tomar] uma decisão unilateral e soberana".
Sobreviveu dois meses.


3. São os mordomos/ Do universo todo/ Senhores à força/ Mandadores sem lei


O novo secretário de Estado da Energia é Artur Trindade, actualmente a exercer funções de director de custos e proveitos na Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Ora o regulador, em vez de defender o interesse nacional, fez todos os fretes aos governos socialistas de José Sócrates...

Ainda as ondas de choque do escândalo Lusoponte não estavam amortecidas e eis que surge outro de muito maiores proporções.

É preocupante verificar que Álvaro Santos Pereira fica com o secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações que obrigou a um duplo pagamento à Lusoponte e perde o secretário de Estado da Energia que defendia a diminuição das rendas na energia — criadas pelos governos de José Sócrates em beneficício de grupos económicos privados — a fim de aliviar os encargos sobre consumidores e contribuintes.

Não venha Passos Coelho pedir mais sacrifícios à função pública, aos pensionistas, aos desempregados e à população em geral. Vá buscar os 4,4 milhões de euros com que presenteou a Lusoponte e as centenas de milhões de rendas que insiste em oferecer anualmente aos produtores de energia eléctrica, contrariando o acordo com a troika.

É óbvio que um ministro da Economia e do Emprego que promete lutar contra os interesses instalados, está a prazo. Perdeu o primeiro-ministro a dignidade.

Que santa Troika nos acuda!



Henrique Gomes
Secretário de Estado da Energia
Henrique Gomes nasceu em Lisboa, em 1947. Licenciado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico (1970), frequentou o MBA (parte escolar) da Faculdade de Engenharia da Universidade Nova de Lisboa (1985).

Foi administrador e Director Geral da REN entre 2004 e 2011 e administrador da Gás de Portugal, no período de 1987 a 1998.
Exerceu funções de direcção em diversas empresas.


****
*

Actualização

O documento “Rents in the electricity generation sector” que o Governo devia ter entregue à troika diz explicitamente que a AT Kerney elaborou a parte relativa ao estudo das taxas de referência na remuneração da produção em regime especial (PRE), ou seja, o Anexo 2.

Fonte autorizada da AT Kearney afirma que o contributo da consultora para este estudo do Governo sobre as rendas no sector da produção de energia não foi na área da estimativa das rendas:
"A AT Kearney limitou-se a realizar um trabalho de actualização dos planos nacionais de eficiência energética e de energias renováveis (PNAEE e PNAER)" tendo concretizado várias "análises sobre as energias renováveis, os seus custos e rentabilidades, a sua evolução tecnológica, a verificação do sistema de tarifas e benchmarks (referenciais) internacionais", para "definir os objectivos futuros de desenvolvimento mais adequados aos objectivos e compromissos de capacidade e de custos do governo".


2 comentários:

  1. Respostas
    1. Boa escolha da locução ‘monstro eléctrico’ para caracterizar o lóbi da produção eléctrica.
      Vou alinhar, permite transmitir rápida e fielmente as ideias. Como no seu artigo Monstro comeu o Henrique Gomes.

      Só não aceito que o boy Trindade mereça uma fotografia de apresentação.

      Eliminar