quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"O merceeiro, Buffett e a sua secretária"


"Os fiscais das Finanças ficaram perplexos. O restaurante consumia quantidades de água mineral engarrafada que em nada coincidiam com o número, muito mais reduzido, que dizia vender de refeições. Questionado, o dono respondeu: "lavamos a loiça com água engarrafada".

A história parece anedota, mas aconteceu e é contada pelo ex-ministro das Finanças e ex-governador do Banco de Portugal, José da Silva Lopes. Um caso que conheceu quando, há mais de duas décadas, dirigiu o grupo de trabalho para o aprofundamento da reforma fiscal.

Desde o caso da água mineral até hoje, passaram mais de 20 anos e os problemas continuam exactamente os mesmos. O Estado continua sem conseguir controlar fiscalmente os pequenos e médios contribuintes. Bem pelo contrário. Uma pergunta que parecia ter desaparecido da sociedade portuguesa — "Quer factura?" — ressuscitou nos restaurantes e até, pasme-se, nas bombas de gasolina, onde só se passa factura se quem a pede for exaustivamente identificado.

Durante estas últimas décadas, já se disse tudo sobre a fuga fiscal em Portugal e já se anunciaram mil e uma medidas. A acreditar nas novas decisões que estão agora a ser anunciadas, nada do que se tem feito é eficaz.

A partir de Abril, todos os comerciantes com uma facturação superior a 125 mil euros em 2011 terão de ter equipamentos que possam usar programas de controlo de facturação para efeitos fiscais. No próximo ano, esse valor passa para 100 mil euros.

Claro que, em plena e gravíssima recessão, com muitas pequenas lojas comerciais a fecharem — basta andar pelas ruas —, esta não é a melhor altura para anunciar a quem quer que seja que o Estado o obriga a comprar uma máquina. Já bastava a falta de oportunidade da Televisão Digital Terrestre. Mas enfim, sendo a causa o combate à fuga fiscal, é impossível não se estar de acordo.

A questão que esta iniciativa de controlo fiscal dos pequenos comerciantes coloca é sempre a mesma: onde estão os outros? O que tem feito a administração fiscal para minimizar o planeamento fiscal das grandes empresas? É o problema que mais tem preocupado as sociedades ocidentais em ambiente de austeridade: a falta de equidade.

Nos Estados Unidos, onde o debate sobre a desigualdade está ao rubro, a iniquidade fiscal está na praça pública. Ainda antes desta grande crise, em 2007, soube-se que Warren Buffett paga menos impostos que a sua secretária, transformada por Barack Obama no símbolo da desigualdade fiscal. Na semana passada, o mais sério candidato presidencial dos republicanos, Mitt Romney, viu-se obrigado a divulgar a sua declaração de rendimentos e soube-se que a sua taxa efectiva de imposto foi de 13,9% em 2010 para um rendimento da ordem dos 42 milhões de euros.

Que números conheceríamos se soubéssemos quanto pagam em impostos as grandes fortunas?

Claro que o combate à fuga fiscal deve ser a causa de toda a sociedade. Cada um de nós tem de ter consciência de que por cada pessoa que não pague o seu tributo há outra que paga a dobrar. Mas para isso é preciso saber que o fisco trata todos por igual e usa armas eficazes.

A mercearia, o restaurante, o café, todos têm de pagar impostos. Todos nós devemos assumir mais o papel de fiscal das Finanças e o fisco devia ter — e não tem — uma via eficaz de denúncia de fuga aos impostos. E para que todos tenham consciência dos seus deveres fiscais, é preciso não andar sempre a perseguir os mais frágeis. Da justiça fiscal também se faz mais receita fiscal.


Helena Garrido - Helenagarrido@negocios.pt"


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