Os arqueólogos encontraram uma enorme rampa de lançamento de barcos do séc. XVI junto ao mercado da Ribeira, em Lisboa, feita com troncos de madeira sobrepostos.
A rampa estava enterrada no lodo debaixo da Praça D. Luís, a seis metros de profundidade, tem uma área de 300 metros quadrados e deve estar associada a um estaleiro naval.
Nessa época o País procurava tirar proveito dos Descobrimentos e, para trazer o ouro e o marfim da costa africana e a pimenta da Índia, investia na construção naval, tendo a zona ribeirinha da cidade sido transformada num espaço de estaleiros.
Marta Macedo, uma das responsáveis da escavação efectuada pela empresa de arqueologia 'Era', considera que o achado "é impressionante: é muito difícil encontrar estruturas de madeira em tão bom estado".
Entre os artefactos recolhidos estão uma bala de canhão, restos de cerâmica e uma âncora com cerca de quatro metros de comprimento, além de cordame de barco.
Como a escavação ainda não terminou, os arqueólogos acalentam a esperança de descobrirem, em níveis mais profundos, algum barco submerso no lodo, como já sucedeu no Cais do Sodré e também no Largo do Corpo Santo e na Praça do Município¹, localizados na vizinhança.
Os técnicos do Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico foram chamados a acompanhar as escavações que estão a ser feitas no âmbito da construção de um parque de estacionamento subterrâneo.
No séc. XVI a zona entre o mercado da Ribeira e Santos era uma praia fluvial. A História de Portugal coordenada por José Mattoso e Romero Magalhães narra que, poucos anos após a primeira viagem de Vasco da Gama à India, "a zona ribeirinha da cidade é devassada pelos empreendimentos do monarca [D. Manuel I] e dos grandes armadores".
Tendo surgido conflitos com a Câmara de Lisboa, em 1515 o rei retirou ao município a liberdade de dispor das áreas ribeirinhas para outros fins que não os relacionados com o apetrecho e reparação das naus. São as chamadas tercenas, locais dedicados à função naval e representados em vários mapas da época.
Um relatório preliminar dos trabalhos arqueológicos, que decorrem na actual freguesia de S. Paulo, descreve a transformação de um aglomerado de pescadores, fora dos limites da cidade de Lisboa, num espaço importante para a diáspora:
"A expansão ultramarina contribuiu para uma reestruturação do espaço urbano de Lisboa, que se organiza desde então a partir de um novo centro: a Ribeira". Em redor do Paço Real reúnem-se os edifícios administrativos. "É na zona ocidental da Ribeira que a partir das doações de D. Manuel se irão instalar os grandes mercadores e a nobreza ligada aos altos funcionários de Estado, que irão auxiliar o rei (...) na expansão ultramarina e na centralização do poder."
A escavação detectou ainda restos de outras estruturas mais recentes: uma escadaria e um paredão do Forte de S. Paulo, um baluarte da artilharia costeira construído no âmbito das lutas da Restauração, no séc. XVII; vestígios do cais da Casa da Moeda, local onde se cunhava o metal usado nas transacções; e fornalhas da Fundição do Arsenal Real, uma unidade industrial da segunda metade do séc. XIX.
Alexandre Sarrazola, outro responsável pelos trabalhos, salienta que "esta escavação vai permitir conhecer três séculos de história portuária", acreditando que algumas das peças encontradas poderão vir a ser salvaguardadas e integradas no projecto do estacionamento, como já sucedeu com os vestígios do parque de estacionamento subterrâneo do Largo Camões.
"Face ao desconhecimento do que ainda pode vir a ser encontrado por baixo da estrutura de madeira do séc. XVI está tudo em aberto", acrescenta, mas a decisão final caberá ao Instituto do Património Arquitectónico e Arqueológico.
No entanto, a subdirectora do instituto, Catarina de Sousa, diz que as estruturas encontradas são muito interessantes, mas perecíveis, pelo que a sua conservação e musealização na Praça D. Luís é "praticamente inviável".
Impõe-se esta pergunta: Quantas rampas navais do séc. XVI existem no mundo?
Continua aqui.
¹ In BLOT, Maria Luísa B. H. Pinheiro, Os portos na origem dos centros urbanos — Contributo para a arqueologia das cidades marítimas e flúvio-marítimas em Portugal, págs. 240 e 241.
Tomámos conhecimento deste trabalho graças à colega Cristina Micael a quem aqui deixamos os nossos agradecimentos.
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