quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

"Não há Saúde gratuita"


"Não há Saúde gratuita

11 Janeiro 2012, 23:30 por Pedro Santos Guerreiro | psg@negocios.pt

Manuela Ferreira Leite é um fenómeno: não sabe dizer-se mas sabe ouvir-se. Aproveite-se a polémica. A pergunta é simples: a saúde gratuita é para todos? A resposta também é simples: não. Mas a divisão, obviamente, não está na idade, está no rendimento.

Resolvamos já as palavras de Ferreira Leite: são irresolúveis. O País ainda se divide sobre se era ironia ou afirmação aquele "é preciso suspender a democracia seis meses". Na terça à noite, Ferreira Leite parece ter querido dizer que toda a gente deve ter acesso a saúde, pagando quem deve e não pagando quem não pode. Mas lá está: é uma interpretação, não é a afirmação textual. O equívoco fica para equívoco. Vamos à Saúde.

Saúde gratuita, não há: ela é paga por impostos (e talvez 2% pelas taxas moderadoras) e envolve múltiplos interesses, negócios privados, alguns particulares, que vivem do Estado e se suportam no clamor público de que é preciso mais. Um ministro que corta despesa na Saúde corta os pulsos à sua carreira política. Que o diga Correia de Campos, um homem de esquerda. Que o diga Paulo Macedo, de direita.

Há anos em que o Serviço Nacional de Saúde tem lucro, outros em que tem prejuízo. É uma habilidade: o Estado decide a transferência do Orçamento do Estado maior ou menor e, nisso, cria lucro ou prejuízo. Nos últimos anos, tem sido sempre prejuízo. Prejuízo significa défice, o que significa impostos futuros. É por isso que há muitos orçamentos rectificativos por causa da Saúde. Para saber, pois, quanto custa a Saúde, é preciso somar as transferências do OE com o défice do SNS e, agora, também com o défice dos hospitais EPE. Tudo somado, são mais de oito mil milhões em 2011.

Para 2012, o Governo cortou a fundo na Saúde, com menos 740 milhões. Isso tem vários cortes, 1) nos custos com medicamentos, 2) nos meios complementares de diagnóstico (hemodiálises, análises...), 3) nos custos com pessoal e horas extraordinárias, 4) nas compras de matéria hospitalar e 5) nas transferências para os hospitais.

Todas estas medidas retiram quantidade, e qualidade, à Saúde, o que prejudica os utentes. Mas agora releia a lista anterior, dos cinco cortes, e pense em quem perde dinheiro com eles. São 1) as farmacêuticas e as farmácias, 2) os laboratórios privados, 3) os trabalhadores da Saúde, 4) os fornecedores de equipamentos e 5) os gestores de hospitais. Além, dos "comissionistas" clandestinos destas operações. São, pois, oito mil milhões de euros que vão para bolsos de farmacêuticas, farmácias, médicos, seguradoras, gestores, hospitais, vendedores de equipamentos. Muita dessa gente está organizada em lóbis, que aproveitam o temor social para uma única coisa: negócio. As suas receitas são os nossos impostos.

A saúde é um negócio para muita gente. Inclusive, não se engane, para alguns médicos. Foi-o também na gestão dos hospitais, até Correia de Campos acabar com isso, quando não renovou o contrato do Amadora-Sintra com o Grupo Mello. Veja-se as contas dos grupos privados (e da Caixa) nos hospitais: um desastre. Olhe-se para o hospital de Cascais: pode ter de ser entregue pela Caixa ao Estado, não se paga. Com a abertura do Hospital de Loures, a Maternidade Alfredo da Costa e o Hospital de Santa Maria ficam com excesso de capacidade.

Cada poupança na Saúde é uma redução do serviço. Mas quase cada euro lá investido é também um negócio para alguém. E tem havido negócio a mais na Saúde. Paulo Macedo é mais um ministro das Finanças da Saúde que um ministro da Saúde — e está a acabar com as margens excessivas nesses negócios. Mas está também a reduzir capacidade hospitalar, a cortar comparticipações, a aumentar listas de espera. Porquê? Porque não há dinheiro. Só se aumentarem os impostos.

A Saúde precisa de cortar custos e aumentar receitas. Quem tem mais dinheiro já paga mais impostos e vai ter de pagar mais na Saúde. Aliás, já paga: nos privados, recorrendo aos seguros de saúde. O "Saúde gratuita para todos" é a frase que os interesses instalados mais gostam de dizer — e de ouvir dizer. E há milhões de pessoas a dizê-la sem perceber quanto isso lhes custa a si e quanto lucro há nisso para outros."


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