segunda-feira, 28 de março de 2016

Marcelo Rebelo de Sousa promulga OE 2016


O Presidente da República promulgou o Orçamento de Estado para 2016, fazendo questão de explicar os motivos da sua decisão aos portugueses. Esta é a comunicação na íntegra:

28.03.2016

Marcelo começou por resumir o processo negocial pelo qual o orçamento passou, desde o "modelo inspirador" da proposta inicial do Governo de António Costa, até à versão final, menos social e mais próximo dos orçamentos dos anos anteriores impostos pela Comissão Europeia.

Recordou que este Orçamento se fez "numa situação complexa, com sinais contraditórios" a nível nacional, europeu e internacional e, por isso, não é possível saber se terá sucesso.

A nível nacional há indicadores económicos optimistas sobre o final de 2015, mas há outros que antecipam uma desaceleração da economia.
Na Europa as perspectivas de crescimento abrandaram em relação ao que se passava há seis meses, para além de problemas políticos que emergiram como sejam a segurança, o referendo britânico ou os refugiados.
A nível internacional há incertezas sobre a evolução das economias emergentes, dos produtores de petróleo e da estabilidade dos mercados financeiros.

Num quadro tão complexo e que o Governo português não pode controlar, o Presidente diz que não é possível garantir se o Orçamento é realista, como defendem PS, PCP e BE, ou se vai exigir medidas adicionais a inscrever num futuro orçamento rectificativo, como asseguram o PSD e o CDS.
Cabe, porém, ao Governo garantir, desde já, que a Administração Pública vai fazer uma execução rigorosa das receitas e das despesas e empenhar-se em apresentar um Plano Nacional de Reformas e um Programa de Estabilidade credíveis a Bruxelas.

Depois o Presidente enumerou três motivos para promulgar o documento.

Por um lado, "dar certeza à vida das pessoas" pois os portugueses "precisam de saber aquilo com que contam". "Isso implica, quanto mais cedo possível, a entrada em vigor do Orçamento".

O segundo motivo foi "a certeza do direito", uma vez que não encontrou "em nenhuma regra ou nenhuma norma, dúvida que justificasse pedir ao Tribunal Constitucional que fiscalizasse o cumprimento da Constituição".

O terceiro motivo para a promulgação é "uma questão política", uma vez que o Orçamento corresponde à "convergência das duas vontades: da maioria da Assembleia da República e da vontade das instituições europeias".

Finalmente Marcelo Rebelo de Sousa referiu que "a política é muitas vezes a arte do possível". Se o possível será suficiente ou não, só em 2017 saberemos.


*


Este é o discurso de um presidente que sabe que o OE 2016 é um documento que vai atirar o País para uma aventura económico-financeira com consequências gravosas para a vida dos portugueses, mas respeita a decisão dos deputados que os eleitores decidiram escolher.

A democracia tem perigos, mas as populações que dela desfrutam têm a liberdade de escolher os seus representantes políticos. Quando cometerem erros, terão de reflectir neles e aprender a fazer opções que potenciem o desenvolvimento económico do País pois é a única via que lhes permitirá melhorar o nível de vida.


segunda-feira, 14 de março de 2016

In Memoriam Nicolau Breyner




Nicolau Breyner
(Serpa, 30 de Julho de 1940 - Lisboa, 14 de Março de 2016)


Um grande actor que no "Senhor Feliz e Senhor Contente" — uma rábula que permanece tão actual — fez-nos rir da política à portuguesa.





quarta-feira, 9 de março de 2016

Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse como Presidente da República


Numa cerimónia realizada esta quarta-feira no parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse como novo chefe de Estado da República Portuguesa.

Após a declaração de compromisso de, pela sua honra, defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, foi entoado o hino nacional e lido o auto de posse, assinado depois pelo novo Presidente da República e pelo presidente da Assembleia da República.

09 Mar, 2016, 10:15

O antigo Presidente Aníbal Cavaco Silva e o novo Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, cumprimentaram-se e depois trocaram de lugares, ocupando o novo Chefe de Estado o lugar à direita do presidente do parlamento, Eduardo Ferro Rodrigues.

09 Mar, 2013, 10:11


Depois Marcelo Rebelo de Sousa fez o seu primeiro discurso:

09 Mar, 2013, 10:30

(a cor é minha)

"Assembleia da República, 9 de Março de 2016

Portugal é a razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir.

Aqui nasci, aqui aprendi com meus Pais a falar a língua que nos une e une a centenas de milhões por todo o mundo.

Aqui eduquei os meus filhos e espero ver crescer os meus netos.

Aqui se criaram e sempre viverão comigo aqueles sentimentos que não sabemos definir, mas que nos ligam a todos os Portugueses. Amor à terra, saudade, doçura no falar, comunhão no vibrar, generosidade na inclusão, crença em milagres de Ourique, heroísmo nos instantes decisivos.

É para Portugal, para cada Portuguesa e para cada Português que vai o meu primeiro e decisivo pensamento.

Feito de memória, lealdade, afecto, fidelidade a um destino comum.


Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhor Dr. Eduardo Ferro Rodrigues,

Na pessoa de Vossa Excelência, saúdo a representação legítima e plural da vontade popular expressa na Assembleia da República. E garanto a solidariedade institucional indefectível entre os dois únicos órgãos de soberania fundados no voto universal e directo de todo o Povo que somos.


Senhor Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva,

Ao percorrer, num imperativo exercício de memória, a longa e singular carreira de serviço à Pátria de Vossa Excelência — com uma década na chefia do Governo e uma década na chefia do Estado, que, largamente, definiram o Portugal que temos – entendo ser estrito dever de justiça — independentemente dos juízos que toda a vivência política suscita – dirigir a Vossa Excelência uma palavra de gratidão pelo empenho que sempre colocou na defesa do interesse nacional — da óptica que se lhe afigurava correta, é certo — mas sacrificando vida pessoal, académica e profissional em indesmentível dedicação ao bem comum.


Senhor General António Ramalho Eanes e Senhor Dr. Jorge Sampaio,

A presença de Vossas Excelências é símbolo da continuidade e da riqueza da nossa Democracia, linhagem na qual também se insere o Senhor Dr. Mário Soares.

Democracia que se enobrece com a presença de três ilustres convidados estrangeiros que nos honram, ao aceitarem os convites pessoais que formulei, correspondentes a coordenadas essenciais da nossa política externa.

Da origem nacional, convertida em exemplares vizinhança, irmandade e cumplicidade europeias, na pessoa de Sua Majestade o Rei Filipe VI.

Da vontade de construir um novo futuro assente numa eloquente e calorosa fraternidade, e comunidade de destino, na pessoa de Sua Excelência o Presidente Filipe Nyusi.

Da constante afirmação do nosso empenho numa Europa unida e solidária, na pessoa de Sua Excelência o Presidente Jean-Claude Juncker. Acresce a esta dimensão de Estado uma outra, pessoal, em que se juntam respeito, laços antigos e grata amizade.


Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Escreveu um Herói Português do Séc.XIX que «este Reino é obra de soldados». Assim foi, na verdade, desde a fundação de Portugal, atestada em Zamora e reconhecida urbi et orbi pela Bula «Manifestis Probatum est».

Nas batalhas da expansão continental ou da defesa e restauração da independência, como nas epopeias marítimas ou, nos nossos dias, nas missões de paz, ou humanitárias, dentro e fora da Europa. Com as nossas Forças Armadas sempre fiéis a Portugal.

Assim foi, também, em 25 de Abril de 1974, com os jovens capitães, resgatando a liberdade, anunciando a Democracia, permitindo converter o Império Colonial em Comunidade de Povos e Estados independentes, prometendo a paz, o desenvolvimento e a justiça para todos.

A quantos — militares e civis — fizeram o Portugal de sempre, como, de modo particular, a quantos — civis e militares — construíram a República Democrática devemos aqui estar, eleitos pelo Povo, em cumprimento da Constituição.

Digo bem, a Constituição. Neste mesmo hemiciclo, discutida e aprovada no meio de uma Revolução. E promulgada há quase quarenta anos, no dia 2 de Abril de 1976.

Recordo, com emoção, esses tempos inesquecíveis, em que, jovem constituinte, juntei a minha voz e o meu voto a tantos mais, vindos de quadrantes tão diversos, tendo percorrido caminhos tão variados, havendo somado anos ou mesmo décadas de luta ao combate do momento.

Para que pudesse nascer a Constituição que nos rege, e que foi sendo revista e afeiçoada a novas eras.

Por isso, a Lei Fundamental continua a ser o nosso denominador comum. Todos, nalgum instante, contribuíram para, ao menos, uma parte do seu conteúdo.

Defendê-la, cumpri-la e fazê-la cumprir é dever do Presidente da República.

E sê-lo-ia sempre, mesmo que o tê-la votado, o ter acompanhado algumas das suas principais revisões e o tê-la ensinado ao longo de quarenta anos, não responsabilizassem acrescidamente quem acaba de assumir perante vós as funções presidenciais.

O Presidente da República será, pois, um guardião permanente e escrupuloso da Constituição e dos seus valores, que, ao fim e ao cabo, são os valores da Nação que nos orgulhamos de ser.

O valor do respeito da dignidade da pessoa humana, antes do mais.

De pessoas de carne e osso. Que têm direito a serem livres, mas que têm igual direito a uma sociedade em que não haja, de modo dramaticamente persistente, dois milhões de pobres, mais de meio milhão em risco de pobreza, e, ainda, chocantes diferenças entre grupos, regiões e classes sociais.

Salvaguardar a vida, a integridade física e espiritual, a liberdade de pensamento, de crença e de expressão e o pluralismo de opinião e de organização é um dever de todos nós.

Como é lutar por mais justiça social, que supõe efectiva criação de riqueza, mas não se satisfaz com a contemplação dos números, quer chegar às pessoas e aos seus direitos e deveres.

Valores matriciais da Constituição são, de igual modo, os da identidade nacional, feita de raízes na nossa terra e no nosso mar, mas de vocação universal — plataforma que constituímos entre continentes e, sobretudo, entre culturas e civilizações.

Raízes nesta terra e neste mar, que formam um verdadeiro arquipélago com três vértices – Continente, Açores e Madeira —, e abarca o Oceano que nos fez e faz grandes. Daí o podermos e devermos continuar a assumir o Mar como prioridade nacional. Prioridade nascida de uma geoestratégica e, sobretudo, de uma vocação universal — como escrevia António Lobo Antunes: «se a minha terra é pequena, eu quero morrer no mar».

Vocação universal, de Nação repartida pelos cinco continentes, em que mais de metade de nós, entre nacionais e descendentes, vive a criar Portugais fora do nosso território físico, mas dentro do nosso território espiritual.

Vocação universal, no abraço que nos liga aos povos irmãos, que partilham a nossa língua, numa comunidade aberta e inclusiva.

Vocação universal, em que a História se junta à Geografia, e em que o sermos europeus no ponto de partida e na firme vontade de participarmos na unidade europeia se enriquece com o sermos transatlânticos e, mais do que isso, podermos aproximar gentes e falas e economias e sociedades as mais distintas, sem xenofobias, intolerâncias, complexos de falsa superioridade ou de incompreensível inferioridade.

Em suma, identidade nacional feita de solo e sangue, e aposta na Língua, na Educação, na Ciência, na Cultura, na capacidade de saber conjugar futuro com passado, sem medo de enfrentar o presente.

Uma identidade vivida em Estado de Direito Democrático, representativo, mas também participativo e referendário. Plural e fraterno. Respeitador da soberania popular, da separação e conjugação de poderes, da independência da Justiça, da autonomia político-legislativa dos Açores e da Madeira e da autonomia administrativa do Poder Local.

Zeloso na protecção das liberdades pessoais e políticas, mas apostado na afirmação dos direitos económicos, sociais e culturais. E, por isso, Estado Social de Direito.

Em que a criatividade da iniciativa privada se conjuga com o relevante Sector Social, e tem sempre presente que o poder económico se deve subordinar ao poder político e não este servir de instrumento daquele.

Dito de outra forma, o poder político democrático não deve impedir, nos seus excessos dirigistas, o dinamismo e o pluralismo de uma sociedade civil — tradicionalmente tão débil entre nós —, mas não pode demitir-se do seu papel definidor de regras, corrector de injustiças, penhor de níveis equitativos de bem-estar económico e social, em particular, para aqueles que a mão invisível apagou, subalternizou ou marginalizou.

É no quadro desta Constituição — que, como toda a obra humana, não é intocável, mas que exige para reponderação consensos alargados, que unam em vez de dividir — que temos, pela frente, tempos e desafios difíceis a superar.

Temos de saber compaginar luta, no plano universal, pelos mesmos valores que nos regem — dignidade da pessoa, paz, justiça, liberdade, desenvolvimento, equidade intergeracional ou valorização do ambiente — com a defesa da reforma de instituições que se tornem notoriamente desajustadas ou insuficientes.

Temos de ser fiéis aos compromissos a que soberanamente nos vinculámos — em especial, aos que correspondem a coordenadas permanentes da nossa política externa, como a União Europeia, a CPLP e a Aliança Atlântica —, nunca perdendo a percepção de que, também quanto a elas, há sinais de apelo a reflexões de substância, de forma, ou de espírito solidário, num contexto muito diverso daqueles que testemunharam as suas mais apreciáveis mudanças. Os desafios dos refugiados na Europa, da não discriminação económica e financeira na CPLP e das fronteiras da Aliança Atlântica, são apenas três exemplos, de entre muitos, de questões prementes relevantes, mesmo se incómodas.

Temos de sair do clima de crise, em que quase sempre vivemos desde o começo do século, afirmando o nosso amor-próprio, as nossas sabedoria, resistência, experiência, noção do fundamental.

Temos de ir mais longe, com realismo mas visão de futuro, na capacidade e na qualidade das nossas Educação e Ciência, mas também da Saúde, da Segurança Social, da Justiça e da Administração Pública e do próprio sistema político e sua moralização e credibilização constantes, nomeadamente pelo combate à corrupção, ao clientelismo, ao nepotismo.

Temos, para tanto, de não esquecer, entre nós como na Europa a que pertencemos, que, sem rigor e transparência financeira, o risco de regresso ou de perpetuação das crises é dolorosamente maior, mas, por igual, que finanças sãs desacompanhadas de crescimento e emprego podem significar empobrecimento e agravadas injustiças e conflitos sociais.

Temos de cicatrizar feridas destes tão longos anos de sacrifícios, no fragilizar do tecido social, na perda de consensos de regime, na divisão entre hemisférios políticos.

Tudo indesejável, precisamente em anos em que urge recriar convergências, redescobrir diálogos, refazer entendimentos, reconstruir razões para mais esperança.

Temos de reforçar o sentido de pertença a uma Pátria, que é a mesma para todos e perante a qual só há — ou deve haver — Portugueses de igual dignidade e estatuto.

São difíceis, complexos, envoltos em incógnitas os reptos evocados?

Obrigam a trabalhos reforçados perante um mundo incerto, uma Europa a braços com tensões novas em solidariedades internas e externas, finanças públicas a não comportarem temeridades, sistema financeiro que previna em vez de remediar e não crie ostracismos ou dependências contrárias ao interesse nacional, política a ensaiar fórmulas novas, exigência de respostas mais claras, mais rápidas e mais equitativas?

Sem dúvida.

Depois da transição da revolução para o constitucionalismo, da estabilização da democracia partidária, da adesão europeia e da adopção do euro, das expectativas elevadas da viragem do século e das frustrações, entretanto, vividas, bem como da resposta abnegada dos Portugueses, esperam-nos cinco anos de busca de unidade, de pacificação, de reforçada coesão nacional, de encontro complexo entre democracia e internacionalização estratégica, dentro e fora de fronteiras e entre crescimento, emprego e justiça social de um lado, e viabilidade financeira do outro, de criação de consonâncias nos sistemas sociais e políticos, de incessante construção de uma comunidade convivial e solidária.

Nunca perdendo a Fé em Portugal e na nossa secular capacidade para vencer as crises.

Nunca descrendo da Democracia.

Nunca deixando morrer a esperança.

Nunca esquecendo que o que nos une é muito mais importante e duradouro do que aquilo que nos divide.

Persistindo quando a tentação seja desistir.

Convertendo incompreensões em ânimo redobrado.

Preferindo os pequenos gestos que aproximam às grandes proclamações que afastam.

Com honestidade. Com paciência. Com perseverança. Com temperança. Com coragem. Com humildade.

É, arrimado a estes valores e animado destes propósitos, que inicia o seu mandato o quinto Presidente da República livremente eleito em Democracia.

E, porque, livremente eleito pelo voto popular, Presidente de todos sem excepção.

Um Presidente que não é nem a favor nem contra ninguém. Assim será politicamente, do princípio ao fim do seu mandato.

Mas, socialmente, a favor do jovem que quer exercitar as suas qualificações e, debalde, procura emprego.

Da mulher que espera ver mais reconhecido o seu papel num mundo ainda tão desigual.

Do pensionista ou reformado que sonhou, há trinta ou quarenta anos, com um 25 de Abril que não corresponde ao seu actual horizonte de vida.

Do cientista à procura de incentivos sempre adiados.

Do agricultor, do comerciante, do industrial, que, dia a dia, sobrevive ao mundo de obstáculos que o rodeiam.

Do trabalhador por conta de outrem ou independente, que paga os impostos que vão sustentando muito dos sistemas que legitimamente protegem os que mais sofrem no nosso Estado Social.

Do novo e ousado talento que vai mudando a nossa sociedade e a nossa economia.

Da IPSS, da Misericórdia, da instituição mais próxima das pessoas — nas Regiões Autónomas e nas Autarquias —, que cuida de muitos, de quem ninguém mais pode cuidar melhor.

Do que, no interior ainda distante, nas Ilhas, às vezes esquecidas, nas Comunidades que povoam o mundo, é permanente retrato da nossa tenacidade como Nação.

De todos estes e de muitos mais.

O Presidente da República é o Presidente de todos.

Sem promessas fáceis, ou programas que se sabe não pode cumprir, mas com determinação constante. Assumindo, em plenitude, os seus poderes e deveres.

Sem querer ser mais do que a Constituição permite.

Sem aceitar ser menos do que a Constituição impõe.

Um servidor da causa pública. Que o mesmo é dizer, um servidor desta Pátria de quase nove séculos.

Pátria que nos interpela a cada passo. Exigindo muito mais e muito melhor.

Mas a resposta vem de um dos nossos maiores, Miguel Torga. Que escreveu em 1987, vai para trinta anos:

«O difícil para cada português não é sê-lo; é compreender-se. Nunca soubemos olhar-nos a frio no espelho da vida. A paixão tolda-nos a vista. Daí a espécie de obscura inocência com que actuamos na História. A poder e a valer, nem sempre temos consciência do que podemos e valemos. Hipertrofiamos provincianamente as capacidades alheias e minimizamos maceradamente as nossas, sem nos lembrarmos sequer que uma criatura só não presta quando deixou de ser inquieta. E nós somos a própria inquietação encarnada. Foi ela que nos fez transpor todos os limites espaciais e conhecer todas as longitudes humanas...

...Não somos um povo morto, nem sequer esgotado. Temos ainda um grande papel a desempenhar no seio das nações, como a mais ecuménica de todas. O mundo não precisa hoje da nossa insuficiente técnica, nem da nossa precária indústria, nem das nossas escassas matérias-primas. Necessita da nossa cultura e da nossa vocação para o abraçar cordialmente, como se ele fosse o património natural de todos os homens.»

Pode soar a muito distante este retrato, quando se multiplicam, na ciência, na técnica, na criação da riqueza, tantos exemplos da inventiva portuguesa, entre nós ou nos confins do universo.

E, no entanto, Torga viu o essencial.

O essencial, é que continuamos a minimizar o que valemos.

E, no entanto, valemos muito mais do que pensamos ou dizemos.

O essencial, é que o nosso génio — o que nos distingue dos demais — é a indomável inquietação criadora que preside à nossa vocação ecuménica. Abraçando o mundo todo.

Ela nos fez como somos.

Grandes no passado.

Grandes no futuro.

Por isso, aqui estamos.

Por isso, aqui estou.

Pelo Portugal de sempre!"


Antes de se dirigir ao palácio de Belém, a residência oficial dos Chefes de Estado mas onde o novo presidente vai apenas trabalhar, Marcelo Rebelo de Sousa prestou homenagem, no Mosteiro dos Jerónimos, a Luís de Camões, o supremo poeta português, e a Vasco da Gama, o navegador que descobriu o caminho marítimo para a Índia.

09 Mar, 2016, 12:30


Finalmente a chegada ao palácio de Belém:

09 Mar, 2016, 12:55

09 Mar, 2016, 13:00

09 Mar, 2016, 13:01


*


O cumprimento entre os dois presidentes deu origem a uma salva de palmas na sala, com os presentes a levantarem-se para saudarem o novo Chefe de Estado, excepto os deputados do BE, PCP e PEV que não se levantaram nem aplaudiram.

O primeiro discurso do novo Presidente da República é uma notável peça oratória, como era expectável de uma pessoa com a profunda cultura humanística do Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Mas também não mereceu o aplauso dos deputados da esquerda radical.

Parece que o voto popular só é aceitável quando os elege a eles. Estranha esta falta de respeito dos partidos da extrema-esquerda pelo voto do eleitorado a deixar transparecer um preocupante conceito de democracia.
Nem a cultura, nem a coerência, nem o comportamento irrepreensível de Marcelo Rebelo de Sousa durante a campanha eleitoral, na noite da sua eleição e em todos os actos posteriores, nem a delicadeza dos seus pequenos gestos os impressionou favoravelmente.
Mas foi a única nota dissonante — que apenas envergonha quem a praticou — numa tomada de posse perfeita.

Marcelo Rebelo de Sousa não é um homem do passado.

Quando Marcello Caetano cometeu o erro de se apoiar na extrema-direita e demitiu os chefes do Estado Maior das Forças Armadas, generais Costa Gomes e António de Spínola, Marcelo, então director do Expresso, teve a coragem de se solidarizar com os demitidos, reservando a primeira página desse semanário aos seus retratos.

E traz para o presente o conhecimento e o respeito por tudo o que de melhor foi feito nesse passado.

Engana-se, portanto, quem diz que Marcelo subiu sozinho a rampa do palácio de Belém: ladeavam-no os seus pais Baltazar Rebelo de Sousa e Maria das Neves Fernandes Duarte cujos ensinamentos o vão guiar na complicada presidência que o espera.


domingo, 6 de março de 2016

A ideia III


A última ideia das "Dezanove ideias sobre o estado da confiança em Portugal" dos 26 anos do Público que queremos destacar diz respeito ao sistema de pensões. É de Bagão Félix, o ministro das Finanças imposto a Santana Lopes pelo então presidente da República Jorge Sampaio para evitar o descalabro das contas públicas:


A geração entre os 30 e os 50 anos tem razões para acreditar na sustentabilidade do sistema de pensões até ao momento da sua aposentadoria?

A confiança não se decreta, nem se proclama. Constrói-se durante longo tempo, ainda que se possa erodir com erros políticos e fascínios eleitorais. É património imaterial de qualquer provisão social pública, privada ou mista.

No nosso sistema de pensões — baseado no contrato geracional e na lógica sinalagmática entre obrigações e direitos — a ideia da confiança é decisiva, ainda que enfrente, sobretudo em conjunturas severas, expressões (às vezes, crípticas) de desconfiança.

Drummond de Andrade dizia que “a confiança é um acto de fé, e esta dispensa raciocínio”. Acrescentaria que, no domínio do catastrofismo que assedia os sistemas sociais, esta asserção é certeira para a desconfiança. Desobriga o raciocínio e prova real e alimenta-se freneticamente do “diz-se”.

Os sistemas de pensões em regime de repartição apresentam algumas vulnerabilidades a prazo. A solução, porém, não é a de passar para uma lógica de fundeamento das responsabilidades futuras (regime puro de capitalização), pois que é de todo irrealizável. Este debate é até estéril: exigiria que uma geração completa duplicasse o esforço (para a geração anterior e para a sua), dificilmente cobriria o risco da inflação e não ofereceria mais segurança em tempos de crise.

As debilidades do sistema prendem-se com a nefasta convergência de uma demografia estruturalmente “adversária” e de uma economia conjunturalmente com menos capacidade de criar riqueza e com elevado desemprego.

A chave da questão está na capacidade de, por via do aumento da produtividade, se compensar o efeito da deterioração do peso da população empregada versus inactivos e desempregados. Isto, para além de medidas paramétricas já concretizadas para ajustar o sistema, a começar pelo “factor de sustentabilidade”, que funciona como “estabilizador automático”.

A evolução demográfica deve ser perspectivada dos dois lados. Vive-se mais tempo e nasce-se menos. Ora, isto significa que, se o peso das pensões é maior, também o mesmo valor (real) de salários de há 40 anos é agora repartido por menos filhos e, assim sendo, há maior capacidade de aforro familiar. Por isso, a confiança pressuporá também a não demonização da necessária complementaridade da protecção na velhice, nem o envenenamento ideológico dos tectos contributivos do sistema público com que alguns se entretêm.

Em suma: produtividade, sentido estratégico das reformas paramétricas, pedagogia da poupança são as chaves da confiança geracional. Em vez de incitamentos indirectos e perversos à fragmentação geracional, bom será não delapidar a confiança no contrato social– passando do exclusivismo de um Estado providencialista (de prover) para uma sociedade mais previdencialista (de prevenir).

António Bagão Félix
Professor Universitário


A ideia II


Além desta ideia, há outra das "Dezanove ideias sobre o estado da confiança em Portugal" dos 26 anos do Público que merece reflexão. É a do Professor David Justino, o ministro da Educação (2002-2004) a quem devemos a valorização do ensino pela introdução dos exames de Português e Matemática no 9º ano:


A escola está a ser capaz de preparar as crianças e os jovens para os desafios dos novos tempos?

Se fizermos um balanço dos últimos 15 anos da sociedade portuguesa, o saldo obtido não nos deixará confortáveis. A economia não nos trouxe nem maior bem-estar. O país deixou-se cair na teia imobilizante da dívida externa (pública e privada). A população deixou de crescer. O sistema político, as instituições centrais, a Justiça, o sistema financeiro deixaram de merecer a já reduzida confiança dos cidadãos. As recorrentes reformas estruturais, de há muito identificadas e debatidas, estão na sua maioria por fazer.

E a Educação? Surpreendentemente, parece ter escapado a esse quadro de estagnação, apesar do ruído constante que a desvaloriza. Temos uma população mais escolarizada e o abandono escolar precoce reduziu-se de uma taxa de 44,8% em 2001 para 13,7% em 2015. Os resultados dos alunos nos testes internacionais de leitura, matemática e ciências, passaram dos últimos lugares para uma posição próxima da média dos países da OCDE. O número de diplomados com formação superior duplicou nos dez anos anteriores à crise de 2008, tendo estagnado a partir de então.

Tivesse a economia e os restantes sectores uma evolução semelhante à Educação e decerto não viveríamos a incerteza do presente. Por isso arrisco defender que a escola em Portugal está mais bem preparada para formar as novas gerações do que estava há 15 anos. O problema está em saber, em primeiro lugar, se a economia e a sociedade estarão preparadas para criar as oportunidades para que essas gerações mais qualificadas possam encontrar no seu país as condições para a sua realização como pessoas e como cidadãos. Em segundo lugar, importa questionar se a escola está preparada para uma sociedade “imaginada” para daqui a 15 anos. Para a primeira questão só encontramos uma resposta: mais e melhor crescimento económico de forma a criar mais oportunidades de emprego qualificado. Para a segunda, sugiro que se dê continuidade ao esforço de organização e racionalização do sistema educativo, ao mesmo tempo que se investe na mobilização e qualificação dos professores.

Num contexto de incerteza só temos um caminho a seguir: centrarmo-nos sobre o fundamental, o conhecimento e o saber pensar, a cultura e o saber criar, a abertura ao mundo e o saber comunicar. Este centramento irá obrigar a escola a repensar as suas práticas e a valorizar no seu currículo o desenvolvimento dessas novas capacidades. Por isso precisamos de currículos menos prescritivos e mais flexíveis, menos extensos e mais aprofundados, menos compartimentados e mais coerentes, mais centrados sobre o conhecimento e as maneiras de pensar de base científica e menos sobre o senso comum e as vulgatas pedagógicas de inspiração romântica.

David Justino
Presidente do Conselho Nacional de Educação, Professor da Universidade Nova de Lisboa


A ideia I


O jornal Público fez 26 anos e comemorou o aniversário com uma edição sobre a confiança. Das "Dezanove ideias sobre o estado da confiança em Portugal", escolhemos a do professor, médico e cientista Manuel Sobrinho Simões:


A medicina vai ser capaz de encontrar uma resposta para doenças como o cancro?

A medicina já encontrou forma de controlar diversos tipos de cancro, mesmo em estádios avançados. E é de esperar, com inteira confiança, que venha a ser capaz de controlar, no futuro, muitos outros. Estas são boas notícias a juntar à evidência de que a medicina, através da cirurgia, da endoscopia e da radioterapia, é já capaz de curar doentes com cancro desde que os tumores sejam diagnosticados em estádios precoces. Neste aspecto a situação continuará a melhorar, acompanhando o desenvolvimento excepcional da inovação nas tecnologias ligadas à saúde.

Embora a minha confiança no futuro seja, como se vê, enorme, os leitores mais atentos terão reparado na diferença dos verbos "controlar" e "curar". Vamos curar cada vez mais doentes com cancros em estádios iniciais, aproximando-nos dos cem por cento, mas provavelmente nunca seremos capazes de curar a maioria dos doentes com cancros avançados. O objectivo em relação a estes últimos é progredir na capacidade de controlar a doença, tornando-a uma doença crónica não mortal — ou com mortalidade muito adiada — que curse sem dar cabo da qualidade da vida dos doentes. Estou convencido — de novo a questão da confiança — que a medicina continuará a descobrir formas de se aproximar deste objectivo. Recentemente, por exemplo, começaram a obter-se resultados terapêuticos muito interessantes em algumas formas de cancro “avançado” com a chamada "imunoterapia" e é de esperar que os bons exemplos possam ser estendidos para outros tipos de doença cancerosa.

Sem pretender minar a crença no desenvolvimento (quase) imparável da medicina, valerá a pena recordar que o cancro é uma doença que surge a partir das células dos nossos tecidos, fruto de erros que ocorrem no ADN dos genes, como consequência da acção ambiental (hábitos, comportamentos…). Esses genes e essas células são nossos, isto é, o cancro é uma doença “de dentro” por oposição às doenças “de fora”, como as infecções. Em termos biológicos o cancro é quase uma inexorabilidade associada ao facto de sermos uma espécie que continua a evoluir e, ao mesmo tempo, a ficar cada vez mais longeva; daí a dificuldade em conseguir a sua cura, a não ser que seja extirpável. Daí também que seja difícil, ou mesmo impossível, “matar” um cancro avançado sem pôr em risco a vida do doente, o que justifica a importância que se atribui ao conceito de controlo como objectivo major do tratamento.

Manuel Sobrinho Simões
Director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup)