quinta-feira, 30 de julho de 2020

Pai português obrigado a defender a liberdade educativa em tribunal


Um pai português foi forçado a recorrer aos tribunais para impedir o Ministério da Educação de reprovar dois dos seus filhos, alunos de Quadro de Honra, porque, no exercício da sua liberdade como pai, não autorizou os filhos a participarem numa nova disciplina de formatação ideológica.

No ano lectivo 2018/2019, o Ministério da Educação tornou obrigatória a disciplina Cidadania e Desenvolvimento com temas — igualdade de género, interculturalidade, educação ambiental, sexualidade, media, instituições e participação democrática, segurança, defesa e paz, bem-estar animal, voluntariado, ... — que são abordados numa perspectiva ideológica socialista.
Como a disciplina não tem conteúdos programáticos e os professores não receberam formação para tratar todos estes temas, convidam associações para falarem com os alunos. Para o tema sexualidade, por exemplo, é habitual as escolas projectarem vídeos ou convidarem uma associação LGBT para fazer uma palestra aos alunos no auditório da escola. No caso dos temas políticos — instituições e participação democrática, segurança, defesa e paz — nem é preciso fazerem convites pois autarcas, deputados e até eurodeputados estão sempre ansiosos para colaborarem.

Artur Mesquita Guimarães, empresário agrícola, é pai de cinco rapazes e uma rapariga. No início daquele ano lectivo e do ano lectivo 2019/2020, agora findo, comunicou ao Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, em Famalicão, que os filhos não iriam frequentar essa disciplina, baseando-se no artigo 36º da Constituição da República Portuguesa, o qual estipula que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, e argumentando que as temáticas de consciência são da responsabilidade educativa das famílias e não do Estado.

No ano lectivo 2018/2019, os Conselhos de Turma decidiram aprovar dois dos seus filhos, Tiago de 12 anos e Rafael de 15, porque são alunos com classificações de 4 e 5 valores, de Quadro de Honra, representantes da escola em várias Olimpíadas educativas e, também, jovens disciplinados e respeitadores dos outros cidadãos, desvalorizando o facto de não terem frequentado a disciplina Cidadania e Desenvolvimento.
O Conselho de Turma — o órgão pedagógico colegial que transita os alunos no final de cada ano lectivo — é soberano na decisão, não podendo ser hierarquicamente ultrapassado pela Direcção da escola.

No passado dia 15 de Junho de 2020, no seguimento de outra notificação de Fevereiro, o Ministério da Educação emitiu um despacho assinado por João Costa, secretário de Estado da Educação, onde retroactivamente anula as decisões dos Conselhos de Turma do ano lectivo 2018/2019 onde foram aprovadas as transições dos dois alunos.
Esta anulação, juntamente com a decisão do director do agrupamento, a que pertence a EB 2,3 Júlio Brandão, de retê-los também em 2019/2020, implica a repetição de dois anos escolares.

O despacho, considerado por advogados como “ilegal e inconstitucional”, obriga os alunos a recuarem dois anos lectivos — Tiago, que deveria começar o 7º ano em Setembro, volta para o 5º, e Rafael que deveria passar para o 9º ano, recua para o 7º —, baseando-se no facto dos alunos não terem participado na nova disciplina que os pais, por objecção de consciência, não autorizaram os filhos a frequentar.



Despacho de 15 de Junho de 2020


Artur Mesquita Guimarães já tinha publicado em jornais regionais várias cartas abertas ao secretário de Estado da Educação, ao primeiro-ministro e ao presidente da República a denunciar esta situação, mas depois desta decisão “absolutamente inacreditável” foi obrigado a defender a liberdade educativa em Tribunal.

No início da semana de 13 de Julho, com a ajuda do advogado João Pacheco de Amorim a trabalhar pro-bono, colocou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga dois processos: uma providência cautelar de carácter urgente e temporário com o objectivo de anular o despacho, e uma acção administrativa regular.

Em 15 de julho, este tribunal aceitou a providência cautelar apresentada pelo casal Mesquita Guimarães. Isto significa que "os despachos estão suspensos", pelo que "não tem eficácia o despacho de impedir a transição dos meus filhos", diz o pai. Agora o Ministério da Educação tem 10 dias para apresentar oposição.

No final desta entrevista, Artur Guimarães faz um apelo aos pais que forem “manietados” e perseguidos pelos “tiques autoritários do Estado” para não terem medo e recorrerem aos tribunais:



"A disciplina Cidadania e Desenvolvimento actua sobre temáticas que não são curriculares, não preparam os alunos para uma actividade concreta, entram [na área] que é da liberdade de consciência, na educação da consciência, entram no nosso espaço educativo enquanto pais. Não prescindimos do direito de educarmos os nossos filhos, nem delegamos em ninguém esse direito.

Objectivamente não temos nada contra a disciplina, mas contra o facto de ser inserida como curricular. Isto significa que, se tiver faltas, pode condicionar a transição dos alunos. Não é bem assim porque, particularmente até ao 9º ano, os alunos são empurrados para passar, mesmo sem saberem, mesmo faltando. Pegaram no nosso caso por que, como é uma disciplina que condiciona a consciência e entra no nosso espaço educativo, é a expropriação das nossas competências enquanto pais que pretendem.

(...)
Um professor pode pensar de uma maneira, outro doutra. É um tipo de disciplinas que não estão balizadas, o conteúdo é flexível, cada professor pode trabalhar as temáticas como entender e não estamos dispostos a sujeitar os nossos filhos a isso.
(...)
Os meus filhos têm as aulas curriculares normais e, além disso, têm ensino de música. Ao fazerem mais três disciplinas, ficam dispensados doutras disciplinas. Uma das disciplinas que podiam ficar dispensados é Educação Visual, mas entendemos que esta disciplina é importante porque dá conceitos básicos, explica as cores primárias e secundárias [da teoria das cores], as divisões da circunferência. É um conjunto de aprendizagens importantes, independentemente de terem uma carreira virada para letras. Os meus filhos até participam em mais disciplinas do que aquelas em que eram obrigados a participar.
(...)
Os nossos filhos não participam nas aulas de Religião e Moral, apesar de sermos católicos, mas não queremos que tenham esta disciplina na escola."


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Portugal é o país em que os directores de turma, se não o fizerem por opção própria, recebem ordens de directores de agrupamentos para justificarem as faltas que os alunos dão às aulas por irem assistir a palestras que certos eurodeputados fazem nas escolas.
Por outro lado, os temas importantes da Cidadania e Desenvolvimento são abordados noutras disciplinas do currículo com conteúdos programáticos — e.g. a Defesa do Ambiente é um conteúdo programático de Ciências Naturais, essa, sim, uma disciplina essencial.

Daí poder dizer-se que, impor dois anos de reprovações a uma criança estudiosa e bem comportada pelo motivo de faltas a uma disciplina acessória e de doutrinação política, além de ser uma hipocrisia, é um acto abjecto revelador de um profundo fanatismo ideológico.

Tem sido amplamente divulgado pelo ministro da Educação e pelo secretário de Estado da Educação que, apesar de os alunos poderem transitar de ano com notas "negativas" (e.g. inferiores a 3) em, pelo menos, duas disciplinas, a política educativa do governo António Costa incentiva a desvalorização dos conteúdos programáticos das disciplinas basilares — Português e Matemática —, bem como de todas as outras disciplinas que são importantes na formação profissional dos alunos, para alcançar o objectivo de eliminar as reprovações no sistema educativo.
No entanto, o caso de Tiago e Rafael mostra que se pretende também atingir outro objectivo — a formatação ideológica das crianças e dos adolescentes.

Sabemos que a actual degradação da qualidade do nosso ensino prejudica gravemente o desenvolvimento económico do país, com a consequente diminuição do nível de vida dos portugueses. A propaganda ideológica e a desautorização dos pais na educação dos seus filhos são, porém, muito mais perigosas porque põem em risco a sobrevivência do próprio regime democrático.