segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

IMI vai subir em 2022 para casas novas, reabilitadas ou reavaliadas


O Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) vai aumentar 4% em 2022 para casas recém-construídas, reabilitadas ou reavaliadas.

Tudo começa no valor base dos prédios edificados (Vc). É a soma do valor médio de construção com o valor do terreno, fixado em 25% daquele montante, ambos por metro quadrado.

Em 2010 o governo Sócrates aumentou o valor médio de construção para 482,4 euros, logo o valor do terreno, que corresponde a 25% daquele montante, subiu para 120,6 euros. Ao todo, o valor base era 603 euros por metro quadrado, um valor que o governo Passos Coelho manteve inalterado.

Passados nove anos, o governo António Costa aumentou o valor médio de construção para 492 euros, portanto o valor base dos prédios edificados subiu para 615 euros por metro quadrado.

Recentemente, pela portaria 310/2021, o governo António Costa voltou a subir o valor médio de construção por metro quadrado, agora para 512 euros, a partir de 1 de Janeiro de 2022. Em consequência, o valor base dos prédios edificados passa para 640 euros por metro quadrado, ou seja, sofre um aumento de 4%.

Este valor base serve de referência para todo o país mas sofre majorações ou minorações, impostas pelas câmaras municipais, em função da zona onde o imóvel está inserido (Cl) e as características próprias do imóvel (Cq). Isso reflectir-se-á no seu valor patrimonial tributário (Vt) porque é calculado pela fórmula

Vt = 640 euros por m² x Área x Ca x Cl x Cq x Cv

E, no final, reflecte-se no IMI: depois do município fixar a taxa de IMI que, para prédios urbanos varia entre 0,3% e 0,45%, as Finanças cobram o imposto e entregam à câmara municipal.


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Dizer que o valor médio de construção por metro quadrado é fixado anualmente sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (CNAPU) é um sofisma porque, não só o governo escolhe sete dos treze elementos dessa comissão, como também o presidente ainda pode propor um vogal de entre os indicados por cada uma das associações de proprietários, inquilinos, construtores ou empresas de mediação imobiliária, se não chegarem a acordo quanto aos vogais que lhes compete indicar.

A Associação Nacional de Proprietários (ANP) já manifestou “repúdio” pela decisão do Governo: “A ANP estranha que numa época de contenção e depois de dissolvida a Assembleia da República, o Governo em funções não se coíba de contribuir para o agravamento de impostos, matéria da exclusiva competência[do parlamento]”.

O aumento de 4% do IMI, vai aumentar as despesas com a habitação, quer para os novos proprietários que vão pagar mais impostos, quer para os antigos que se vêem impossibilitados de reavaliar as suas propriedades e usufruir da poupança esperada pela redução do coeficiente de vetustez (Cv) com o decorrer de mais uma década, poupança essa tão necessária para fazer face a obras de manutenção.
Por outro lado, também os arrendatários vão defrontar-se com subidas das rendas, ou com maior dificuldade em adquirir uma habitação própria.
Estas consequências estão em contradição com a promessa do governo António Costa no sentido de facilitar o acesso das famílias a uma habitação condigna.


quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Jornal português censura artigo de opinião de médico sobre vacinação de crianças


O jornal Público decidiu eliminar da sua plataforma on-line um artigo de opinião escrito por um médico anestesiologista sobre um assunto do domínio da Medicina:


Por se tratar de um acto de censura política, transcreveu-se o referido artigo enquanto ainda não tinham conseguido eliminá-lo da cache do Google (o negrito é da minha responsabilidade):


"OPINIÃO
Uma vacina longe demais
Os argumentos que foram e continuam a ser utilizados publicamente acerca das vacinas em geral, e agora muito concretamente acerca da vacinação de jovens e crianças, são argumentos irracionais, emotivos e políticos.

Pedro Girão
18 de Agosto de 2021, 21:58

Cada ciência tem a suas leis, as suas regras, o seu modo de fazer as coisas. As decisões decorrentes delas devem seguir as regras da ciência, impondo decisões lógicas e transparentes. Quando se trata de construir uma ponte, por exemplo, os detalhes técnicos não se debatem nos jornais, na televisão ou nas redes sociais. Não ouvimos “especialistas” de economia, ou de matemática, ou de sociologia, a defenderem que o betão do primeiro arco pode ou deve secar uma semana em vez das duas habituais. Não importa a urgência, a necessidade ou a bondade da obra: há normas de procedimento, há regras de segurança, há ciência. Fossem quais fossem as pressões, nenhum engenheiro aceitaria diminuir os prazos correndo o risco de que a ponte caia — eventualmente com carros e pessoas a atravessá-la.

Certamente, poderíamos dizer que a Engenharia é uma ciência bastante exacta — e a Medicina não o é. A Medicina é uma ciência aplicada, com graus de risco e de falibilidade que não são em geral bem compreendidos por quem raciocina sob o prisma das ciências exactas. A Medicina não é uma dessas ciências, mas tem igualmente as suas normas de procedimento, as suas regras de segurança. E não é a aparente urgência de tratamentos, exigidos diariamente pela loucura mediática e pelo pânico geral, que deve permitir ultrapassar as regras. No caso das vacinas em geral, antecipadas mais do que a segurança que sempre foi seguida impunha, e muito particularmente no caso da sua aplicação a crianças e jovens, não é isso que está a acontecer: a ciência médica está a ser ignorada, as regras estão a ser quebradas. Os argumentos que foram e continuam a ser utilizados publicamente acerca das vacinas em geral, e agora muito concretamente acerca da vacinação de jovens e crianças, são argumentos irracionais, emotivos e políticos. Isso é o pior que se poderia desejar para uma ciência que se pretende devotada a curar mas também, e antes de tudo, a não causar danos.

Os apelos recentes do Presidente da República e do responsável da vacinação (ambos excedendo de forma escandalosa e irresponsável as suas competências) são emotivos e políticos — dando de barato que possam ser “bem intencionados”. O vice-almirante, melhor do que ninguém, deveria saber o que pode acontecer quando se ignora a ciência militar e quando, pressionado por razões ou interesses de ordem política, se ordena uma ponte longe demais. A História lembra-nos como isso pode ser meio caminho andado para a tragédia; e, quer essa tragédia aconteça, quer não, esse tipo de decisão não deixa de ser uma irresponsabilidade. Colocar em risco a vida dos soldados, ou mesmo achar normal a existência de eventuais baixas e de vítimas colaterais, pode ser uma ideia com que as chefias militares convivam tranquilamente. Mas não são aceitáveis. E, convém lembrar, nós não somos soldados; e convém também frisar que recorrer a crianças como soldados não é tolerável.

Pelos mesmos motivos, a posição do Presidente da República nessa matéria é absolutamente escandalosa, parecendo baseada em conhecimentos débeis do assunto, em hipóteses duvidosas, em desvario emocional, ou em possíveis interesses. É pena constatar que ele não é actualmente o defensor dos portugueses, tendo-se progressivamente transformado num risco para os portugueses. E a posição de António Costa, congratulando-se com uma decisão final que ele próprio e as autoridades que ele tutela manobraram de forma palaciana, seria lamentável se não fosse apenas o seu registo habitual, cínico e falso.

Repito, os argumentos usados pelos (ir)responsáveis e pelos especialistas (alguns deles médicos) são emotivos e não-científicos. Deixemos a ciência ser ciência, sem pânicos, emoções ou estados de alma. Ou seja, paremos de fazer o que andamos a fazer há um ano e meio. Vacinar jovens e crianças com a motivação emotiva de que temos de salvar o resto da sociedade é um argumento revoltante. Insistir nessa ideia, quando já percebemos que a eficácia das vacinas é muito relativa, é uma atitude puramente disparatada. Não podemos usar os nossos filhos como escudo para a pretensa defesa da saúde dos adultos; e justificar a administração de uma vacina insuficientemente testada para o bem da saúde mental dos adolescentes é, em si mesma, uma ideia que remete para o questionar da saúde mental de quem a defende.

Pessoalmente, na covid como em qualquer outra doença, tomarei todas as precauções possíveis e farei todos os tratamentos adequados. Mas há limites, e a segurança dos meus filhos é uma deles. Se eu tiver que morrer por causa desse princípio, morrerei tranquilo; mas não submeterei os meus filhos a experiências terapêuticas e a riscos para me salvar. Sobretudo quando tudo indica que essa “solução” seja mais um fracasso e mais uma mentira a somar às anteriores. Sobretudo quando essas experiências se aproveitam do pânico de uma população desinformada e manipulada. Sobretudo quando essas experiências são exigidas e decididas por especialistas cobardes, por médicos cobardes, por políticos cobardes, por militares cobardes. Sim, porque só pode ser cobardia tentar usar crianças como um escudo humano. Deixem-nas crescer. E cresçam.

Médico, especialista em anestesiologia"



Em seguida transcrevemos a justificação apresentada pela direcção editorial do jornal Público para esta censura política que é classificada como "despublicação":

"OPINIÃO
Um erro e um pedido de desculpa

Direcção Editorial
19 de Agosto de 2021, 18:09

Um erro de controlo editorial corrigido nesta quinta-feira às 17h42 permitiu que um artigo de opinião (“Uma vacina longe de mais”) assinado pelo médico anestesiologista Pedro Girão estivesse disponível na nossa edição digital durante horas.

A sua despublicação justifica-se não apenas pelo tom desprimoroso e supérfluo usado pelo autor em relação a várias personalidades da nossa vida pública, como pelo seu teor que, de forma ora mais velada, ora mais explícita, tende a instigar a ideia de que a vacina contra a covid-19 é “uma experiência terapêutica” sem validade científica.

Como é do conhecimento dos nossos leitores, o PÚBLICO é um jornal que cultiva e estimula a diferença de opiniões que alimenta as sociedades democráticas. Mas há padrões e valores que não podem ser cedidos em nome do pluralismo. Numa questão tão sensível como a da pandemia, recusamos em absoluto promover juízos que tendem a negar a importância ou o relativo consenso científico em torno das vacinas.

Por isso errámos ao publicar o texto e por isso agimos com a celeridade possível para corrigir esse erro, despublicando o artigo em questão e pedindo desculpas aos nossos leitores pelo sucedido."


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As experiência terapêuticas (clinical trials) têm validade científica e são a única via para descobrir novos fármacos e testar novas técnicas cirúrgicas em Medicina.

Mas estamos no campo da investigação científica, do desconhecido: os participantes devem ser voluntários, ser informados de todos os riscos conhecidos e assinar um consentimento informado.

Sobretudo, em caso de algo correr mal, deve ser-lhes assegurado todos os tratamentos que forem possíveis para lhes salvar a vida em hospitais bem geridos, de preferência à escolha de cada voluntário, onde sejam tratados como seres humanos mesmo os que já tenham ultrapassado os 65 anos de idade.

Nada disto aconteceu na campanha da vacinação contra a COVID-19 em Portugal, onde se chegou ao ponto de exercer censura política, por via da comunicação social, sobre artigos de opinião de médicos. Não esqueçamos que o governo António Costa prometeu comprar publicidade no valor de 15 milhões de euros aos jornais por causa da pandemia.
Com os media comprados, a campanha de vacinação portuguesa terá sido uma das campanhas mais opacas que ocorreram em países da União Europeia.


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Humor Português


Celebrou-se hoje o Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.

A genialidade de Luís de Camões, o nosso poeta maior falecido em 10 de Junho de 1580, sobrevive à campanha daqueles que, aproveitando o homicídio do afro-americano George Floyd, em Maio de 2020, no Minnesota, Estados Unidos, procuraram denegrir as obras e conspurcar os monumentos erigidos em memória de insignes heróis e prosadores Portugueses.



Público, Bartoon 10-06-2021



sábado, 5 de junho de 2021

Estamos a precisar de “negacionistas”


"As opiniões do dr. Ventura não me interessam. A atitude dos “jornalistas”, sim. Desde o início da epidemia que esta classe profissional adoptou a defesa incondicional de tudo o que o governo diz e faz".

Assim começa o artigo de opinião "Ao contrário do dr. Ventura, eu sou “negacionista” " do jornalista Alberto Gonçalves, onde este colunista do jornal Observador consegue conciliar a ironia com o desenvolvimento aprofundado do que está em causa. Os negacionistas são uma praga. Mas estamos a precisar de "negacionistas".

O artigo só pode ser lido pelos assinantes, mas os comentários podem ser lidos por todos, obviamente, pois resultam do trabalho gratuito dos leitores (excepto os que são avençados de alguns partidos políticos pagos para insultarem os leitores que não concordem com as "opiniões" que eles têm de emitir). E, além de darem pistas sobre o pensamento da classe portuguesa mais instruída, há comentários que merecem uma referência especial:

Pedro Pedreiro
Fiodor Dostoievski, nos irmãos Karamasov, pela voz do General que explicava porque é que Cristo que tinha vindo pela segunda vez à Terra tinha de ser novamente crucificado, faz (e explica) a genial constatação: "o povo facilmente troca liberdade por pão".
Mais tarde Orwell acrescentaria "segurança" à equação. Para que precisamos de Liberdade se nos querem dar Segurança? (Veja-se a este título, a Nova Carta da Censura Digital. Ou ouçam-se as declarações de um agente da autoridade a explicar que o vírus já não está a favor da polícia!)
Muito lá atrás, os romanos já o sabiam e complementavam esta fórmula com o "circo": um povo distraído não questiona o poder. Hoje o circo são os futebóis, as novelas e a trica-trica partidária ou outra. Assim, um povo a quem não falte «panem et circenses», abdica da liberdade, julgando até que a tem.
A maior vítima desta pandemia foi, é, e será por muito tempo, a Democracia Liberal.

Manuel Martins
Concordo plenamente. O covid é neste momento a cola do governo, quando já não existe geringonça, troika ou Passos Coelho. É também a capa do mágico, pois permite tapar todas as asneiras, abusos, negócios suspeitos, e assim, com a ajuda de uma comunicação social quase toda comprada, o povo apenas vê o que o mágico quer que o povo veja.

FME
Voam, mas voam baixinho!
A professora tinha mandado fazer uma redação sobre a vida dos animais na selva. Um dos alunos, o Fernandinho, dissertou sobre os fantásticos voos dos crocodilos. Ao ler a redação, a professora ficou de boca aberta: — Mas os crocodilos não voam, disse ela para o aluno que lhe respondeu: — Mas foi o meu pai que me disse! — Ah, voam, mas voam baixinho, emendou a professora. O Fernandinho era filho de um importante e influente governante.
Assim andamos nós com as redações dos especialistas e de muitos jornais com o voo dos crocodilos... Voam, mas voam baixinho, lá acabamos por dizer resignados, para não corrermos o risco de exclusão social, ou ter que ir parar à Web Dark para comentar.
A história do Covid, é a história dos crocodilos que voam baixinho!


segunda-feira, 15 de março de 2021

Tribunal Constitucional declara inconstitucional a lei da eutanásia

O Tribunal Constitucional chumbou o Decreto n.º 109/XIV do parlamento que pretendia regular as condições em que a eutanásia não era punível e alterar o Código Penal, concordando com algumas objecções levantadas no requerimento do Presidente da República.

Para facilitar a leitura recorri ao negrito e, também, à cor vermelha para realçar os princípios constitucionais que não foram respeitados:


Comunicado sobre a Eutanásia

  1. O Tribunal Constitucional acaba de enviar a Sua Excelência o Presidente da República o acórdão que decide o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade de diversas normas do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República — com destaque para o n.º 1 do artigo 2.º — relativo às condições em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e à alteração do Código Penal daí decorrente, que o Chefe de Estado lhe submeteu.
  2. O Tribunal proferiu, por maioria, a decisão que acabam de ouvir ler, da qual, pela sua complexidade, se passam a referir, da forma mais simples e clara possível, os aspectos essenciais que permitem compreender o seu alcance.
  3. Recorde-se que, nos termos daquele artigo 2.º, n.º 1 — que é a norma que consagra a opção do legislador de não punir a antecipação da morte medicamente assistida, quando realizada em determinadas condições —, uma pessoa só pode recorrer à antecipação da morte medicamente assistida não punível desde que observe todas e cada uma das condições previstas nesse artigo, entre as quais se destaca a de tal pessoa se encontrar «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal».
  4. O Senhor Presidente da República, a título principal, suscitou duas dúvidas de constitucionalidade apenas quanto aos seguintes aspectos desta última condição:
    1.ª – O carácter excessivamente indeterminado do conceito de “sofrimento intolerável”;
    2.ª – O carácter excessivamente indeterminado do conceito de ”lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”.
  5. O Tribunal entendeu, em primeiro lugar, ser indispensável considerar a norma do referido artigo 2.º, n.º 1, como um todo incindível.
  6. Em segundo lugar, o Tribunal apreciou — tendo concluído pela negativa — a questão de saber se a inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição constitui um obstáculo inultrapassável a uma norma, como a do artigo 2.º, n.º 1, aqui em causa, que admite a antecipação da morte medicamente assistida em determinadas condições. A este respeito considerou o Tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias. Na verdade, a concepção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de protecção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político-legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa.
    Tal solução impõe a instituição de um sistema legal de protecção que salvaguarde em termos materiais e procedimentais os direitos fundamentais em causa, nomeadamente o direito à vida e a autonomia pessoal de quem pede a antecipação da sua morte e de quem nela colabora. Por isso mesmo, as condições em que, no quadro desse sistema, a antecipação da morte medicamente assistida é admissível têm de ser claras, precisas, antecipáveis e controláveis.
  7. Em terceiro lugar, e quanto à primeira dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de “sofrimento intolerável”, sendo embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional.
  8. Em quarto lugar, e no tocante à segunda dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de ”lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”, pela sua imprecisão, não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado.
  9. Por causa dessa insuficiente densidade normativa, que afecta uma das condições previstas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República para aceder à antecipação da morte medicamente assistida não punível, o Tribunal concluiu que a norma constante desse artigo se mostrava desconforme com o princípio da determinabilidade da lei, corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, por referência à inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º da mesma Lei Fundamental.
  10. Nestas condições, o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República e pela inconstitucionalidade consequente das restantes normas incluídas no pedido de fiscalização preventiva.


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A decisão do Tribunal Constitucional foi tomada por maioria de 7 votos contra 5.

O juiz presidente João Caupers (independente) e o juiz vice-presidente Pedro Machete (independente) votaram pela inconstitucionalidade da lei, bem como os juízes Lino Ribeiro (independente), Fátima Mata-Mouros (indicada pelo CDS), José Teles Pereira (indicado pelo PSD), Joana Costa (indicada pelo PS) e Maria José Rangel Mesquita (indicada pelo PSD).

Votaram vencidos os juízes Mariana Canotilho (indicada pelo PS), José João Abrantes (PS), Maria da Assunção Raimundo (PS), Gonçalo de Almeida Ribeiro (PSD) e Fernando Vaz Ventura (PS).

O que mereceu o chumbo dos juízes foi o conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" porque "não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado".

Já as objecções do Presidente ao conceito de "situação de sofrimento intolerável" não foram acolhidas. "Embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional", afirma o comunicado do Tribunal Constitucional.

E o que pensam os portugueses sobre a eutanásia? Eis um curioso diálogo lido no jornal Observador, entre duas pessoas com visões opostas de sociedade — conservadorismo, conhecimento, família, trabalho, meritocracia, altruísmo, versus fracturismo, superficialidade, individualismo, divertimento, oportunismo, egocentrismo —, na caixa de comentários de um artigo que antecipava a reprovação da lei da eutanásia pelos juízes do Tribunal Constitucional:

José Paulo C Castro
Preparam-se para chumbar indefinições de conceitos. Vão exigir que sejam definidas as condições em que se pode matar a pedido, de forma objetiva.

Assim, a resposta exigirá o alargamento para os casos em que se subentende o pedido com base na inutilidade da vida percebida pelos outros, até chegar aos casos em coma e demência (o verdadeiro objetivo) e diminuir os gastos estatais com tratamentos paliativos (se pode pedir a morte, porque insiste em tratamentos paliativos...).

Isto é apenas mais um passinho para aí. Não se sabe o que é sofrimento intolerável? Então passa a ser sempre que alguém diz: "Não aguento isto!" ou algo como "Quero morrer!" devidamente testemunhado. Alguém vai definir assim e pronto.

Um Gajo Muito Muito Manero --> José Paulo C Castro
Logo, se alguém num acesso de fúria diz "apetece-me matar fulano", esse alguém deve ser julgado por homicídio… pelo menos na forma tentada.
Estamos bem!

José Paulo C Castro --> Um Gajo Muito Muito Manero
Se em estado de transtorno devemos desvalorizar as declarações de alguém, então o estado de sofrimento intolerável é o quê?


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Manobras intimidatórias da extrema-esquerda


A ala mais extremista do PS, bem como o PAN e o Bloco de Esquerda desencadearam uma perseguição política ao juiz presidente do Tribunal Constitucional, Professor João Caupers, aproveitando este texto, por ele escrito num jornal online da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, em Maio de 2010, com a sua visão da homossexualidade naquela época:
"Considero oportuno esclarecer o meu pensamento sobre a questão da homossexualidade e dos direitos dos homossexuais, começando por afirmar que não sou adepto, nem pratico, nenhuma forma de discriminação, contra quem quer que seja. É-me indiferente que os meus amigos sejam homossexuais, heterossexuais, católicos, agnósticos, republicanos ou monárquicos. Os homossexuais merecem-me o mesmo respeito que os vegetarianos ou os adeptos do Dalai Lama. São minorias que, como tais, devem ser tratadas com dignidade e sem preconceito, tanto pelo Estado, como pelos outros cidadãos."

E acrescentava: "Uma coisa é a tolerância para com as minorias e outra, bem diferente, a promoção das respectivas ideias: os homossexuais não são nenhuma vanguarda iluminada, nenhuma elite. Não estão destinados a crescer e a expandir-se até os heterossexuais serem, eles próprios, uma minoria. E nas sociedades democráticas são as minorias que são toleradas pela maioria — não o contrário. (...) A verdade — que o chamado lobby gay gosta de ignorar — é que os homossexuais não passam de uma inexpressiva minoria, cuja voz é enorme e despropositadamente ampliada pelos media."

Quando foi escolhido pelos conselheiros para se tornar também juiz do Tribunal Constitucional, em Fevereiro de 2014, João Pedro Caupers fez uma avaliação dos textos de opinião que tinha escrito no jornal online da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa durante quatro anos, dizendo que alguns deles eram muito datados, motivados por questões da então actualidade, e não os teria redigido da mesma forma mais tarde: “Textos graves e amargos, uns, ligeiros e tolos, outros”, era já a sua opinião.

Na terça-feira, uma jornalista, que namorou com o socialista José Sócrates quando este era primeiro-ministro, resolveu ir buscar aquela opinião formulada há uma década pelo Professor João Caupers para criar uma notícia nas páginas do jornal Diário de Notícias, à boa maneira dos esbirros da seiscentista Inquisição como recorda Vital Moreira no seu blogue Causa Nossa.

Ontem, a matilha do PAN — partido que explora a ignorância de algumas pessoas no domínio da Biologia para lhes impingir a adopção do veganismo, uma moda altamente prejudicial para a saúde humana — enviou um requerimento ao presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias no qual solicita “o agendamento de audição, com caráter de urgência, a realizar em comissão, ao senhor presidente do TC, professor doutor João Caupers, tendo em vista a prestação de esclarecimentos sobre as declarações referidas”.

Em seguida, Catarina Martins, coordenadora do BE — um dos partidos que tem sobre os ombros a responsabilidade de muitas mortes de doentes de COVID-19, por causa de preconceitos em relação ao sistema de saúde privado que impediram o tratamento desses doentes — veio exigir que o novo presidente do Tribunal Constitucional se retrate das declarações de 2010 sobre homossexualidade, porque tal opinião contraria o “espírito de respeito pela igualdade” da Constituição.

É preciso lembrar que Catarina Martins, bem como a maioria os seus colegas deputados, no dia 29 de Janeiro, aprovou um decreto com o objectivo da despenalização da eutanásia que fere normas constitucionais, logo na base, como está demonstrado no requerimento que o presidente da República — recém reeleito no passado dia 24 de Janeiro com 60% dos votos expressos dos Portugueses que se dignaram ir votar, enquanto a candidata presidencial do BE nem sequer obteve 4% dos votos — hoje enviou ao Tribunal Constitucional. Logo temos de concluir que esta senhora é uma analfabeta constitucional.

Obviamente está em curso uma manobra de intimidação por parte de partidos da extrema-esquerda portuguesa que visa condicionar a actuação do juiz presidente do Tribunal Constitucional. Estes senhores precisam de aprender dois conceitos básicos em democracia — existe liberdade de expressão e os poderes legislativo, executivo e judicial são independentes.



Presidente da República submete decreto da eutanásia ao Tribunal Constitucional

Ver actualização em 15 de Março aqui.


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O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, decidiu submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade o decreto nº 109/XIV do parlamento, que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível, porque recorre a conceitos excessivamente indeterminados na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida e consagra a delegação pelo parlamento de matéria que lhe competia densificar.

Trata-se de um documento de grande profundidade no domínio do Direito Administrativo que pode ser um pouco difícil de interpretar. Para facilitar a leitura recorri ao negrito e, também, à cor vermelha para realçar os princípios constitucionais que não foram respeitados:




Excelentíssimo Senhor Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional

Excelência,

Nos termos do nº 1 do art.º 278º da Constituição da República Portuguesa, bem como do nº 1 do art.º 51º e nº 1 do art.º 57º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, venho requerer ao Tribunal Constitucional, com os fundamentos a seguir indicados, a apreciação da conformidade com a mesma Constituição das seguintes normas constantes do Decreto nº 109/XIV da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, Série II-A, número 76, de 12 de Fevereiro de 2021, que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, recebido e registado na Presidência da República, no dia 18 de Fevereiro de 2021, para ser promulgado como lei:

  • a norma constante do n.º 1 do artigo 2º, na parte em que define antecipação da morte medicamente assistida não punível como a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em “situação de sofrimento intolerável”;
  • a norma constante do n.º 1 do artigo 2º, na parte em que integra no conceito de antecipação da morte medicamente assistida não punível o critério “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”;
  • Consequentemente, as normas constantes dos artigos 4º, 5º e 7º, na parte em que deferem ao médico orientador, ao médico especialista e à Comissão de Verificação e Avaliação a decisão sobre a reunião das condições estabelecidas no artigo 2º.
  • Consequentemente, as normas constantes do artigo 27º, na parte em que alteram os artigos 134º, n.º 3, 135º, n.º 3 e 139º, n.º 2 do Código Penal.

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa refere-se a esta parte do

DECRETO N.º 109/XIV
Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal

Artigo 2.º
Antecipação da morte medicamente assistida não punível
1– Para efeitos da presente lei, considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.
[…]
Artigo 4.º
Parecer do médico orientador
1– O médico orientador emite parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos referidos no artigo 2.º e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afecta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respectivo prognóstico, após o que verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada.
[…]
Artigo 5.º
Confirmação por médico especialista
1 – Após o parecer favorável do médico orientador, este procede à consulta de outro médico, especialista na patologia que afecta o doente, cujo parecer confirma ou não que estão reunidas as condições referidas no artigo anterior, o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza incurável da doença ou a condição definitiva da lesão.
[…]
Artigo 27.º
Alteração ao Código Penal
Os artigos 134.º, 135.º e 139.º do Código Penal passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 134.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas na Lei n.º xxx.
Artigo 135.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas na Lei n.º xxx.
Artigo 139.º
[…]
1 – (Actual corpo do artigo).
2 – Não é punido o médico ou enfermeiro que, não incitando nem fazendo propaganda, apenas preste informação, a pedido expresso de outra pessoa, sobre o suicídio medicamente assistido, de acordo com o n.º 3 do artigo 135.º.»


Pelo Decreto nº 109/XIV, a Assembleia da República aprovou o regime que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal.


Nos termos da exposição de motivos de um dos projectos de lei (PS), que deram origem ao Decreto em apreciação, o legislador entendeu, com o presente Decreto, exercer a sua margem de conformação, em matéria muito sensível, relativamente à qual, afirma-se na mesma exposição de motivos, a Constituição não determina orientação definitiva. Quer isto significar que, nos termos da Lei Fundamental, cabe ao legislador permitir ou proibir a eutanásia, de acordo com o consenso social, em cada momento.


Não é objecto deste requerimento ao Tribunal Constitucional, em todo o caso, a questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a Constituição, mas antes a questão de saber se a concreta regulação da morte medicamente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma com a Constituição, numa matéria que se situa no core dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por envolver o direito à vida e a liberdade da sua limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana.


Esta mesma dificuldade é, de resto, reconhecida pelo legislador, na citada exposição de motivos, na medida em que afirma que “para que a intervenção, a pedido, de profissionais de saúde seja despenalizada sem risco de inconstitucionalidade por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a lei tem de ser rigorosa, ainda que recorrendo inevitavelmente a conceitos indeterminados, desde que determináveis.


Considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a antecipação da morte da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em i) situação de sofrimento intolerável, ii) com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, iii) quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.


O primeiro critério estabelecido é o da situação de sofrimento intolerável. Todavia, este conceito não se encontra minimamente definido, não parecendo, por outro lado, que ele resulte inequívoco das leges artis médicas. Com efeito, ao remeter-se para o conceito de sofrimento, ele parece inculcar uma forte dimensão de subjectividade. Uma vez que estes conceitos devem ser, nos termos do Decreto, como adiante se concretizará, preenchidos, no essencial, pelo médico orientador e pelo médico especialista, resulta pouco claro como deve ser mensurado esse sofrimento: se da perspectiva exclusiva do doente, se da avaliação que dela faz o médico. Em qualquer caso, um conceito com este grau de indeterminação não parece conformar-se com as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição, na matéria sub judice.


O mesmo se diga do segundo critério, em particular do subcritério de lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico.


Este subcritério aponta para uma solução pouco consentânea, de resto, com os objectivos assumidos pelo legislador, na medida em que permite uma interpretação, segundo a qual a mera lesão definitiva de gravidade extrema poderia conduzir à possibilidade de morte medicamente assistida. Este subcritério deve ser conjugado com o primeiro, é certo, e para além da lesão definitiva de gravidade extrema deve estar presente o sofrimento intolerável. Mas tendo em conta o que antecede — o carácter muito indefinido do conceito de sofrimento intolerável —, e a total ausência de densificação do que seja lesão definitiva de gravidade extrema, nem de consenso científico, não parece que o legislador forneça ao médico interveniente no procedimento um quadro legislativo minimamente seguro que possa guiar a sua actuação. Acresce que, sendo o único critério associado à lesão o seu carácter definitivo, e nada se referindo quanto à sua natureza fatal, não se vê como possa estar aqui em causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer em consequência da referida lesão, tal como alerta, no seu parecer, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.


A referida insuficiente densificação normativa não parece conformar-se com a exigência constitucional em matéria de direito à vida e de dignidade da pessoa humana, nem com a certeza do Direito. Contudo, como bem alerta no seu parecer o Conselho Superior do Ministério Público, há uma outra dimensão em que essa falta de densidade se revela especialmente problemática.

10º
Com efeito, a concretização destes conceitos fica largamente dependente da decisão do médico orientador e do médico especialista. Resulta do disposto no artigo 4º que o médico orientador emite parecer sobre se o doente cumpre todos os requisitos do artigo 2º, devendo este ser confirmado por parecer de especialista, nos termos do previsto no artigo 5º, o qual confirma a reunião das condições referidas, bem como o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza incurável da doença ou a condição definitiva da lesão.

11º
Para além de alguma redundância exibida por esta norma — referindo-se aos critérios já enunciados, e depois elencando-os numa ordem diversa, o que não contribui para a clareza e segurança jurídica — resulta claro, mais uma vez, que cabe aos clínicos, no âmbito do procedimento, a definição do preenchimento dos pressupostos para o exercício da antecipação da morte medicamente assistida, sendo depois tal verificado e confirmado pela Comissão de Verificação e Avaliação.

12º
Como é sabido, a Constituição veda ao legislador a delegação da integração da lei em actos com outra natureza que não a legislativa, nos termos do disposto no artigo 112º, nº 5. Na verdade, ao utilizar conceitos altamente indeterminados, ademais em matéria de direitos, liberdades e garantias, remetendo a sua definição, quase total, para os pareceres dos médicos orientador e especialista, o legislador parece violar a proibição de delegação, constante no artigo 112º da Constituição.

13º
Não se diga, por outro lado, que a insuficiente densificação normativa pode ser corrigida em sede de regulamentação da lei. Nos termos do disposto no artigo 30º do Decreto, o Governo aprova, no prazo máximo de 90 dias, a referida regulamentação. Todavia, sendo o presente Decreto o único instrumento legislativo que pode ser analisado neste momento, e padecendo ele das insuficiências assinaladas, a sua inconstitucionalidade não pode ser sanada com a expectativa de um regime futuro, cujo conteúdo se desconhece, ainda que dele o legislador faça depender a entrada em vigor do regime presente. É sobre este, e apenas sobre ele, que deve recair o juízo de conformidade constitucional.

14º
Com efeito, como se referiu, ao não fornecer aos médicos quaisquer critérios firmes para a interpretação destes conceitos, deixando-os, no essencial, excessivamente indeterminados, o legislador criou uma situação de insegurança jurídica que seria, de todo em todo, de evitar, numa matéria tão sensível. Esta insegurança afecta todos os envolvidos: peticionários, profissionais de saúde, e cidadãos em geral, que assim se vem privados de um regime claro e seguro, num tema tão complexo e controverso.

Ante o exposto, requer-se, nos termos do nº 1 do art.º 278º da Constituição, bem como do nº 1 do art.º 51º e nº 1 do art.º 57º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas do artigo 2º e, consequentemente, dos artigos 4º, 5º, 7º e 27º constantes do Decreto nº 109/XIV da Assembleia da República, por violação dos princípios da legalidade e tipicidade criminal, consagrados no artigo 29.º, n.º 1 e do disposto no n.º 5 do artigo 112º, relativamente à amplitude da liberdade de limitação do direito à vida, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme decorre da conjugação do artigo 18.º, n.º 2, respectivamente, com os artigos 1.º e 24.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.

Apresento a Vossa Excelência os meus mais respeitosos cumprimentos.

Lisboa, 18 de fevereiro de 2021

O Presidente da República


(Marcelo Rebelo de Sousa)


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No dia 29 de Janeiro, o parlamento aprovou um diploma para deixar de ser punida a "antecipação da morte medicamente assistida" verificadas as seguintes condições: "Por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".

Na votação participaram 218 dos 230 deputados, registando-se 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções. Os dois maiores partidos deram liberdade de voto aos seus parlamentares.

Votaram a favor 95 deputados do PS, todos os do Bloco de Esquerda (19 votos), 14 deputados do PSD, incluindo o presidente do partido, Rui Rio, do PAN (3 votos), do PEV (2 votos), o deputado único da Iniciativa Liberal e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.

Votaram contra 53 deputados do PSD, 9 do PS, incluindo o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, todos os do PCP (10 votos), do CDS-PP (5 votos) e o deputado do Chega, André Ventura.

Registaram-se 2 abstenções na bancada do PS e outras 2 na do PSD.

O diploma seguiu hoje da Assembleia da República para o Palácio de Belém e foi enviado pelo Presidente da República para o Tribunal Constitucional no mesmo dia. Este tribunal tem, agora, um prazo de 25 dias, para se pronunciar.

Sabendo-se que os seguros de saúde prevêem que os doentes possam ouvir segundas opiniões médicas porque existem opiniões divergentes na comunidade médica sobre as suas doenças, pergunto: O que é que os deputados portugueses entendem por consenso científico?

O que é uma lesão de gravidade extrema? Aquela que causa tetraplegia, coma, ...? Qual é o padrão usado para medir a gravidade da lesão? Se o doente estiver em coma, como é que pode pronunciar-se?

O que é uma doença incurável? É aquela em que 300 doentes entram num ensaio clínico e morrem no prazo de um ano, mas há 1 que entra em remissão sem que a comunidade científica consiga explicar o desaparecimento da doença ou possa dizer que o doente está curado?

Repare-se noutras palavras que os deputados usam, mas não definem — sofrimento intolerável. Isto é um conceito altamente subjectivo. Tirem a esperança a um doente, ele fica em sofrimento intolerável. Devolvam-lhe a esperança, anunciando a existência de um novo fármaco que consegue controlar a doença por mais 6 anos, o sofrimento desaparece.
Com este decreto, António Costa e Rui Rio pretendem recorrer à eutanásia para fazer economias no tratamento de certas doenças dispendiosas. O facto de poderem desencadear autênticos assassínios parece que não lhes causa preocupações éticas.

Quanto à referência no artigo 4.º do decreto a tratamentos na área dos cuidados paliativos, é um mero exercício de hipocrisia pois praticamente não há vagas nas poucas unidades que existem neste país. A ADSE recusa-se mesmo a pagar o internamento em qualquer unidade de cuidados paliativos dos hospitais privados.

Será que a maioria dos nossos deputados, além de serem uma nulidade em Direito Administrativo, também não percebem nada de Biologia nem sequer têm experiência de vida? Em que espécie de gente é que andamos a votar?


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terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Vergonha

Quando Portugal se tornou no primeiro país do mundo com mais novos casos de infecção e mais óbitos diários por COVID-19, comecei a suspeitar que situações como a descrita abaixo pudessem existir em lares de idosos. No entanto, o que se passou neste "lar" ultrapassa tudo o que de pior conseguia imaginar. Por favor, leiam esta notícia do jornal Público:


O utente, que alegadamente tem problemas psicológicos, é um dos 17 que testaram positivo, assim como sete funcionárias que foram substituídas por auxiliares colocadas pela Cruz Vermelha.

Carlos Dias
9 de Fevereiro de 2021, 20:54

O fotógrafo Pedro Guimarães, que tinha ido no último domingo ao litoral alentejano em trabalho, decidiu regressar a Lisboa passando pela freguesia de S. Martinho das Amoreiras no concelho de Odemira. Chovia copiosamente. Descontraído, mas atento às difíceis condições que o mau tempo exigia à condução do seu veículo, observou no meio da estrada um vulto que se “arrastava pelo asfalto, semi nu, descalço e em absoluta agonia”. O viajante disse ao PÚBLICO ter ficado atónito quando se deparou com um idoso “com ar de quem estava às portas da morte e apresentando sinais de asfixia”. Mais tarde viria a descobrir que se tratava de um utente de um lar de idosos.

Perplexo e no meio de nada, Pedro Guimarães perguntou-lhe o nome, mas não obteve resposta. E descreve o que viu debaixo de chuva: “O seu tom de pele estava perto do cinzento” e o seu olhar focava-se num local certamente indefinido. Com a prevenção que os tempos que estamos viver exigem, antes de sair da viatura vestiu um impermeável, luvas, máscara, e da melhor maneira que conseguiu, tentou tirá-lo do meio da estrada.

O sítio onde se encontrava e àquela hora da noite, cerca das 20h, não tinha grandes pontos de referência a não ser o que depois confirmou ser um lar de idosos “rodeado de fita reflectora, denunciando um foco de contágio” com covid-19. Correu na direcção do edifício e chamou por alguém que pudesse prestar ajuda. Até que apareceu um senhor “vestido em trajes de guerra química” e perguntou-lhe se faltava algum utente no lar. Resposta peremptória: “Não!

Descuido na segurança

Pediu que descesse a rampa que dava acesso ao lar para se certificar se aquela pessoa em grande sofrimento e que “definhava sentado no asfalto” não seria um dos utentes do lar. O funcionário acedeu e quando se abeirou do idoso gritou: “Jeremias! O que estás aqui a fazer?”. Ao mesmo tempo, gesticulava para afastar o fotógrafo, alertando para a infecção com o vírus.

Pedro Guimarães entendeu que a situação requeria outro tipo de abordagem e ligou para o INEM. Enquanto respondia às perguntas que são colocadas nestas circunstâncias, o idoso “foi levado para dentro do lar numa cadeira de rodas” e o socorro deixou de fazer sentido, relata com indignação. O senhor Jeremias deu novamente entrada na casa que o acolhia e de onde saiu “sem que ninguém desse conta”, confirmou ao PÚBLICO, Manuel Loução, responsável do lar.

Numa primeira abordagem, este responsável negou que alguém saísse da instituição naquelas condições. Mas quando lhe foi referido o nome do utente, rectificou: “Jeremias? Temos cá um utente com esse nome. É uma pessoa autónoma mas apresenta deficiências mentais.

Manuel Loução assegura que não lhe foi comunicada a saída do idoso, mas admite que tal pudesse ter acontecido. Também ele está confinado na sua residência, depois de 17 utentes e sete funcionários do lar terem testado positivo, há três dias. “Para lhe ser franco não sabia de nada. Aliás nunca nos aconteceu uma coisa assim”, disse, reconhecendo que a instabilidade que o surto provocou possa ter “facilitado” a saída do senhor Jeremias.

Lar sem funcionários próprios

Com o contágio de sete funcionários, ficámos com dificuldades em assegurar os serviços do lar e a Cruz Vermelha enviou, há cerca de uma semana, oito pessoas naturais da Guiné-Bissau que estão a prestar serviço no nosso lar”, acrescentou. No levantamento que fez da situação, foi-lhe comunicado que o utente deverá ter saído do lar por volta das 18h30 quando todos jantavam. “É uma pessoa que tem problemas psicológicos e em momentos de crise temos de o fechar no quarto, para não se pirar”, frisou o responsável do lar, explicando que uma das funcionárias lhe foi entregar o jantar e “inadvertidamente deixou a porta aberta e ele saiu”.

Nos esclarecimentos que lhe foram prestados foi-lhe dito que o transeunte empolara a denúncia, e garantido que o idoso se encontrava “à porta da lavandaria e não na rua”. Mas Pedro Guimarães não tem dúvidas e reafirma que viu o senhor Jeremias no meio da estrada. Manuel Loução confirmou que o utente “está com a covid-19 e confinado num apartamento”, lamentando que a situação tenha ocorrido com pessoas que “não são funcionárias da instituição”. Mesmo assim, “serão chamadas à responsabilidade porque estes casos não podem acontecer”, observa o responsável do lar de S. Martinho das Amoreiras.

Consciente do risco que correu, logo que deixou entregue o idoso Pedro Guimarães, despiu a roupa que trazia e procurou salvaguardar a sua segurança. Mas garante que voltaria a tomar a mesma atitude: “O homem estava no meio do asfalto, sozinho, ao frio, à chuva e quase nu. Alguém tinha de o levantar do chão”, disse. “Mas o que me assustou não foi a proximidade com o vírus. Foi sim observar em primeira mão a violência institucional a que são sujeitos milhares de portugueses em fim de vida: os velhos sem ninguém, invisíveis”, lamentou o fotógrafo nas redes sociais.


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Ficámos a saber que há, pelo menos, um lar em Portugal, distrito de Beja, concelho de Odemira, freguesia de S. Martinho das Amoreiras, onde um idoso apresentando sinais de asfixia é fechado num quarto e não recebe oxigénio nem quaisquer outros cuidados médicos.

Foi para resolver estes casos que o partido socialista, liderado por António Costa, e os deputados Rui Rio e Catarina Martins se empenharam tanto na legalização da eutanásia durante a terceira vaga da pandemia?
Os problemas sociais resolvem-se criando um ensino de qualidade, tanto durante o período da escolaridade obrigatória, como ao longo do resto da vida. Uma sociedade que procura resolver problemas sociais pressionando, por meio de maus tratos, doentes, idosos, pessoas fragilizadas a pedirem a eutanásia condena-se a si própria ao declínio. Deixou de haver humanidade em terras de Portugal. Tornámo-nos a vergonha da União Europeia.

Apenas seis pessoas lamentaram o sucedido no jornal Público. Transcrevemos dois comentários:

newsbypublic.882951 Iniciante

Caro Pedro Gonçalves, um agradecimento pelo seu gesto altruísta e por partilhar esta experiência que levanta inúmeras questões. Como é que foi possível a fuga deste senhor? Por é que a sua falta não foi sentida? O motivo da resposta categórica, "Não!"?... Como é possível que "em momentos de crise temos de o fechar no quarto, para não se pirar"? Nestes momentos de crise, quem é que supervisiona a segurança física e psicológica do Sr Jeremias? Há algum tipo de apoio psiquiátrico e psicológico ou os Lares continuam a ser meros depósitos de Portugueses que aí permanecem até que a morte aconteça? Há alguém no governo, nos diferentes ministérios da Saúde, da Segurança Social, etc, que se preocupe minimamente com os Idosos? É indigno ter que passar por uma experiência assim devido à incúria. M. C.

Joaquim Rodrigues.915290 Iniciante

Este é o verdadeiro retrato da "política" de combate à pandemia no nosso País. Este deve ser mais um daqueles "lares de idosos" bem conhecidos das autoridades, mas que elas próprias apelidam de "clandestinos". Tristeza de País o nosso!


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

"Grito de alerta pelos doentes"


Depois do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ter entrado em caos na maioria dos hospitais de Portugal continental — a situação no Hospital de Santa Maria já era aflitiva no sábado e o Hospital de Loures soçobrou na madrugada de ontem e já há infectados por COVID-19 a morrerem em casa aos 42 anos —, facto que está a ser escondido pela pior ministra da Saúde que alguma vez este país teve, a Ordem dos Médicos lançou um "Grito de alerta pelos doentes" que estão a morrer sem tratamento nos hospitais públicos, consubstanciado em 10 propostas (o negrito é meu):



A situação emergente que se vive na Saúde em Portugal, por ausência de medidas robustas por parte de quem tem a responsabilidade política de tomar decisões, impelem o Bastonário da Ordem dos Médicos e o seu Gabinete de Crise para a Covid-19 a renovar um conjunto de propostas urgentes para combater de forma mais eficaz a pandemia em curso:

1. Comunicar aos portugueses de forma transparente, coerente e objetiva, não omitindo a verdade, não tentando esconder a gravidade da situação, nem tentando encontrar bodes expiatórios para justificar a incapacidade de liderar o combate à pandemia.

2. Adotar sem reservas e com a maior brevidade um confinamento geral, no mínimo semelhante ao que ocorreu em março/abril de 2020, aquando da primeira onda da pandemia, com uma situação muito menos severa.

3. Reforçar a capacidade de resposta das equipas de saúde pública, com os meios necessários e profissionais de saúde competentes para desempenhar as tarefas de realizar inquéritos epidemiológicos válidos e em tempo útil, que permitam identificar rapidamente os contactos de alto risco e quebrar cadeias de transmissão da doença Covid-19.

4. Aumentar de forma exponencial a capacidade de testagem de pessoas infetadas e seus contactos, através da utilização massiva de testes rápidos, para tentar recuperar o tempo já perdido na quebra de cadeias de transmissão e reforçar a capacidade de resposta da saúde pública.

5. Utilizar, de forma planeada e organizada, todos os recursos do sistema de saúde, para dar uma resposta integrada e consistente aos cidadãos e doentes Covid-19 e não Covid-19. A gestão crítica nacional e regional de camas de internamento e de cuidados intensivos deve envolver equipas altamente diferenciadas e englobar todo o sistema de saúde (setor público, privado e social).

6. Libertar os médicos de família do Trace-Covid (e contratar médicos para esta tarefa específica), para que a principal porta de acesso ao SNS possa estar aberta e não parcialmente encerrada.

7. Proteger verdadeiramente as pessoas mais frágeis, nomeadamente os nossos idosos que estão nos lares, contratando equipas específicas com formação adequada, para que possam ter acesso privilegiado a cuidados de saúde em segurança.

8. Rever com urgência os protocolos e funcionamento da linha SNS 24, para garantir informação consistente, adequada e eficaz aos cidadãos.

9. Ouvir de forma regular as instituições legalmente competentes, que conhecem o terreno onde o combate à pandemia acontece.

10. Revisão imediata do Plano Nacional de Vacinação Covid-19 e pedido de parecer urgente ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) sobre critérios de prioridade para vacinação Covid-19.

As meias medidas nem servem a saúde nem a economia.

Já perdemos demasiado tempo e continuamos a perder.

É inaceitável continuar nas meias medidas e meias verdades.

Dizer que está tudo bem, quando não está.

Dizer que estamos a atingir a linha vermelha quando já a ultrapassamos há muito (não será preciso recordar os mais de 25 milhões de consultas presenciais, cirurgias e exames complementares de diagnóstico e terapêutica que ficaram pelo caminho e continuam a ficar).

Manter estratégias políticas que não motivam os cidadãos a cumprir.

Os profissionais de saúde neste momento têm de tomar decisões complexas e muito difíceis em contexto de medicina de catástrofe e de estabelecimento de critérios de prioridade e não conseguem salvar todas as vidas. São eles que desesperam perante os limites do sofrimento e da compaixão, mercê da incapacidade de tratar o outro, e assim são vítimas de burnout e sofrimento ético. São eles que, além dos doentes, sofrem no terreno, e que aguentam a pressão brutal sobre o SNS.

Precisamos com urgência de proteger os doentes, os profissionais de saúde, toda a população portuguesa.

É emergente esmagar a transmissão na comunidade. Dada a evolução atual da pandemia, precisamos de atuar agora com todos os meios para ter resultados consistentes daqui a 2 semanas.

Ninguém pode continuar, por más decisões políticas, a tolerar a morte silenciosa de quem não consegue gritar.

Este é um grito de alerta para acordar e ajudar Portugal.

Lisboa, 18 de janeiro de 2021"