O Estado Português reembolsou hoje 5,6 mil milhões de euros em Obrigações do Tesouro (OT) relativo a um empréstimo pedido em 1998.
Estas OT foram emitidas em 1998 pelo governo socialista de António Guterres a uma taxa de juro de 5,45%, num montante que não conseguimos apurar porque os boletins do IGCP só começaram a ser divulgados online em 2004, e tinham uma maturidade de 15 anos portanto tinham de ser pagas em 2013.
Estavam associadas a repos (acordos de recompra), ou seja, o governo vendeu os títulos com o compromisso de recomprá-los em data futura a um preço acordado, para compensar uma futura desvalorização no mercado secundário. Deste modo, o capital a devolver na maturidade foi subindo ao longo do tempo: em 2004 era 5.043 milhões de euros, em Outubro de 2007 subiu para 6.043, em Novembro de 2008 para 7159, em Junho de 2010 para 7968, em Setembro de 2010 para 8737 e em Março de 2011 atingiu 9737 milhões de euros.
A melhoria da percepção de risco, em Outubro de 2012, com os títulos em 9586 milhões de euros, permitiu ao então ministro Vítor Gaspar fazer uma operação de troca de dívida — o tesouro aceitou 3 757 milhões de euros destas obrigações a 5,45% que venciam em Setembro 2013 e emitiu obrigações de igual valor a uma taxa de juro de 3,35% com maturidade em Outubro de 2015 — o que aliviou a pressão, já que 39% dos títulos passaram para 2015.
Esta operação de troca permitiu baixar o montante a reembolsar para 5829 milhões de euros.
Entretanto os títulos valorizaram para os 5572 milhões de euros hoje pagos. Foi também pago o último cupão de 5,45%, cerca de 300 milhões de euros.
Os principais participantes na operação de troca de Outubro foram os bancos portugueses que tinham exposição a essa dívida.
Entre aqueles que não participaram terão estado, sobretudo, investidores estrangeiros — os que não venderam no pico da pressão no início de 2012 — e o Banco Central Europeu (BCE), que comprou dívida portuguesa e de outros países fragilizados ao abrigo do extinto Securities Market Programme (SMP). O SMP fora criado em Maio de 2010 por Jean-Claude Trichet para aliviar a pressão sobre a dívida pública dos países do Sul da Europa e da Irlanda, mas não foi eficaz por ser "limitado e temporário".
O BCE comprou os títulos para guardar até à maturidade, pelo que não participou nesta operação de troca. No total tem 22,8 mil milhões em dívida portuguesa, com uma maturidade média de 3,9 anos, já que as compras concentraram-se em títulos com prazos mais curtos.
A importância do reembolso de hoje reside no facto de ser a primeira grande amortização de dívida pública que não está totalmente coberta pelos empréstimos da troika. Vítor Gaspar pôs o País a juntar em caixa 5,8 mil milhões de euros para pagar as Obrigações do Tesouro e o cupão que venciam no dia 23 de Setembro de 2013. Hoje aquele empréstimo foi amortizado sem necessidade de emitir nova dívida.
Tal qual a estratégia de Salazar relativamente à dívida que herdou da monarquia constitucional e da 1ª República.
Sobre a lamúria de ser um dia negro em que o País está afastado dos mercados, ouçamos José Gomes Ferreira:
23.09.2013 13:34
"Todos os dias têm sido dias negros desde Maio de 2011 [momento do pedido de resgate à troika] (...)
Vítor Gaspar apontou [o dia limite para regressar aos mercados] no sentido de dizer 'está lá a amortização e como os 6 mil milhões não ficaram previstos dentro dos 78 mil milhões do programa de ajuda da troika, Portugal já tinha de arranjar esse dinheiro pelos seus meios'.
Foi Vítor Gaspar que, discretamente, em Outubro de 2012, negociou a troca de dívida com os credores para se substituírem no pagamento desta dívida e conseguiu o dinheiro. Portanto esvaziou o problema. O dinheiro existe e a dívida foi paga."
“Em Junho e Outubro de 2014 o País tem de amortizar mais de 13 mil milhões de euros e Vítor Gaspar também já deixou 6 mil milhões, quase metade do dinheiro necessário [nos cofres do Estado]. (...)
Se os cortes acordados com os parceiros internacionais no memorando não forem para a frente, não se vai conseguir os sete mil milhões que faltam para o próximo ano e os catorze ou quinze mil milhões que se seguem todos os anos até 2021. E aí assim, tornar-se-á necessário um segundo resgate”, conclui José Gomes Ferreira.
Três diferentes entidades concederam ajuda financeira a Portugal entre Maio de 2011 e de 2014 — o MEEF, o FEEF e o FMI —, com cada uma a emprestar um terço do montante total, ou seja, 26 mil milhões de euros:
- O Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) é um mecanismo baseado no Tratado que abrange todos os Estados-Membros. Foi criado em Maio de 2010.
- O Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) foi criado em Junho de 2010. Para prestar assistência, o FEEF emite obrigações que são garantidas pelos Estados-Membros da Zona Euro e, em seguida, empresta o produto aos Estados‑Membros beneficiários.
- O Fundo Monetário Internacional (FMI).
Resumidamente, e recorrendo ao boletim mensal de Setembro do IGCP, eis o panorama da nossa dívida pública:
O reembolso da dívida pública a cinzento já não está coberto pela ajuda financeira externa (FEEF, MEEF e FMI). A maturidade dos empréstimos do MEEF será estendida por um prazo de 7 anos, em média, não se esperando que Portugal tenha de refinanciar esses empréstimos antes de 2026.
Este gráfico mostra que os empréstimos da troika têm permitido alargar os prazos de pagamento da dívida pública.
Analisando os dois quadros seguintes conclui-se que os empréstimos da troika também têm permitido baixar as taxas de juro:
Neste quadro os bilhetes do tesouro (BT) estão no fundo cinzento e as obrigações do tesouro (OT) no fundo branco. Repare-se nas datas de início e fim das OT e nas altas taxas de juro.
A troika já emprestou 67 mil milhões de euros a Portugal com a TIR (juros e comissões) média de 3,2%:
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