terça-feira, 31 de julho de 2012

26 administradores de sociedades cotadas ganharam mais de 1 milhão de euros



Foi hoje publicado, no sítio da Internet da CMVM, o Relatório anual sobre o Governo das Sociedades Cotadas 2010. Pode o leitor comparar com o resumo do relatório do ano transacto.

O Sumário Executivo diz-nos que continuamos a ter administradores ubíquos,
Cerca de 4% dos administradores foram responsáveis por 20% dos lugares de administração, em empresas dentro e fora dos grupos onde exerciam funções. Identificaram-se 17 administradores que acumulavam lugares de administração em 30 ou mais empresas, havendo um caso de um administrador que pertencia ao órgão de administração de 73 empresas. Cinquenta e cinco membros dos órgãos de administração afirmaram desempenhar cargos apenas na sociedade (cinco eram executivos).

Os membros executivos dos órgãos de administração das sociedade cotadas a exercer funções a tempo inteiro acumulavam, em média, lugares de administração em 11,9 sociedades de dentro e de fora do grupo da sociedade cotada onde exerciam funções. Entre os administradores executivos que exerciam funções a tempo parcial, a participação média global em cargos de administração era de 15,5 empresas. Os administradores não executivos independentes desempenhavam, em média, funções de administração em 3,2 empresas, subindo este indicador para 8,3 no caso dos não independentes.

mulheres não são bem-vindas
No que respeita ao género, apenas 5,9% dos cargos de administração das sociedades cotadas (26 cargos em 440) eram exercidos por mulheres. Tomando em conta apenas os membros executivos, o número de lugares ocupados por mulheres era ainda menos relevante pois representavam apenas 4,0% do total.

e independentes também não:
O peso relativo dos administradores independentes nos conselhos de administração entre as empresas analisadas aumentou para 30,0% (21,6% em 2009) ultrapassando-se assim, em média, a recomendação da CMVM (mínimo de 25%) sobre a matéria. Tomando por referência o conceito de independência do Artº 414º do Código das Sociedades Comerciais que valoriza a não detenção ou subordinação a detentores de participações qualificadas por parte dos membros dos órgãos de administração bem como a não permanência por mais de dois mandatos consecutivos ou interpolados como administrador da mesma sociedade, identificaram-se sete sociedades onde não existiam membros do órgão de administração considerados independentes.

I.3 Remuneração dos Membros dos Órgãos Sociais

As remunerações pagas aos membros dos órgãos de administração, no âmbito do perímetro de consolidação das sociedades cotadas, totalizaram, em 2010, pouco mais de EUR 125,5 milhões (aproximadamente EUR 264 mil por administrador). Recorde-se que as remunerações ascenderam, em 2009, a EUR 124,7 milhões tendo os administradores auferido em média EUR 297 mil. (...)

Do total global de administradores na lista de remunerações das sociedades cotadas e/ou dos respetivos grupos, 71,2% (75,2% em 2009) apenas receberam remunerações oriundas diretamente da sociedade cotada.³ (...)

Sempre que os administradores recebem remunerações significativas de outras empresas do grupo que não da empresa cotada é legítimo que os acionistas apreciem tais situações com redobrada atenção. Na realidade, estes não só suportam (indiretamente) essas remunerações, como poderão não ter qualquer controlo sobre a fixação do seu valor. Igualmente preocupantes são as situações em que as remunerações recebidas da sociedade cotada (e do seu grupo) representam uma exígua percentagem das remunerações recebidas pelos administradores.

³ O que representa 339 administradores em 476.

As remunerações atribuídas aos administradores executivos diminuíram em termos médios para EUR 449,3 mil (foram de EUR 513 mil em 2009) mas mantiveram-se claramente acima da remuneração média global de EUR 264 mil. Vinte e um administradores executivos receberam mais de EUR 1 milhão, tendo o valor máximo sido de EUR 1,42 milhões (...)

Em termos médios, a remuneração dos executivos foi significativamente mais elevada que a dos não executivos. Todavia, o valor extremo mais elevado (EUR 2,067 milhões) registou-se no caso de um administrador não executivo e foi essencialmente justificado por um elevado montante de benefício de cessação de emprego. Cinco administradores não executivos receberam acima de EUR 1 milhão.

I.4 Assembleia Geral

As 45 empresas cotadas na Euronext Lisbon analisadas realizaram 53 assembleias gerais de acionistas ao longo do ano de 2010. (...)

Identificam-se apenas 32 presidentes da mesa da Assembleia Geral distintos (35 em 2009). Além dos 24 presidentes que apenas ocupavam este cargo numa única empresa, oito outros acumulavam a presidência da Assembleia Geral em várias empresas. (...)

Em 21 empresas⁴ cada um dos presidentes recebia até EUR 4.999 pelo desempenho de funções e em seis destas não havia lugar a qualquer remuneração. Em 10 empresas recebiam EUR 5.000 e em 11 a remuneração superava esse valor. Finalmente, há o caso de um presidente que acumulava funções em duas sociedades, das quais recebia um total de EUR 192.000, valor que representava (tal como em 2009) cerca de metade do total das remunerações anuais entregues pela totalidade das sociedades aos respetivos presidentes da mesa da Assembleia Geral.

⁴ Duas empresas não indicaram a remuneração do presidente da Assembleia Geral.

I.5 Outros Temas
I.5.1 Auditoria Externa
Tal como no ano anterior, dez auditores externos foram responsáveis por auditar as 44 empresas analisadas. Em 33 empresas, o auditor externo prestou outros serviços à sociedade e/ou respetivo grupo distintos dos de auditoria.

A Deloitte e a PricewaterhouseCoopers foram as auditoras que prestaram serviços a mais sociedades, 17 (18 em 2009) e 11 (nove em 2009), respetivamente. Considerando o peso de cada sociedade cotada na capitalização bolsista, confirma-se a existência de um elevado grau de concentração deste mercado, dado que as três auditoras mais relevantes segundo este indicador (Deloitte, KPMG e Price) representaram 97,6% do total. (...)

Restringindo o mercado de serviços de auditoria às empresas cotadas e calculando as quotas de mercado tendo por base os honorários totais pagos pelas sociedades cotadas (ou por empresas do mesmo grupo) aos respetivos auditores externos, verifica-se que o ranking das auditoras se altera.

Assim, apesar de a Deloitte ser a empresa que audita mais sociedades cotadas e mais “capitalização bolsista”, é a KPMG que capta a maior fatia dos honorários totais pagos aos auditores. Também a Ernst, que audita apenas 1,1% da capitalização bolsista das empresas cotadas, vê a sua quota de mercado atingir os 4,9% quando se consideram os honorários recebidos.
O número de anos que, em média, a empresa de auditoria externa prestava consecutivamente serviços ao emitente foi de 8,8 anos (7,5 em 2009). Entre as quatro maiores auditoras, a Price foi a única a apresentar um indicador de antiguidade (4,3 anos) inferior à média global, tendo a Deloitte registado um valor muito próximo da média, embora superior. Entre as auditoras externas menos representativas apenas a BDO tem um valor inferior à média (6,7 anos). A Patrício, Moreira, Valente e Associados, SROC, auditava a Compta há 31 anos consecutivos.

Tomando o grupo e não a sociedade cotada como referência, o número médio de anos consecutivos em que o auditor prestava serviços ao emitente sobe para 9,5 anos (8,9 em 2009). Em oito empresas o auditor é o mesmo há, pelo menos, 12 anos (quatro há, pelo menos, 20 anos).

Recorde-se que o código de governo das sociedades da CMVM aprovado em Janeiro de 2010 contém uma recomendação sobre auditoria. Nos termos desta recomendação, as sociedades devem promover a rotação do auditor externo ao fim de dois ou três mandatos, conforme sejam, respetivamente, de quatro ou de três anos, e que a sua manutenção além desse período deverá ser fundamentada num parecer específico do órgão de fiscalização. Face a 2009, as consequências desta nova recomendação parecem ter sido, para já, diminutas. (...)
Em matéria de honorários recebidos pelos trabalhos efetuados pelos auditores externos tomando por referência o envolvimento global com os respetivos grupos empresariais das cotadas (ou apenas com a própria sociedade quando o conceito de grupo não é aplicável) foram considerados os serviços de auditoria, de fiabilidade, de fiscalidade e outros serviços prestados.

Em média, o valor dos trabalhos de auditoria representou pouco mais de metade (55,2% em 2009) dos honorários globais pagos às empresas de auditoria externa. Tal como apurado em 2009, aquela percentagem esconde diferenças muito relevantes entre os vários tipos de sociedades. Metade das empresas indicou que recorreram a outros serviços, além da auditoria estrita, prestados pelos respetivos auditores externos.

Identificaram-se seis empresas onde os serviços de auditoria representaram menos de 50% dos honorários pagos. Contudo, destas, apenas a Brisa registou um peso dos serviços de auditoria em sentido lato (auditoria e fiabilidade) inferior a 50%.

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O comentário mais votado no Negócios sugere que se dê ao turbo-administrador de 73 empresas o prémio Nobel do Tacho. Apoiado!


Actualização: o misterioso administrador de 73 empresas é Miguel Pais do Amaral. É chairman de duas sociedades cotadas — a Reditus e a Media Capital — e administrador em mais 71 empresas não cotadas. E accionista delas todas. A história é contada aqui.




Recursos mineiros nacionais valem mais que o PIB


Registamos estas palavras esperançosas de Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia e Emprego, para futuramente podermos avaliar as consequências destes contratos:



"Gostaria de sublinhar mais uma vez a importância que este sector [prospecção, pesquisa e exploração de recursos mineiros metálicos] crescentemente tem para o nosso País.

É um sector que está em franco desenvolvimento. É um sector em que existem investidores, quer nacionais, quer internacionais, que têm apostado cada vez mais no nosso País. E apostam por uma simples razão: porque existe um potencial muito grande no nosso subsolo de recursos mineiros e geológicos. Um potencial que interessa explorar e que interessa também pesquisar e concessionar. É isso que estamos a fazer.
Em apenas treze meses de Governo já assinámos cerca de 78 contratos mineiros. São contratos que irão dar azo a investimentos muito significativos.

Sabemos que o valor estimado dos recursos mineiros no nosso subsolo é uma a duas vezes o PIB nacional.
Sabemos que, neste momento, a produção de minérios já ultrapassa cerca de mil milhões de euros e as exportações já rondam mais de 750 milhões de euros.
É ainda um sector que gera riqueza e criação de emprego significativo e que promove o desenvolvimento regional. Aliás os contratos hoje aqui assinados são em regiões do País que precisam deste tipo de investimentos e onde este tipo de investimentos irá, certamente, impulsionar o desenvolvimento económico. Até porque os royalties que o Estado recebe, em parte, poderão ser alocados ao desenvolvimento regional.

Numa fase inicial, este investimento poderá rondar 67 milhões de euros. Também estamos aqui a assinar contratos para a prospecção e pesquisa de volfrâmio com mais de 2 milhões de euros de investimento.
Em todos os contratos que assinámos nos últimos meses, é muito importante referir que não só o desenvolvimento regional e a criação de riqueza e de emprego estiveram no centro das nossas preocupações, mas também a defesa intransigente do interesse nacional. Não é por acaso que temos revisto também contratos antigos para melhorar as condições destes contratos para o País."


“Há várias empresas interessadas nas Minas de Moncorvo que têm grande potencial e recursos muito substanciais. Será certamente uma das maiores minas da Europa a explorar nos próximos anos."


quinta-feira, 26 de julho de 2012

Pavilhão Atlântico vendido por menos de metade do custo


Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos! À hora que te escrevo, estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura.
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, 1862.




O vencedor do concurso para venda do Pavilhão Atlântico foi o consórcio Arena Atlântico formado por Luís Montez, pela Ritmos & Blues (R&B), pelo fundo de capital de risco BES PME e pela actual equipa de gestão deste espaço de espectáculos.

Segundo a ministra Assunção Cristas, chegaram à fase final do concurso internacional três concorrentes, todos propondo respeitar a função do imóvel: a Arena Atlântico, que ofereceu 21,2 milhões de euros, a empresa norte-americana AEG Facilities, com a proposta de 16,5 milhões de euros, e um outro consórcio que integrava a CIP, António Cunha Vaz e a Everything is New de Álvaro Covões, com 18,5 milhões de euros.

Portanto o pavilhão mantém a função para que foi construído na EXPO 98 — a de grande sala de espectáculos — e foi escolhida a proposta de valor mais elevado.

Há, porém, um pequeno senão:

Valor
O Pavilhão Atlântico custou cerca de 11 milhões de contos. Durante dois anos e oito meses centenas de trabalhadores e técnicos especializados construíram uma área total de 47.000 m².

Quer dizer, a construção do Pavilhão Atlântico custou 55 milhões de euros ao erário público. E o outrora chamado Pavilhão da Utopia é um espaço ímpar no País:


O Pavilhão Atlântico é um espaço único.

A estética, a versatilidade, a flexibilidade e a sua arquitectura de formas simples e inovadoras são a moldura perfeita para os eventos que se querem de sucesso.

Membro da EAA — Associação das Arenas Europeias — e da ATL — Associação de Turismo de Lisboa — este grande e simbólico espaço tem residência no Parque das Nações. Com uma localização privilegiada na margem norte do rio Tejo, com excelentes acessibilidades — destaque para a proximidade ao Aeroporto Internacional de Lisboa (cinco minutos) — e com modernas e excelentes infra-estruturas, o Pavilhão Atlântico é um dos equipamentos mais modernos do mundo com uma construção deslumbrante.

Pelas suas características arquitectónicas e operacionais o Pavilhão Atlântico mereceu, em 2001, o reconhecimento do Comité Olímpico Internacional e da Associação Internacional de Equipamentos, tendo sido distinguido com o Prémio de Ouro IOC/IAKS na Categoria de “Equipamentos Desportivos para Eventos Internacionais”.

Composto por três áreas integradas, todos os espaços são facilmente adaptados às necessidades e características de cada evento. A Sala Atlântico, com uma arena de 5200 m² e capacidade para 12.500 pessoas sentadas abriga, com uma versatilidade única e sucesso absoluto, todo o tipo de eventos. A Sala Tejo, banhada por luz natural, dispõe de 2200 m² preparados para a concretização de todas as ideias. E o Centro de Negócios, com o seu auditório de 100 lugares e 11 salas integráveis está apto a receber eventos de menor dimensão.

Dos banquetes às convenções, da moda ao desporto, dos espectáculos aos lançamentos de produto o Pavilhão Atlântico é um espaço flexível. À dimensão de todas as necessidades. Dos 60 aos 10.000 m². Das 20 às 20.000 pessoas.

A Atlântico, S.A. registou resultados líquidos de 381 mil euros, em 2010, e 204 mil euros em 2011.

Continuam os bons negócios no cavaquistão.


Suave brisa vinda da Coreia do Norte



Kim Jong-Un, líder da Coreia do Norte, e sua mulher Ri Sol-Ju visitam uma piscina em Pyongyang, capital do País.


O regime comunista norte-coreano parece querer imitar a abertura da economia chinesa ao mercado mundial.
São más notícias para os trabalhadores portugueses, porque os norte-coreanos aplicam-se nos estudos e recebem salários reduzidíssimos.

Mesmo assim, votos de que prossigam nesta abertura, para bem do seu povo e paz do resto da humanidade.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Humor em Julho - II


Sempre que o primeiro-ministro ou algum ministro se desloca em visita oficial a qualquer vila ou cidade do País, tornou-se habitual ver pequenos grupos de manifestantes a vaiar os governantes.

Sócrates fugia deles como o diabo da cruz.
Outra foi a atitude dos membros do actual Governo: aproximavam-se e, cordialmente, procuravam entabular diálogo procurando debater temas com os discordantes.
Incapazes de argumentar, estes limitavam-se a repetir slogans e os governantes acabaram por perceber que não havia desejo de comunicação e passaram a manter-se ao largo.

Com o decorrer das semanas descobriu-se que não eram gentes da terra. Tratava-se de manifestantes profissionais que se deslocavam... de autocarro.

Como sucedeu hoje em Cantanhede, aonde Passos Coelho foi inaugurar uma feira de empresas e visitar um parque de biotecnologia. Atempadamente chegou o autocarro com sindicalistas ligados à União de Sindicatos de Coimbra e ao Sindicato dos Professores da Região Centro, ambos afectos à CGTP, e até estacionaram sobre uma passadeira de peões para encurtar caminho:



Estes eventos já motivaram uma ideia luminosa que, decerto, todos os contribuintes vão aplaudir porque são quem paga os salários dos sindicalistas da função pública:


Bernardo Cavalcantti 25 Julho 2012 - 17:13
Sinergia
É mais que evidente que os manifestantes são os mesmos, para onde quer que Passos se desloque.
Se houvesse sinergia, manifestantes e governantes podiam muito bem deslocar-se no mesmo autocarro, evitando-se assim a deslocação de duas comitivas com o consequente desperdício de combustível.
Os tempos de crise mandam que governantes e manifestantes dêem as mãos e, mesmo nestas situações de deslocações, caminhem juntos.
Seria bonito. Emocionante.
O Povo agradeceria.


Concordância


Se nos cortes de financiamento às universidades pode haver divergências, já sobre a questão das equivalências a concordância entre Nuno Crato e António Rendas é completa.
O ministro da Educação considera que deve haver limites na creditação da experiência profissional e o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) está convicto que numa universidade pública seria impossível obter o grau de licenciado frequentando quatro cadeiras.

Miguel Relvas com as orelhas a arder.


"A regra, a excepção e o PS"


"24 Julho 2012 | 23:30
Bagão Félix*


Há anos, no Canadá, um governante resumiu, em duas palavras, uma condição necessária para o êxito de um programa de austeridade: "no exceptions".

Por cá é a ancestral lógica inversa: "não há regra sem excepção". De tal modo que, não raro, a excepção vira regra e a regra parece a excepção.

Não há sector ou grupo que não reivindique a excepção, se for a seu favor. Caso contrário, é injustificada!

É assim na despesa pública, nos impostos, nos subsídios, nos cortes, nas empresas públicas, nos reguladores, no processo de Bolonha (ou de Borgonha?), etc. Há normas feitas à medida da excepção ou da sua criativa "descoberta" no "espírito" das entrelinhas. Por vezes, a própria hierarquia jurídica é a forma técnica de admitir a excepção. O decreto excepciona a lei; a portaria excepciona o decreto; o despacho excepciona a portaria; e a orientação interna faz o mesmo ao despacho publicado.

A excepção não se confunde, porém, com o que se convencionou chamar "discriminação positiva" que tem em vista proteger a ideia de equidade. É que a excepção casuística e desproporcional é enviesadora e não igualizadora.

A excepção, mesmo que fundamentada, incita ao incumprimento dos que a não têm. É um factor erosivo da exemplaridade ou da universalidade enquanto sustentáculos de severas medidas, que o povo traduz dizendo "ou há moralidade ou comem todos".

Um outro responsável canadiano disse um dia: "há duas maneiras de reduzir a despesa: a inteligente e a estúpida. Sou a favor da maneira estúpida". Direi que a estúpida tem pelo menos o mérito de não saber o que significa "excepção".

Uma nota final sobre uma recente excepção (política): o PS — gerador e co-autor da "regra" "troikista" — anuncia que passou para o outro lado, o da excepção. Eis o esplendor da macro excepção!


*Economista e ex-ministro das Finanças em governo PSD/CDS"


terça-feira, 24 de julho de 2012

"O Pólo Norton"


"Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt


A geração que construiu os grupos económicos a partir dos anos 80 está a entregar o poder. Sonae, Jerónimo ou Impresa são agora lideradas por gente de 40 anos. Quase sempre, as famílias escolhem entre os seus filhos. Balsemão não escolheu nem filhos nem afilhado: Pedro Norton é o novo presidente executivo da Impresa.

Mais do que uma sucessão, é uma transição geracional. Doravante dir-se-á que a escolha de Pedro Norton era a óbvia. Não era. Na Sonae Belmiro escolheu Paulo, na Jerónimo Alexandre escolheu Pedro, no grupo Amorim Américo escolhe Paula, na Bial Luís escolheu António. Sobre todas estas sucessões, pelo que representam, aqui se escreveu. Uma lista que prosseguiu sempre mantendo os apelidos. Isso não faz destes casos meras banalidades. Mas faz da Impresa uma excepção.

Pedro Norton será o presidente executivo da Impresa, grupo concorrente da Cofina, a que pertence o Negócios. Tem pela frente muita água pela barba. Porque o grupo Impresa tem uma dívida colossal. Porque a comunicação social vive a sua própria recessão, com quebras dramáticas no mercado de publicidade, mudanças radicais no consumo de informação, operações descapitalizadas e franco-atiradores que compram ou querem comprar jornais sem saberem geri-los ou respeitá-los, apenas por um poder que reconhecem mas não entendem.

Primeiro, a colher de chá: Pinto Balsemão é o último grande jornalista dono de jornais, o que lhe assegura o respeito e admiração de toda a classe. Porque ele pertence à tribo: é um jornalista. E porque deixa um império de comunicação social que, digam o que disserem (e há o que dizer), vive disso: de jornalismo.

Agora, a colher de rícino: Balsemão sai de cena depois de batalhas infernais que não desejaria ao seu maior inimigo. Depois de ter ganho muito dinheiro com o seu amigo João Rendeiro, perdeu quase 40 milhões... com o seu amigo João Rendeiro. Dentro de casa, tinha a Ongoing, com quem teve um grande amor e depois uma grande guerra, quase um parricídio. O projecto de poder da Ongoing falhou, em abono do ar que respiramos, mas é conveniente admitir que a história está a ser contada por quem a venceu: muitas críticas de falta de resultados da Impresa estavam absolutamente correctos. Como se não bastasse, ainda se descobriram relatórios miseráveis sobre a vida de Balsemão e manobras canalhas de uma espécie de contra-espionagem alucinada.

Pela frente está uma batalha chamada privatização da RTP. E a capitalização da Impresa. O que Balsemão mostrou nos últimos dois anos foi uma notável capacidade de sobrevivência. Poder. Com novas alianças, negou-se ao declínio. À aliança de sempre do BPI juntou-se o apoio do BES e uma parceria com os angolanos da Sonangol, que agora dominam o BCP. Na política, o rei número 1 do PSD bate-se contra o valete de ocasião, Miguel Relvas. A história ainda não acabou.

A sucessão na Impresa não é, portanto, a reforma de Francisco Pinto Balsemão. Mas é ocasião para salientar um projecto que resiste contra aqueles que, comprando jornais, querem comprar o jornalismo. E esse não é assunto de grupos económicos, é um assunto de democracia.

Essa é a principal responsabilidade de Pedro Norton, garantir as condições de gestão que a Impresa falhou no passado que garantam a sustentabilidade financeira da empresa, para satisfazer os accionistas e resguardar as condições de independência e liberdade de imprensa. Num país em traficâncias, isso é muito mais difícil do que parece.

Pedro Norton assume que a Impresa é o seu projecto de sonho. Não é jornalista, nem financeiro e cita filmes de Max Ophüls, o que diz mais dele do que um "curriculum vitae". E assim se sucede um senador."


O presidente ao lado das autarquias


O Presidente da República não promulgou o diploma relativo à reorganização administrativa de Lisboa com os seguintes fundamentos:

1. Os municípios e as freguesias constituem um elemento fundamental na organização administrativa do nosso território, enraizado numa tradição municipalista que, ao longo do tempo, foi legitimada e preservada pelas populações. Acresce que, desde a entrada em vigor da Constituição de 1976, se tem verificado um alargamento das atribuições e competências das autarquias locais, que constituem hoje uma malha de proximidade com competências e responsabilidades nas políticas públicas com forte impacto na gestão e organização dos espaços em que vivemos e, muitas vezes, nas respostas mais imediatas aos problemas sociais dos cidadãos.

2. O património político e social que as autarquias representam hoje em Portugal não pode constituir um entrave à modernização da organização administrativa do território, devendo ser visto, pelo contrário, como um elemento de proximidade e um capital de experiência para que se encontrem as melhores soluções para uma gestão eficiente e racional dos recursos do país.

O problema é que as autarquias criaram a dívida de 10 mil milhões de euros que o leitor e eu vamos ter de pagar. E o Governo estava a tentar cortar-lhes um pedacinho nas despesas...

Claro que, como vai sendo habitual, houve incompetência da parte dos políticos que negociaram a redução do número de freguesias de Lisboa para metade, nomeadamente de António Costa, e dos deputados:

4. No decurso dos trabalhos parlamentares, designadamente na reunião plenária de 15 de junho, foram expressas dúvidas quanto à fiabilidade do texto aprovado no que diz respeito à definição dos limites de freguesias e do município de Lisboa que constam no artigo 9º do diploma, constatando-se ainda que os grupos parlamentares representados na Assembleia da República não chegaram a um consenso quanto à forma de corrigir este erro, designadamente em sede de redacção final do diploma.
A existência de erro foi também transmitida ao Presidente da República pelos Presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e de Loures.

5. Face a esta situação, está-se perante a singular circunstância de ser enviado ao Presidente da República para promulgação um texto legislativo em relação ao qual o seu próprio autor expressa, previamente, dúvidas quanto à exatidão do mesmo.

E, ao contrário do OE 2012 que promulgou sem mandar verificar a constitucionalidade, e mais tarde o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, agora Cavaco Silva manifesta-se muito preocupado com o rigor legislativo:

6. Neste contexto, o Presidente da República não pode deixar de notar, como já fez em anteriores ocasiões, que a qualidade e o rigor na produção das leis são um imperativo da maior importância para a segurança jurídica e para o estabelecimento de uma relação de confiança e de respeito dos cidadãos perante o Estado. O rigor deve ser uma condição sine qua non em todas as fases do processo legislativo.

7. Também importa acautelar que o poder de veto político do Presidente da República, consagrado constitucionalmente, não seja utilizado para dirimir dúvidas desta natureza.

8. É, por outro lado, indispensável que, sendo este diploma devolvido à Assembleia da República, sem promulgação, sejam esclarecidas todas as dúvidas em matéria de consulta dos órgãos das autarquias abrangidas no mesmo por alterações à sua área.

9. Note-se que estando em vigor a Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, que estabelece o processo de reorganização administrativa territorial, o rigor com que a iniciativa legislativa da reorganização administrativa de Lisboa for tratada não deixará de ter consequências nos casos que lhe poderão seguir.

Onde estão encaixados os homens do presidente? No Governo? Nem um.
Estão nas autarquias. Pois.

O diploma foi devolvido à Assembleia da República, sem promulgação, para que seja objecto de nova apreciação. Ora o parlamento está de férias até Setembro. E em 2013 há eleições autárquicas...

Os eleitores nada podem fazer? Podem.
Podem escrever nos boletins de voto que não estão dispostos a sustentar as dívidas das autarquias, anulando-os.
Se forem 5 milhões de eleitores a anularem o boletim de voto com uma frase de protesto, podem ter a certeza que a reorganização administrativa do território que o Governo quer fazer, mas que presidente da República e autarcas não querem, vai mesmo para a frente.
É só querermos.


0 "buraco negro" da economia mundial: 17 biliões de euros guardados nos paraísos fiscais



(clicar para ampliar)


O estudo "The Price of Offshore Revisited" elaborado pelo economista norte-americano James Henry para a Tax Justice Network, organização com sede em Londres que tem por objectivo combater os paraísos fiscais, faz uma estimativa das fortunas privadas escondidas nestes paraísos.
O valor — 17,3 biliões de euros (21 biliões de dólares) — foi obtido com dados do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, do Banco de Compensações Internacionais e dos governos nacionais.
Note-se que estamos a falar de biliões (milhões de milhões) e que estes dados dizem respeito apenas a património financeiro depositado em contas bancárias e de investimento até ao final de 2010, deixando de fora activos como bens móveis e propriedades.

Trata-se de um valor superior ao tamanho das economias dos Estados Unidos e do Japão juntas — 20 biliões de dólares em 2010.
"A perda de receitas fiscais é enorme, de acordo com as nossas estimativas. É grande o suficiente para fazer uma diferença significativa para as finanças de muitos países", afirmou o economista, citado pela BBC. "O mundo acaba de localizar uma grande quantidade de riqueza financeira que pode ser convocada para contribuir para a solução dos problemas globais mais prementes".
E esta estimativa é conservadora, podendo o valor exacto ascender aos 26,3 biliões de euros.

O estudo revela ainda que, desde a década de 1970 e até ao final de 2010, os cidadãos mais ricos de 139 países em vias de desenvolvimento acumularam em paraísos fiscais entre 6 e 7,7 biliões de euros em "riqueza não registada", portanto fugindo aos impostos nos seus países de origem.
A nível mundial, o UBS, o Credit Suisse e o Goldman Sachs são os três bancos privados que gerem mais activos em offshores.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

A incomparável



Frédéric Chopin, Nocturno n.º 1 em Si bemol menor, op. 9 n.º 1
Belgais, Portugal


Frédéric Chopin, Nocturno n.º 4 em Fá maior, op. 15 n.º 1
Belgais, Portugal


Mozart, Piano Concerto No. 20 in D minor K. 466


Mozart, Piano Concerto No. 20 in D minor K. 466 - Allegro assai (excerto)
Berlin Philharmonic Orchestra
Pierre Boulez, maestro
Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa, 2003

Maria João Pires, piano


sexta-feira, 20 de julho de 2012

In Memoriam José Hermano Saraiva




José Hermano Saraiva
(Leiria, 3 de Outubro de 1919 - Palmela, 20 de Julho de 2012)


Nascido em Leiria, aí fez o ensino liceal e, mais tarde, ingressou na Universidade de Lisboa, onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas, em 1941, e em Ciências Jurídicas, em 1942.

Foi professor do ensino secundário, advogado e historiador.

Durante o Estado Novo (ditadura) esteve ligado à política, tendo sido deputado à Assembleia Nacional, em 1957, e ministro da Educação, entre 1968 e 1970, aí enfrentando a crise académica de 1969, em Coimbra, na qual estiveram envolvidos os estudantes que se tornaram nos políticos socialistas a quem os eleitores entregaram a governação do País a partir de 1976.

A colaboração com a RTP começou em 1971 como autor e apresentador d’ "O Tempo e a Alma", programa televisivo onde se começa a descobrir a sua extraordinária capacidade de comunicação.
No ano seguinte foi nomeado para o cargo de embaixador de Portugal no Brasil que desempenhou até à revolta dos capitães milicianos de 25 de Abril de 1974.

Em 1978 é editado um dos seus livros mais conhecidos, a "História concisa de Portugal", que vendeu cerca de 180 mil exemplares. O livro foi escrito durante o auto-exílio que cumpriu na Nazaré, a praia da sua infância, durante o PREC (Período Revolucionário em Curso), em 1974-75, a convite do editor livreiro Lyon de Castro.
Dirigiu também uma outra História de Portugal, em seis volumes, publicada em 1981 pelas Edições Alfa, que serviu de suporte à obra multimédia História Essencial de Portugal, ímpar no panorama audiovisual português e que fez despertar o gosto pela História de Portugal em milhares dos nossos compatriotas.

Regressou à RTP em 1978, como autor e apresentador de "Gente de Paz". Seguiram-se os programas televisivos "Histórias que o Tempo Apagou" (1994), Lendas e Narrativas (1995), "Horizontes da Memória" (1996) e "A Alma e a Gente" (2011).

Nas suas últimas entrevistas, uma à SIC e outra à RTP, revela um enorme amor à família e recorda os episódios mais marcantes da sua vida.



Os comentários que seguem, de reconhecimento do mérito científico-pedagógico deste Professor, fazem-nos acreditar que o nosso País tem futuro:


Rogério Mendonça 20 Julho 2012 - 14:24
Estoriador
Paz à sua Alma.
Em conversa com alguns historiadores de renome, muitos deles até amigos do Prof Hermano Saraiva, diziam que ele efabulava imenso. Recriava muito situações que estariam longe de ter ocorrido, tal como eles as descrevia.
Por brincadeira, até diziam que estava ali um grande...estoriador, tal a facilidade com que contava e recriava estórias.
De qualquer modo, fica na memória a sua imensa capacidade de comunicação, que tinha o dom de tornar interessantes matéria algo complexas e até maçadoras.

Anónimo 20 Julho 2012 - 14:50
Pobre povo
Paz à sua alma. Condolências aos seus familiares. Portugal e os Portugueses ficam mais pobres com a sua partida. Com a mediocridade que abunda no nosso Pais é triste ver partir um homem desta envergadura, contudo, era bom que os nossos políticos copiassem as suas qualidades.

j.cm 20 Julho 2012 - 15:02
Grande Homem
Descanse em paz, Professor. Foi a única pessoa que me fez interessar por História e era com imenso prazer que via as suas narrativas na TV, ele até parecia ter vivido pessoalmente todos aqueles acontecimentos.

Luis Manuel 20 Julho 2012 - 15:31
Já tenho saudades
Um homem que não estudou nas novas oportunidades, nem ao abrigo do protocolo de Bolonha, nem teve passagens administrativas na faculdade. Um advogado que se interessou pela história e pela filosofia, um homem de grande valor e um comunicador nato, consistente e volitivo. Viveu uma longa vida e marcou muitas gerações, fez do que melhor se pode fazer em televisão, e usou-a na sua função mais nobre
— veículo de cultura e informação. Num tempo em que a mediocridade impera e prospera, fica o seu exemplo de sede de conhecimento e a habilidade única de conseguir fazer-se ouvir — e de que maneira — sem luxos, ostentações ou megalomanias cénicas tão em voga na nossa televisão. À sua família uma palavra de consolação e também de entusiasmo pelo legado que deixa.

Anónimo 20 Julho 2012 - 15:46
Chaka
Paz a sua alma! Morreu um grande Português e um grande patriota que tinha orgulho na sua Pátria, na sua história e nas suas gentes.
Um exemplo para todos.

Ana Isidro 20 Julho 2012 - 15:59
Portugal ficou mais pobre
Grande Senhor, única pessoa que me fez ter interesse pela História do país que me viu nascer, através das suas narrativas da TV.
Descanse em Paz, Professor.

RQ 20 Julho 2012 - 16:19
As histórias da minha infância
Pouco posso opinar sobre o Sr. como historiador, jurista, ministro ou até personalidade, nem me atrevo numa situação destas, pois não seria nada agradável. No entanto vos garanto, como contador de histórias fez-me ficar agarrado à televisão durante muito tempo, marcou a minha infância e sempre o recordarei. Ainda hoje, se estivesse a fazer zapping e lá estivesse o Sr., eu parava e ouvia como se fosse um menino. Paz à sua alma.

ra0026523 20 Julho 2012 - 17:02
Grande patriota
Enorme figura das letras, grande português, desligou-se da política e destes reles políticos, soube gerir a sua vida com dignidade. Habituei-me a vê-lo na RTP durante 41 anos. Figura e personagem inigualável, ponham os olhos neste grande Homem. Paz à sua alma, sentimentos a toda a família e amigos. Obrigado, Professor.

José Domingos 20 Julho 2012 - 17:09
O Prof. José Hermano Saraiva é um exemplo do grande erro das actuais sociedades em menosprezar o saber dos mais velhos, quer ele seja erudito, como é o caso, quer produto sofrido do acumular dos anos

Acabei de tomar conhecimento, há momentos, do falecimento do Prof. José Hermano Saraiva.
Sou um português comum, porém, isso não obsta a que sinta, no mais profundo de mim, uma grande perda e uma grande tristeza pelo seu passamento.
De facto, é com imenso pesar que vejo desaparecer um gigante da nossa cultura, que poderemos apelidar, sem receio de estar a ser excessivo, de um dos maiores “abencerragens” de um tempo que vai morrendo aos poucos, de um dos últimos paradigmas do saber culto em Portugal, a par, por exemplo, do Prof. Adriano Moreira, que Deus nos conserve por muito tempo ainda, para que possa continuar a compartilhar connosco, presencialmente, a sua também ímpar e imensa sapiência.

A perda do Prof. José Hermano Saraiva é tanto mais sentida, quanto vivemos um tempo quase de anti-cultura ou, no mínimo, em que a cultura é encarada como algo displicente e dispensável e até, por vezes, ignorantemente risível.
Embora se tenha perdido irremediavelmente e para sempre o seu imenso cabedal de saber, fica-nos, ao menos, o legado que nos deixou, consubstanciado nos maravilhosos e apelativos programas que fez para a televisão, em que brilha a sua figura de Professor e comunicador, e ao longo dos quais deixou patente uma erudição portentosa, que vai muito além do seu vasto e didáctico ensino da História, para invadir, com a segurança de quem sabe, domínios como a Arquitectura, o Latim, a Arqueologia e tantos outros.

Os tempos vão cada vez mais sáfaros para o aparecimento de pessoas com a craveira cultural do Prof. José Hermano Saraiva, pessoa em quem, por manifesta felicidade, se conjugaram o saber, o dom de comunicador, o brilhantismo da exposição dos temas e o apelo, um apelo quase mágico, que, de um modo transversal, deixava e deixará — esperamos que o seu legado não seja encaixotado mas divulgado — pegados ao ecrã, de um modo transversal, os espectadores, independentemente da sua classe social ou etária.

Obrigado, Prof. José Hermano Saraiva, pelo muito que aprendi consigo e que aprenderei, visto que há bastos programas que perdi de ver.
Obrigado pelo seu vasto saber, que não foi, decerto, conseguido colocando os livros sob o travesseiro ou nalgum ilusório programa de Novas Oportunidades, mas estudando afincadamente, numa palavra, trabalhando, trabalhando arduamente e muito, que é aquilo a que, nos dias de hoje, é costume fugir e até é incentivado pela redução néscia dos programas.
Daí, a cada vez maior iliteracia — para ser eufemístico e não lhe chamar ignorância — que hoje campeia na sociedade portuguesa, filha do facilitismo mórbido que rege o nosso Ensino.

Uma vez que não tenho outro modo de o fazer, aproveito este meu comentário para apresentar à família enlutada as minhas sentidas condolências.

Prestarei o meu preito de homenagem ao Prof. José Hermano Saraiva, pela sua obra e pela sua pessoa, estando presente nas suas exéquias fúnebres.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

A Madeira está a arder



A ilha da Madeira está a ser devastada por uma multiplicidade de incêndios que já destruíram vastas áreas de floresta e estão a pôr em perigo muitas habitações.
Os bombeiros e os trabalhadores municipais tentam compensar com voluntarismo o pouco equipamento e as falhas de coordenação. Perante a falta de bombeiros e de agulhetas, as populações recorrem a baldes e mangueiras domésticas para irrigar as áreas circundantes às residências e evitar a propagação das chamas.


19 Jul, 2012, 21:13 Nos arredores do Funchal.

19 Jul, 2012, 21:07 A população de Gaula, no concelho de Santa Cruz, combateu o fogo sozinha.


As labaredas irromperam em diferentes pontos do concelho do Funchal e depois propagaram-se ao de Santa Cruz, havendo a suspeita de fogo posto.


Uma peixeirada no parlamento





Os alunos têm de começar por aprender a ler e escrever de modo a conseguirem comunicar com os outros, pelo menos, em português e inglês.
Um dos problemas do ensino actual é o facto de muitos alunos, uma larga maioria, terminarem o 9º ano sem conseguirem perceber as ideias contidas nos textos que tentam ler e sem saberem escrever um texto que transmita uma ideia.

Depois têm de aprender História para desenvolverem a sua identidade cultural — Português, Europeu, Cidadão do mundo — e perceberem que as sociedades humanas tanto podem progredir como entrar em decadência e extinguirem-se, tudo dependendo do comportamento dos indivíduos que as formam e as governam.
Começando por aprender a respeitar os seus próprios pais e avós e os professores dignos desse nome que tenham sobrevivido à perseguição da dupla de ignorantes Sócrates–Lurdes Rodrigues e ainda estejam a ensinar nas escolas.

Depois têm de aprender noções de Biologia para perceberem a evolução da vida na Terra e a morfologia e fisiologia dos seres vivos, de modo a perceberem as vantagens de respeitarem a biodiversidade e enveredar por estilos saudáveis de vida.

Depois têm de aprender os princípios de Física e Química em que se baseiam os equipamentos, de que dispõem em casa e no trabalho, para os saberem usar adequadamente e, eventualmente, serem um dia capazes de projectar ou construir novas máquinas.

Depois têm de aprender a contar e representar os números naturais — 1, 2, 3, 4, ... , n, ... — e a perceber a necessidade das operações aritméticas, a necessidade de ir criando novos números — números fraccionários, irracionais, ... — e a desenvolver o cálculo mental.
Têm de aprender as noções geométricas descobertas pelos gregos de há mais de dois milénios, perceber a utilidade do cálculo infinitesimal criado por Newton e Leibnitz no séc. XVII e da ferramenta estatística no século seguinte para criar modelos e teorias explicativas dos fenómenos da natureza.
Têm de aprender muitas noções até chegarem à Matemática do séc. XX — a Computação — que nasceu com Turing e permitiu criar aplicações informáticas para usar as máquinas resultantes dos avanços na Electrónica — os computadores — na melhoria do bem-estar das pessoas.

E aprender não significa ir para a Internet fazer copy&paste, à toa, do material guardado nos servidores da Web como muitos alunos e pais pensam, pressupõe muito estudo e trabalho.


Ainda haverá na escola pública professores capazes de ensinar nalguma destas áreas? Os que fizeram esta peixeirada na galeria do senado não são com certeza.
No século passado, sindicalismo e Esquerda significavam cultura e progresso da sociedade, hoje significam decadência, ignorância e miséria.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Decadência





Actualmente é permitido que um adulto possua 2,5 gramas de cannabis para consumo diário.
O Bloco de Esquerda (BE) pretende ir mais longe e promover na sociedade portuguesa a discussão de um projecto de lei para legalizar o consumo e cultivo de cannabis.

Para completa satisfação dos actuais consumidores (e muitos mais, no futuro), o deputado e médico João Semedo pretende a "criação de clubes sociais de cannabis" que disponibilizarão aos seus associados, os quais deverão ter mais de 18 anos (não será excessivo?) e estar na posse de todas as capacidades (os que ficarem burn-out serão corridos?), "a quantidade necessária para o consumo médio individual durante 30 dias".
Mais se diz convicto que é "preciso dar um passo em frente" na "legalização do cultivo para consumo próprio", uma vez que "a descriminalização por si só não responde ao problema [do tráfico de estupefacientes]", e esclareceu que o objectivo do BE é fazer "uma abordagem centrada na saúde pública", protegendo os consumidores de cannabis ao afastá-los das "malhas perversas do tráfico" nos mercados clandestinos.

Prevemos que o próximo projecto-lei do BE, com a nobre intenção de proteger os consumidores de cocaína, seja a legalização do cultivo da coca, obrigando-se o Estado a extrair a droga da planta e purificá-la em empresas públicas, obviamente sem encargos para os consumidores.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Trabalhando para a presidência da República





Marcelo Rebelo da Sousa, ainda no tempo da ditadura, tornou-se jornalista do Expresso, um jornal que procurava incentivar a evolução do regime.

Os tempos eram propícios. O País, governado por Marcello Caetano, desfrutava a primavera marcelista. Era preciso descolonizar mas a cúpula militar não aceitou perder protagonismo. Só Costa Gomes e Spínola, generais que não se fechavam nos gabinetes e iam ao terreno da guerra, sabiam que não havia alternativa. Caetano tentou e os movimentos da guerrilha exigiram a independência. Tal era eticamente inaceitável para ele: configurava uma traição aos portugueses que lá tinham construído as suas vidas e aos autóctones que apoiavam Portugal e podia mergulhar as colónias em convulsões sociais e até em guerras civis — a História veio dar-lhe razão. O movimento dos capitães milicianos de 25 de Abril de 1974 pôs fim ao dilema e, depois de evitar que o poder caísse na rua, saiu com dignidade.
Em 1985, Portugal aderiu à União Europeia. Para desenvolver o País, os Estados do centro da Europa enviaram dinheiro a rodos mas os políticos portugueses contemporâneos não tiveram sentido de honra: foi uma festa com as empresas de construção civil que durou uma década.
Em 2002, com a adesão à Zona Euro, choveram empréstimos a juros baixos. A população votava em quem lhe desse mais benesses e o regabofe estendeu-se até 2011: os socialistas esvaziavam o ‘pote’ e endividavam o Estado, os sociais-democratas enriqueciam na SLN/BPN e os populares faziam pela vida em negociatas tipo submarinos...

Marcelo Rebelo da Sousa fez a licenciatura, o doutoramento e a agregação na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. O seu percurso académico é transparente como água. Os seus pareceres eram reverenciados pelos juízes dos tribunais administrativos. Não bastava, o Professor tinha ambições políticas.
Decide ocupar espaço na comunicação social. Depois de ser director do Expresso (1979-1983), ajuda a fundar em 1983 o extinto jornal Semanário, onde se mantém até 1987.
Como candidato do PSD, perde a câmara municipal de Lisboa para Jorge Sampaio, em 1989, e passa pela liderança do partido entre 1996 e 1999, ano em que obtém maus resultados nas eleições para o parlamento europeu.
Procurando chegar ao coração de um povo que não lê jornais, a partir de 2000 torna-se comentador político na televisão, primeiro na TVI (2000-2004), depois na RTP (2005-2010), de novo na TVI a partir de 2010.

Em 2010, Paulo Rangel, em quem a facção de Cavaco Silva depositou a esperança de continuar a desfrutar o poder, perde as eleições internas no PSD. Mesmo assim Cavaco ganha as eleições presidenciais de 2011 e ajuda Passos Coelho a chegar ao poder pouco depois, com o mais demolidor discurso de tomada de posse de que há memória no parlamento.
Passos, porém, não retribui dando poder e lugares no governo à facção cavaquista. O presidente mostra a sua insatisfação com o corte das pensões e os seus homens esperam por uma oportunidade. Ei-la que chega: é Relvas com as suas ligações aos serviços de espionagem, as ameaças ao jornal Público e, finalmente, a pseudo-licenciatura.
Ora Relvas, além de ser o braço-direito de Passos, é o coordenador de todo o governo. É o lugar ideal para um homem do presidente — Paulo Rangel, de preferência, não que é muito novo, também pode ser Morais Sarmento ou... Marques Mendes. É este o escolhido. E ninguém é mais adequado para apresentar essa candidatura que o mais popular comentador político televisivo.

O conselheiro de Estado Marcelo Rebelo da Sousa está a trabalhar para a presidência de Cavaco Silva... e para a que se segue — a dele.


sábado, 14 de julho de 2012

150º aniversário de Gustav Klimt


O Google, o melhor motor de pesquisa da Web, desenvolve uma política cultural de comemoração de acontecimentos relevantes criando logotipos especiais — Doodles — como este que hoje assinala o 150º aniversário do pintor austríaco Gustav Klimt (1862-1918):





Nesta senda cultural, associamo-nos à homenagem prestada à arte deste percursor do movimento Art Nouveau na Áustria, que criou o grupo Secessão de Viena em 1897 (a que pertenceu até 1905), recordando algumas das suas obras.



Gustav Klimt. Bildnis der Emilie Flöge (Retrato de Emilie Flöge), 1902. Óleo sobre tela. 181 x 84 cm. Historisches Museum der Stadt Wien, Viena, Áustria.


Gustav Klimt. Birkenwald I (Floresta de bétulas I), 1903. Óleo sobre tela. 110 x 110 cm. Colecção privada.


Gustav Klimt. Danaë, 1907. Óleo sobre tela. 77 x 83 cm. Galerie Würthle, Viena, Áustria.

File:Gustav Klimt 046.jpg
Gustav Klimt. Bildnis der Adele Bloch-Bauer I (Retrato de Adele Bloch-Bauer I), 1907. Óleo e ouro sobre tela. 138 x 138 cm. Neue Gallery New York, Nova Iorque, EUA.

File:Gustav Klimt 016.jpg
Gustav Klimt. Der Kuss (O Beijo), 1908/09. Óleo, prata e ouro sobre tela. 180 x 180 cm. Österreichische Galerie Belvedere, Viena, Áustria.


Gustav Klimt. Schloß Kammer am Attersee III (Castelo Kammer no Lago Attersee III), 1909/1910. Óleo sobre tela. 110 x 110 cm. Österreichische Galerie Belvedere, Viena, Áustria. Foi o único Klimt da colecção Bloch-Bauer comprado pelo Estado austríaco.


Gustav Klimt. Allee im Park vor Schloß Kammer (Alameda no Parque defronte do Castelo Kammer), 1912. Óleo sobre tela. 110 x 110 cm. Österreichische Galerie Belvedere, Viena, Áustria.


Gustav Klimt. Bildnis der Adele Bloch-Bauer II (Retrato de Adele Bloch-Bauer II), 1912. Óleo sobre tela. 190 x 120 cm. Colecção privada.


Gustav Klimt. Apfelbaum I (Macieira I), ca. 1912. Óleo sobre tela. 109 x 110 cm. Colecção privada.


Gustav Klimt. Häuser in Unterach am Attersee (Casas em Unterach, no Lago Attersee), ca. 1916. Óleo sobre tela. 110 x 110 cm. Colecção privada.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Amigos, amigos, negócios à parte


Os médicos têm visto os seus rendimentos a diminuírem drasticamente e decidiram levar a cabo uma greve de dois dias com enorme sucesso.
Ontem fizeram uma manifestação frente ao Ministério da Saúde, a que se juntaram os representantes dos enfermeiros. Estes propuseram aos sindicatos dos médicos uma greve conjunta em "defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS)" que era o objectivo divulgado pelos médicos.

Hoje, os enfermeiros receberam a resposta: "Apelos a uma actuação sinérgica no futuro imediato só poderão ter do Sindicato Independente dos Médicos uma resposta: não, obrigado".
E à TSF o presidente do SIM esclareceu: "Os médicos estão solidários com os enfermeiros. No nosso ponto de vista, estamos neste momento concentrados naquilo que foi a greve, que está a ser a greve dos médicos. Questões políticas mais gerais, no nosso ponto de vista, neste momento, não fazem qualquer sentido. Têm a nossa solidariedade, mas os médicos não gostam de fazer greve, não querem fazer greve por sistema".

****
*

Nem precisam.
A Ordem dos Médicos sempre pugnou pela qualidade do ensino da medicina, não só nunca deixando a licenciatura em Medicina cair nas mãos das universidades privadas, mas também restringindo-a às universidades públicas portuguesas mais conceituadas a nível internacional. Pelo contrário, escolas superiores de enfermagem há aos pontapés no ensino superior politécnico privado.

Como resultado há falta de médicos e superabundância de enfermeiros apesar da fortíssima emigração destes profissionais.
Pelas leis da oferta e da procura, estão os médicos em posição de força nas negociações com o ministro Paulo Macedo e os enfermeiros desunham-se por arranjar emprego, tentando desempenhar algumas funções do domínio médico, por exemplo, na prescrição de medicamentos, mas sem sucesso.

Este discernimento não tiveram os professores formados em exigentes universidades públicas que se deixaram ultrapassar por licenciados em universidades privadas com classificações inflacionadas.
Sem se aperceberem deste erro, depois deixaram entrar na sua carreira os educadores de infância e os antigos professores das escolas do magistério primário, transformadas nas escolas superiores de educação (ESE) do ensino superior politécnico onde aqueles se licenciaram em meia dúzia de meses.
Agora o dinheiro acabou: têm as carreiras congeladas e os salários em contínua degradação. A falta que faz uma Ordem dos Professores capaz de defender a qualidade do ensino público.


Paulo Morais sem papas na língua


Entrevistado por Luís Gouveia Monteiro no programa "O que fica do que passa" do canal Q, Paulo Morais, ex-vice-presidente da câmara municipal do Porto e vice-presidente da organização não governamental "Transparência e Integridade" cita casos que mostram que o parlamento é o grande centro da corrupção em Portugal, reconhecendo na corrupção a primeira causa da crise.


O seu a seu dono


  1. As universidades privadas foram criadas nos anos 80 para ganhar dinheiro com os alunos que chegavam ao fim do ensino secundário com fraquíssimos conhecimentos — eram a maioria — e não tinham qualquer hipótese de fazer uma licenciatura com a exigência requerida pelas universidades públicas.

  2. A maior parte dos licenciados por essas universidades privadas entraram para os partidos políticos ou para a função pública, aqui passando à frente dos licenciados nas universidades públicas porque as privadas inflacionaram as classificações com exames extremamente facilitados.
    Na função pública foram, sobretudo, para professores do 3º ciclo do ensino básico, onde é difícil encontrar um professor com menos de 50 anos de idade que não provenha de universidades privadas, sendo, em parte, responsáveis pela degradação da qualidade do ensino público.

  3. Quando a função pública excedeu as suas necessidades de recursos humanos e as entradas foram congeladas, começaram a ficar no desemprego: a quase totalidade dos licenciados no ensino universitário que estão desempregados, e andam a fazer manifestações de rua, provém de universidades privadas.

  4. Embora tivesse tido a coragem de fechar três universidades privadas — a Independente, a Internacional e a Moderna —, foi o Professor Mariano Gago que, ao aprovar o Decreto-Lei 74/2006 com este

    Artigo 45.º
    Creditação
    1—Tendo em vista o prosseguimento de estudos para a obtenção de grau académico ou diploma, os estabelecimentos de ensino superior:
    a) ...
    b) ...
    c) Reconhecem, através da atribuição de créditos, a experiência profissional e a formação pós-secundária.

    2—A creditação tem em consideração o nível dos créditos e a área científica onde foram obtidos.
    3—Os procedimentos a adoptar para a creditação são fixados pelos órgãos legal e estatutariamente competentes dos estabelecimentos de ensino superior.

    abriu a porta para que as universidades privadas pudessem estender os seus negócios à venda de licenciaturas em que 32 das 36 cadeiras do seu plano de estudos nem sequer sejam frequentadas pelos alunos. Com a melhor das intenções, estendeu a filosofia Novas Oportunidades ao ensino superior.

  5. Devemos congratular-nos com a demissão do reitor da universidade Lusófona e pugnar pela demissão de Miguel Relvas porque já demonstraram que são pessoas sem referencial de ética.

    Mas sejamos claros: anda muito jornalista/apresentador da RTP, muito interesseiro dos media, muito sindicalista, muito autarca das juntas de freguesia e dos municípios, muito político da oposição, todos licenciados, mestres e até doutorados em universidades privadas a fingir que são virgens ofendidas, a exigir a demissão de Miguel Relvas e a puxar o Professor Nuno Crato para a arena com o objectivo obsceno de fragilizar o governo.
    Cuidado com eles, com os empresários privados que vivem à sombra do Estado, com os que estão instalados na função pública ou no sector empresarial público, com os que estiveram no poder em 12 dos últimos 16 anos e foram responsáveis pela duplicação da dívida pública entre 2005 e 2011: levaram o País à necessidade de pedir assistência financeira externa.

    Esta gente só tem um fito: defender os seus interesses, recuperar poder para deitar a mão aos impostos dos contribuintes — o 'pote'.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Humor em Julho - I


Exmo. Reitor,


Foi com grande satisfação que soube que a Universidade Lusófona conferiu uma licenciatura em Ciência Política ao Dr. Miguel Relvas em apenas 14 meses, reconhecendo dessa forma a sua elevada estatura intelectual. Sempre sonhei com o alargamento das Novas Oportunidades ao Ensino Superior e fiquei muito feliz por terem dado o devido valor à cadeira de Direito que o senhor ministro fez há 27 anos com nota 10. Depois, naturalmente, o processo foi "encurtado por equivalências reconhecidas" (palavras do Dr. Relvas), após análise do seu magnífico currículo profissional.

É dentro desse mesmo espírito que vinha agora solicitar igual tratamento para a minha pessoa. Embora seja licenciado pela Universidade Nova com uns simpáticos 17 valores, a verdade é que o curso levou-me quatro anos a concluir e o Jornalismo anda pela hora da morte. Nesse sentido, e após análise da oferta disponível no site da universidade, venho por este meio requerer a atribuição do grau de licenciado em: Animação Digital (tenho visto muitos desenhos animados com os meus filhos), Ciência das Religiões (às vezes vou à missa), Ciências Aeronáuticas (já viajei muito de avião), Ciências da Nutrição (como imensa fruta), Direito (fui duas vezes processado), Economia (sustento uma família numerosa), Fotografia (tiro sempre nas férias) e Turismo (visitei 15 países). Já agora, se a Universidade Lusófona vier a ministrar Medicina, não se esqueça de mim. A minha mulher é médica, e tendo em conta que eu durmo com ela há mais de dez anos, estou certo de que em seis meses posso perfeitamente ser doutor.

Respeitosamente,

João Miguel Tavares"


Espanha com novas medidas de austeridade


Mariano Rajoy, presidente do Governo espanhol, acaba de anunciar, em sessão plenária extraordinária do Congresso de Deputados, cortes nas despesas e aumentos das receitas que atingem o valor de 65 mil milhões de euros até 2014, a adicionar ao corte de 27 mil milhões já aprovado no orçamento de Estado para 2012 e ao corte de 10 mil milhões posteriormente decidido na saúde e na educação.





Eis algumas das medidas anunciadas:

  • IVA
    A taxa normal de IVA passará de 18% para 21%, a taxa reduzida (equivalente à intermédia em Portugal) passa de 8% para 10% e a taxa super-reduzida mantém-se nos 4%. As alterações entram em vigor em 1 de Agosto.
    Esta medida prevê arrecadar uma receita de 6 mil milhões de euros.

  • Modificação dos impostos do sector energético
    Serão alterados os impostos sobre a energia, a fim de reduzir o défice tarifário. A diferença entre o que custa produzir a electricidade e o que é cobrado aos clientes ascende actualmente a 24 mil milhões de euros.

  • Fim da dedução no IRPF (equivalente ao IRS) por compra de habitação
    O benefício fiscal geral para a compra de casa será eliminado em 2013 para os novos compradores. A medida fazia parte das recomendações que a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) fizeram ao governo espanhol e aportará 2,5 mil milhões de euros.

  • Privatizações
    Privatização dos serviços associados ao transporte ferroviário, portuário e aeroportuário. Esta medida poderá gerar uma receita extra de 30 mil milhões de euros.

  • Subsídio de desemprego
    Os novos desempregados terão o subsídio de desemprego reduzido de 60 para 50% do salário base, a partir do sexto mês, mas o período máximo de duração mantém-se nos 24 meses.

  • Rendimento Social de Inserção
    A partir de agora só poderá receber o rendimento mínimo de inserção — uma ajuda com o valor de 400 euros — quem já tenha trabalhado anteriormente, ficando de fora os desempregados que nunca tenham tido um emprego mesmo que não possuam outros rendimentos.

  • Pensões
    Vai ser apresentado um projecto de lei sobre o sistema de pensões para acelerar a aplicação do factor de sustentabilidade e introduzir a reforma antecipada.

  • Salários da função pública
    Foi suprimido o pagamento do subsídio de Natal aos funcionários de todas as administrações públicas e, também, aos titulares de altos cargos da administração pública, deputados e senadores, durante os anos 2012, 2013 e 2014.
    Esta medida permitirá, já este ano, uma poupança de 14% das despesas, equivalente a 5 mil milhões de euros.
    A quantia que os funcionários públicos, e apenas estes, irão deixar de receber durante os próximos anos será compensada pelo Estado, a partir de 2015, com contribuições para o seu fundo de pensões.

  • Administração central
    Novo corte nas despesas dos departamentos ministeriais, agora de 600 milhões de euros, através da redução de "todos os créditos" para subvenções, despesas correntes e transferências.

  • Administração regional e local
    Redução de 30% no número de vereadores e eliminação de empresas públicas locais. Em troca, e para garantir os serviços públicos em todo o território espanhol, reforço do papel dos Conselhos Provinciais. Esta medida permite poupar 3,5 mil milhões de euros.

  • Folgas na função pública e número de sindicatos
    Será reduzido o número de dias de folga e será ajustado o número de sindicatos ao "estipulado estritamente na lei".

  • Sector Público Empresarial e Fundacional
    Redução significativa do número de empresas e fundações públicas.

  • Partidos políticos, organizações empresariais e sindicatos
    Cortes de 20% nos subsídios dados aos partidos políticos, organizações empresariais e sindicatos em 2013. É um corte idêntico ao que foi aprovado no orçamento de Estado deste ano.
    O sindicato da função pública já reagiu, declarando-se "indignado" e anunciando protestos para Julho e Agosto e a convocação de uma greve para Setembro.


terça-feira, 10 de julho de 2012

"Predadores e Professores"


"09 Julho 2012 | 23:30
Simon Johnson


Será que as grandes universidades da América ainda são as fiéis guardiãs do conhecimento, as forças que lideram o caminho para o progresso tecnológico e as entidades que abrem espaço para as oportunidades, tal como já foram um dia? Ou será que se tornaram, em parte, cúmplices sem escrúpulos das elites económicas cada vez mais gananciosas?

No final do documentário “Inside Job”, do vencedor do Óscar da Academia Charles Ferguson, são entrevistados diversos economistas de topo em relação ao seu papel enquanto elementos pagos de propaganda da política que incentiva o risco excessivo e práticas agressivas do sector financeiro que conduziram à crise de 2008. Alguns destes proeminentes académicos receberam somas significativas de dinheiro para promoverem os interesses de grandes bancos e de outras empresas do sector financeiro. Tal como Ferguson documenta no seu filme e no muito relevador livro “Predator Nation”, muitos desses pagamentos ainda não são conhecidos, mesmo nos dias de hoje.

A predação é um termo totalmente apropriado para estas actividades dos bancos. Como a sua falência iria traumatizar o resto da economia, recebem protecções únicas — por exemplo, linhas de crédito especiais vindas dos bancos centrais e estão também sob regulações mais brandas (medidas que têm sido antecipadas ou anunciadas nos últimos dias nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Suíça).

Como resultado disso, aqueles que estão à frente dos bancos são incentivados a assumirem investimentos arriscados, que incluem actividades parecem simples apostas. Os banqueiros aproveitam os momentos enquanto as coisas estão a correr bem, ao passo que os riscos que se verificam quando as coisas correm mal são já, em grande medida, problemas de outras pessoas. Este é um esquema de subsídios conduzido pelo governo, sem transparência e perigoso, em último caso envolvendo uma transferência muito considerável de fundos dos contribuintes para um pequeno conjunto de pessoas do topo no sector financeiro.

Para proteger a contínua existência do esquema, os megabancos globais contribuem com enormes quantidades de dinheiro dirigidas aos políticos. Por exemplo, o CEO do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, testemunhou recentemente à comissão do Senado norte-americano com o tema da banca sobre a aparente falha na gestão de risco que causou uma perda estimada de 7 mil milhões de dólares à empresa. O openSecrets.com estima que o JPMorgan Chase, a maior “holding” bancária dos EUA, gastou cerca de 8 mil milhões de dólares em contribuições políticas em 2011 e estima ainda que Dimon e a empresa doaram dinheiro à maioria dos senadores daquela comissão. Sem surpresas, as perguntas dos senadores foram esmagadoramente brandas e a estratégia geral de pressão parece ter tido frutos; as “investigações” a uma má gestão que coloca o sistema em perigo deverão acabar sem resultados.

Para apoiar a sua estratégia política, os megabancos globais também executam uma operação de propaganda/desinformação altamente sofisticada, com o objectivo de criar, pelo menos, uma aparência de responsabilidade pelos subsídios que recebem. É aqui que entram as universidades.

Numa recente mesa redonda da Commodity Futures Trading Commission (CFTC) [reguladora norte-americana], o representante do sector bancário que estava ao meu lado citou um estudo de um proeminente professor de Finanças da Universidade de Stanford para apoiar a sua posição contra uma regulação específica. O banqueiro esqueceu-se de mencionar que o professor tinha recebido 50 mil dólares pelo estudo por parte da Securities Industry and Financial Markets Association, SIFMA, um grupo de pressão. (O professor, Darrell Duffie, divulgou a dimensão do pagamento e doou-o à caridade).

Porque é que devemos levar este trabalho a sério — ou mais a sério do que outros trabalhos de consultoria pagos, por exemplo, por uma sociedade de advogados ou por qualquer outra entidade que trabalha para a indústria?

A resposta será, presumivelmente, a de que a Universidade de Stanford tem muito prestígio. Como instituição, fez grandes coisas. E o corpo docente é um dos melhores do mundo. Quando um professor escreve um estudo ao cuidado do grupo de uma indústria, essa indústria beneficia — e, de certa forma, faz um aluguer — do nome e da reputação da universidade. Naturalmente, o banqueiro presente na mesa redonda da CFTC sublinhou “Stanford” quando citou o estudo (Não estou a criticar esta universidade em particular; na realidade, outros professores de Stanford, incluindo Anat Admati, estão na liderança de quem tenta lutar por reformas sensatas).

Ferguson acredita que esta forma de “consultoria” académica está, de modo geral, fora de controlo. Eu concordo, mas controlá-la vai ser difícil enquanto as universidades e os bancos “grandes demais para falir” continuarem tão interconectados.

Neste contexto, fiquei desapontado, nos últimos tempos, quando li uma entrevista de Lee Bollinger, presidente da Universidade de Columbia, no “The Wall Street Journal”. Bollinger é um director “class C” da Reserva Federal de Nova Iorque — nomeado pelo conselho de governadores do Sistema Federal para representar o interesse público.

Naquela que parece ter sido a sua primeira entrevista, ou declaração pública, sobre as questões da reforma da banca (e até das Finanças), o principal ponto de Bollinger foi o de que Dimon deveria continuar no conselho da Fed de Nova Iorque. Bollinger usou surpreendentes palavras nada académicas — declarando que os “idiotas” que sugerem que Dimon deve demitir-se ou ser substituído têm um “falso entendimento” de como é que o sistema verdadeiramente funciona.

Lancei uma petição ao conselho de governadores para retirarem Dimon daquele cargo. Perto de 37 mil pessoas já assinaram a petição online na change.org e estou optimista perante a possibilidade de ter, em breve, um encontro com membros de nível superior do conselho, sedeado em Washington DC, para discutir o assunto.

A intervenção de Bollinger pode ser positiva para Dimon; no final de contas, a Universidade de Columbia é uma das mais bem vistas universidades do mundo. Por outro lado, a sua intervenção também poderá ser produtiva porque permite avançar para o debate público sobre como os banqueiros “grandes demais para falir” mantêm os subsídios implícitos que recebem.

Escrevi aqui uma detalhada resposta à posição de Bollinger. Espero que Bollinger, no espírito de diálogo aberto da academia, me responda em público — ou por escrito ou ao acordar discutir, pessoalmente, o tema comigo. Precisamos de conversações ao mais alto nível sobre como reformar as relações pouco saudáveis entre as universidades e as instituições financeiras globais subsidiadas, tais como o JPMorgan Chase.


Simon Johnson, que foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é co-fundador de um blog de relevo na área da economia, http://BaselineScenario.com, é professor na MIT Sloan e membro do Peterson Institute for International Economics. É co-autor, com James Kwak, de White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why it Matters to You.


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