"Portugal vive uma situação muito complicada, tão complicada que mais parece que muitos não querem entender. Está essencialmente falido (é evidente que não vai pagar o que deve; a dívida será reestruturada, mas como e quando a Alemanha queira), sem qualquer potencial de crescimento a médio prazo, com uma crise de exclusão social muito complicada, num contexto de instituições públicas descredibilizadas. O empobrecimento relativo de Portugal começou em 2000, não em Junho de 2011 como dizem influentes comentadores. A tal política de crescimento que a esquerda berra foi seguida desde 2000 com efeitos nulos nesse mesmo crescimento e um passivo acumulado de dívidas (pois se há outra política de crescimento, o PS que explique porque a não aplicou nos treze anos que esteve no poder). O Governo, caucionado pelo memorando da troika, lá vai fazendo o que lhe é exigido. Faz as reformas que pode. Mas não todas!
Diz-se que Portugal tem que mudar de vida. Mas, com ou sem memorando da troika, com ou sem estado de excepção, quem não muda de vida são as nossas elites políticas. Primeiro foi a Caixa Geral de Depósitos, uma prioridade que ninguém percebeu em Julho de 2011, só explicada pela voragem da distribuição de lugares (ainda por cima com uma flagrante violação do princípio da separação entre regulador e regulado). Agora foi a EDP e as Águas de Portugal. E logo pelos mesmos que andaram anos a denunciar a confusão entre política e negócios. E, claro está, criticado pelos que defenderam esse sistema nefasto durante anos em nome de pseudo estratégias de crescimento. Ninguém tem vergonha. Todos ajudam a descredibilizar mais.
Em Portugal, gosta-se de debates sibilinos. É o Governo a pressionar a EDP ou é a EDP a pressionar o Governo? Seja qual for, é errado e apenas mostra uma falta de transparência e ética na vida pública. Evidentemente que o investidor chinês (que conhece bem mais portugueses que o conjunto de amigos do Governo) já percebeu como se faz negócio em Portugal. Isso sim não muda. Como aliás mostraram as declarações absolutamente aberrantes de muitos dos protagonistas de triste conto.
Fala-se muito de valor de mercado. Mas que mercado? Se não há mercado absolutamente nenhum. São as rendas acumuladas pela proximidade da política com os negócios que arruinou Portugal. E, no meio das ruínas, exige-se que os portugueses mudem de vida, mas não a sua classe política.
Esperemos que o Governo entenda que não pode aplicar austeridade para corrigir as loucuras dos últimos vinte anos e, ao mesmo tempo, permitir o regabofe da distribuição de sinecuras bem remuneradas aos seus amigos. A continuar por este caminho vai acabar muito mal. A classe política tem que mudar de vida antes de pregar que Portugal tem que mudar de vida. O Governo parece incapaz de mudar de vida. Se assim for, é mais um Governo falhado de mais uma oportunidade perdida.
Nuno Garoupa — nuno.garoupa@gmail.com
Professor de Direito da University of Illinois"
Para um artigo excepcional, um comentário a condizer:
JCGX [Leitor não registado] 26 Janeiro 2012 - 13:32
Como das elites não podemos esperar grande coisa, terá de ser o povo a influenciar a governação.
É preciso fazer greves, manifestações e toda a espécie de pressão, não para conseguir um aumento de salário mas, antes, para exigir mais transparência e asseio na adminstração pública.
Porque não, por exemplo, o pessoal ir manifestar-se para a porta do procurador (a tal rainha da Inglaterra) exigindo a sua demissão, ou para a porta do tribunal ou da casa dos juízes que têm em mãos o processo da quadrilha do BPN exigindo resultados?
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