quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

"O unicórnio que voa"


"Olha, é uma reforma estrutural! Afinal existem mesmo, fazem-se com partidos de direita e em democracia. Chamem as galinhas com dentes e levem-nas com os porcos de bicicleta a visitar o unicórnio voador.

Agora que já caminhamos sobre a água, só falta saber para onde vamos: temos reforma, o que se faz com ela? A pergunta é para si, senhor empresário.

Alvíssaras, Álvaro Santos Pereira, alvíssaras, Pedro Passos Coelho. A reforma do mercado de trabalho era necessária há muitos anos. Grande parte dela já havia até sido concluída no Governo de José Sócrates, basta ver a facilidade com que se despediram milhares nos últimos anos. Mas sobrava uma última rigidez: o despedimento individual. Era como dobrar uma barra de ferro. Agora, se os tribunais não implicarem, será dúctil como plasticina. Era uma aberração: ter o despedimento colectivo instantâneo e o despedimento individual impossível.

A reforma é toda para isto: para baixar custos às empresas (nas rescisões, nas horas extraordinárias) e ao Estado (menos subsídio de desemprego), para que se trabalhe mais tempo (menos férias, folgas e feriados) e para enunciar a liberalização do despedimento. Sim, é uma enunciação, pois os termos para a inadaptação do posto de trabalho são tão ambíguos que o tribunal pode no mesmo gesto abrir ou fechar a porta.

Mas esta é também uma reforma feita para consumo externo, para agradar aos mercados, como confessou o ministro da Economia, para saciar a troika, para pontuar melhor nos "rankings" de competitividade.

Tudo o que é perdido, é o trabalhador que perde. Tudo o que é ganho, é a empresa que ganha. Tudo o que é omisso, é omisso para o trabalhador, para o precário ou para o desempregado. Com um caso gritante: e os recibos verdes, pá? Nada, não há quase nada. Mas esse é tema para um outro editorial. Para já, fiquemos no que está no acordo, olhemos para o meio copo, porque hoje é dia de celebração.

O acordo é bom, pois a situação era desequilibrada a favor do trabalhador. Mas agora acabou-se a ladainha e o ramerrão. O Governo sai de cena e a lei deixa de ser bode expiatório: aos patrões foi dado aquilo que nem nos sonhos mais selvagens eles esperavam ter. Agora que têm a varinha mágica na mão, precisam de mostrar que sabem usá-la, que não a abanam por vingança, que não a viram contra si mesmos.

Deixemo-nos de histórias: o primeiro efeito desta mudança da lei será de destruição. Há milhares de empresas que estavam à espera disto para avançar com os despedimentos. Porque precisam de reduzir a sua capacidade, os seus custos, e porque não querem pagar milhares de euros em indemnizações. Depois dessa mortandade anunciada, inicia-se um novo ciclo.

É aqui que entram os chefes, os empresários e os patrões. A concertação social deu-lhes os meios que eles sempre reivindicaram, nunca mais poderão queixar-se se não de si mesmos. Ou são bons gestores, ou são maus gestores. E tendo em conta o estado das nossas empresas, a sua fragilidade financeira, a observação de que os trabalhadores portugueses trabalham bem no estrangeiro e em multinacionais, as expectativas estão baixas. A nossa capacidade de gestão é genericamente fraca. Temos muitos chefes incultos, gestores que não imaginam como se motiva, lidera, envolve e premeia, empresários muito pouco exigentes em relação a si mesmos. Todos eles estão hoje radiantes mas ficarão preocupados se a sua própria incompetência se tornar visível. É também por isso que esta reforma é boa, porque separará os bons gestores dos empresários duma figa.


Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt"


Sem comentários:

Enviar um comentário