sábado, 25 de abril de 2020

Resposta do editor-chefe do BILD a Xi Jinping


O editor-chefe do BILD, o maior jornal tabloide alemão, publicou um artigo, em 17 de Abril, em que perguntava se a China deveria pagar pelos enormes danos económicos que o coronavírus está a causar no mundo inteiro.

Pouco habituado a ser posto em causa, o regime chinês incumbiu a sua embaixada em Berlim de dirigir uma carta aberta ao jornal em que acusava o editor-chefe Julian Reichelt de não estar a viver a "amizade tradicional dos povos" alemão e chinês.

Agora chegou a vez de Julian Reichelt responder ao presidente chinês Xi Jinping (o leitor pode seleccionar a tradução para português do Brasil):




Eis a tradução:


Caro Presidente Xi Jinping,

A sua embaixada em Berlim dirigiu-me uma carta aberta porque perguntámos no nosso jornal BILD se a China deveria pagar pelos enormes danos económicos que o coronavírus está a causar no mundo inteiro.

Permita-me responder:

1. O senhor governa pela vigilância. Não seria presidente sem vigilância. Monitoriza tudo, todos os cidadãos, mas recusa-se a monitorizar os mercados húmidos doentios do seu país.

Fecha qualquer jornal e website que seja crítico do seu regime, mas não as bancas onde a sopa de morcego é vendida. Não está apenas a monitorizar o seu povo, está a colocá-los em perigo — e com eles, o resto do mundo.

2. Vigilância é uma negação da liberdade. E uma nação que não é livre, não é criativa. Uma nação que não é inovadora, não inventa nada. É por isso que fez do seu país o campeão mundial em roubo de propriedade intelectual.

A China enriquece-se com as invenções de outros, em vez de inventar por conta própria. A razão pela qual a China não inova e inventa é que o senhor não deixa os jovens do seu país pensarem livremente. O maior sucesso de exportação da China (que ninguém queria ter, mas que já percorreu o mundo) é o Corona.

3. O senhor, o seu governo e os seus cientistas sabiam há muito tempo que o Corona é altamente infeccioso, mas deixaram o mundo na escuridão sobre isso. Os seus principais especialistas não responderam quando os pesquisadores ocidentais pediram para saber o que estava a acontecer em Wuhan.

Foi demasiado orgulhoso e demasiado nacionalista para dizer a verdade, que sentiu como uma desgraça nacional e que se tornou agora um desastre global.

4. O "Washington Post" relata que os laboratórios em Wuhan estão a pesquisar o coronavírus em morcegos, mas sem manter os mais altos padrões de segurança. Porquê os seus laboratórios tóxicos não são tão seguros quanto as suas prisões para presos políticos?

Pode explicar isto para as viúvas, filhas, filhos, maridos, pais de vítimas do Corona em todo o mundo?

5. No seu país, o povo está a sussurrar sobre si. O seu poder está a desmoronar-se. Criou uma China inescrutável e não transparente. Antes do Corona, a China era conhecida como um estado de vigilância. Agora, a China é conhecida como um estado de vigilância que infectou o mundo com uma doença mortal.

Esse é o seu legado político.

A sua embaixada diz-me que não estou a viver a "amizade tradicional dos nossos povos". Suponho que considera uma grande "amizade" quando agora envia máscaras generosamente ao redor do mundo. Isto não é amizade, eu chamar-lhe-ia imperialismo escondido atrás de um sorriso — um cavalo de Tróia.

Planeia fortalecer a China através de uma praga que exportou. Não terá sucesso. O Corona será o seu fim político, mais cedo ou mais tarde.

Com os melhores cumprimentos,

Julian Reichelt


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Desde 12 de Fevereiro, todos os empreendimentos residenciais em Wuhan, capital da província chinesa de Hubei, foram encerrados, impedindo a maioria dos moradores de deixar as suas casas para comprar alimentos.
Comissões de bairro formadas por elementos da confiança do regime comunista chinês, ficaram encarregadas de cuidar dos moradores em quarentena por causa do coronavírus, mas falharam no desempenho dessas funções.

Quando, há cerca de um mês, a vice-primeira-ministra Sun Chunlan visitou uma comunidade residencial, no distrito Qingshan de Wuhan, para inspeccionar o trabalho da respectiva comissão, foi recebida com protestos.
Insatisfeitos com as ineficiências demonstradas pela administração pública local, os moradores ganharam coragem para assomar às janelas dos seus apartamentos e gritar "falso, falso","é tudo falso" e "protestamos":





Pouco a pouco, a população chinesa começa a aperceber-se do sofrimento a que foi sujeita, devido ao silenciamento imposto pelas autoridades ao médico que alertou, em 30 de Dezembro de 2019, para os primeiros casos de infecção pelo SARS-CoV-2, e procura ganhar alguma liberdade de expressão.


quarta-feira, 22 de abril de 2020

António Costa e a austeridade


Em entrevistas às sextas-feiras, quando António Costa aborda o tema austeridade, depois de grande arrazoado, acaba a dizer: "Não lhe dou hoje uma resposta que amanhã não possa garantir".
Mas no parlamento, às quartas-feiras, com o país inteiro a vê-lo na televisão, Costa já consegue garantir: "Não, não haverá medidas de austeridade. Convém não confundir títulos que eu não escrevo com as respostas que eu dou".


Transcrevemos, da entrevista ao Expresso na passada sexta-feira, 17 Abril 2020, a parte sobre o tema austeridade, podendo o leitor ouvir a versão áudio aqui:

Na última semana perguntaram-lhe sobre se admite que venha a ser necessário aplicar medidas de austeridade.
Foi uma má ideia e seria uma má ideia. O país não precisa de austeridade, precisa de relançar a economia.

Escolheu sempre as palavras “espero que não”, “evitar”...
Lembra-se da sua pergunta anterior sobre a incerteza?

Lembro-me. Ia perguntar se não estamos na circunstância do ex-Presidente dos EUA, que respondeu a uma pergunta assim dizendo “read my lips”.
[Risos] Pode ler à vontade o que está nos meus lábios [sorriso]. Mas já ando nisto há muitos anos para não lhe dar hoje uma resposta que amanhã não possa garantir. E acho que há um factor fundamental para sairmos desta crise, que é mantermos confiança. E a confiança tem de assentar em todos percebermos qual é o grau de incerteza em que vivemos e qual é o grau de compromisso que podemos assumir.


Rui Rio, líder do PSD, tem alertado que as medidas para superar a tempestade COVID-19 não trarão bonança mas austeridade.


Hoje, no debate quinzenal que decorreu no parlamento, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, quis saber o que o primeiro-ministro pensava sobre o tema austeridade: "A resposta a esta crise, nem hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã se poderá resolver com respostas de austeridade".

Era uma resposta evasiva, não dizia se ia ou não haver medidas de austeridade. Já perto do final do debate, André Ventura, o deputado do Chega, quis saber se o primeiro-ministro, mesmo não conhecendo ainda os contornos do "orçamento suplementar que vamos ter", podia garantir que o mesmo não trará cortes de salários e pensões e aumento de impostos. Foi, então, que António Costa deu aquela resposta brusca:
"Não, não haverá medidas de austeridade. Convém não confundir títulos que eu não escrevo com as respostas que eu dou".


Quem sobreviver ao coronavírus, haverá de descobrir a verdade.


quinta-feira, 16 de abril de 2020

Mensagem do Presidente da República ao País sobre a segunda renovação do estado de emergência


Marcelo Rebelo de Sousa renovou, pela segunda vez, o estado de emergência no nosso país, agora até ao dia 2 Maio. Eis a mensagem:



Portugueses,

Acabo de assinar a segunda — e desejo, e todos desejamos, a última — renovação do estado de emergência, para vigorar até às 24 horas do dia 2 de Maio.

Estamos, agora, mais próximos do fim de Abril, o mês decisivo para ganharmos a segunda fase. E estamos a ganhar essa segunda fase.

Tínhamos de fazer da Páscoa um tempo de contenção reforçada. E fizemo-lo.

Tínhamos de pedir aos nossos compatriotas que lá fora vivem e que haviam marcado férias para a Páscoa que as adiassem. E eles corresponderam.

Tínhamos de definir um quadro, com a compreensão de pais e professores, para este fim acidentado de ano lectivo. E definimo-lo, não o ideal, mas o possível, na situação que vivemos.

Tínhamos de garantir que uma medida humanitária de clemência não contemplasse crimes merecedores de especialíssimo ou especial juízo de censura social e, por isso, penal. E garantimo-lo.

Tínhamos de manter a descida da percentagem de crescimento de infectados — para menos de 5% — e, sobretudo, o que é mais importante à medida que se multiplica o número de testes —, manter a descida da percentagem de infectados graves, necessitados de internamento e de cuidados intensivos. E ainda, a essencial descida do indicador de contaminação para menos de uma pessoa por infectado. E mantivemo-las.

Tínhamos de, ao mesmo tempo, ir reabrindo actividades económicas, a juntar às inúmeras que nunca tinham parado. E, assim, sem alarde, agricultores continuaram a sua faina; empresas industriais retomaram o trabalho, até dentro da cerca sanitária de Ovar; comércio e serviços, que puderam, reajustaram se e reagiram à crise. Era uma parte da nossa economia real a mostrar que queria avançar em conjunto com o combate pela vida e pela saúde. Em teletrabalho e presencialmente. Aqui cerâmicas, ali construção civil, acolá material para construção, metalomecânicas, químicas, muito transporte público e colectivo e de mercadorias.

É certo que com muitos sectores e muitos trabalhadores a sofrer nos seus empregos e salários.

É certo que com matérias-primas escassas e mercados de exportação difíceis, por causa da paralisia da maioria das economias.

É certo com exacta noção do que essa paralisia podia significar, no mundo, na Europa e entre nós, de brutal, durante anos.

Aqui chegados, porquê esta renovação do estado de emergência?

Por três razões essenciais.

Primeira razão — a nossa tarefa nos lares não desperdiçou um minuto, mas precisa de mais algum tempo.
Detectar, despistar, isolar, preservar, é importante para quem lá está, para quem lá vive, mas é, também, importante para quem está cá fora, pertencendo ou não aos grupos de risco.

Consolidar essa tarefa, em clima de contenção, ainda é imperativo.

Segunda razão — somos o quarto país da Europa que mais testa por milhão de habitantes e, ainda assim, o número total de contaminados de hoje fica abaixo dos vinte mil ou trinta mil que admiti há uma quinzena. Mas, temos de continuar a estabilizar o número diário de internamentos, em geral, e de internamentos nos cuidados intensivos, em especial, por forma a assegurar que o nosso Serviço Nacional de Saúde se encontrará em condições de responder à evolução do surto em caso de aumento progressivo de contactos sociais.

Uma coisa é conviver com o vírus em actividade precavidamente aberta, sabendo que a situação está controlada, e que existe um sistema de vigilância e protecção e regras de comportamento já adquiridas, outra, bem diferente, é provocar recuos e recaídas já experimentados em sociedades que conhecemos.

Terceira razão, porventura, a mais relevante — a presente renovação do estado de emergência está pensada de tal modo, que dá tempo e espaço ao Governo para definir critérios, isto é, para estudar e preparar — para depois do fim de Abril — a abertura, gradual, da sociedade e da economia, atendendo a tempo, a modo, a territórios, a áreas e a sectores.

Com uma preocupação essencial: criar segurança e confiança nos portugueses, para que eles possam sair de casa, ir reatando, paulatinamente, a sua vida, sem se correr o risco de passos precipitados ou contraproducentes.

Só mais três palavras e duas respostas a dúvidas que vejo suscitar.

Uma palavra para os da minha idade ou acima dela, ou mesmo abaixo dela, com doenças mais graves.

Não tenham receio. Ninguém minimiza a vossa entrega de muitas décadas, tal como ninguém quer encerrar-vos num gueto, dividindo os portugueses entre aqueles que resistem e são imprescindíveis e os frágeis que são descartáveis. Cuidar de vós é diferente de vos menorizar.

Outra, para os mais jovens dos jovens, de quem poucos falam. Admiro a vossa capacidade de reagir ao maior e, para muitos, mais incompreensível choque da vossa vida.

A terceira, para os autarcas.

Se alguém, passado este momento mais grave da crise, a pretexto de uma visão estreita do Direito e da Justiça, questionar, um dia, decisões dramáticas de salvação pública, tomadas de boa-fé e com isenção, serei o primeiro a testemunhar como, em tantas dessas circunstâncias, foi essencial o vosso papel de proximidade.

E duas dúvidas finais. Que eu sei que vos assaltam.

A primeira, será que Maio poderá corresponder às expectativas suscitadas?

E a segunda, será possível suportar, por algum tempo mais, tamanhas privações neste caminho a que tantos estrangeiros chamam o milagre português?

Será que Maio poderá corresponder às expectativas suscitadas?

Conhecem a resposta. Tudo dependerá do que conseguirmos alcançar até ao fim de Abril. Isso será medido dentro de duas semanas. E do bom senso com que gerirmos uma abertura sedutora, mas complexa.

No meu espírito, como decerto no vosso, conjugam-se de um lado, compreensão do dever a cumprir e do outro muita esperança.

Mas a tal terceira fase que vos referia há duas semanas, Maio, tem de ser o mês dessa ponte entre o dever e a esperança.

Sê-lo-á tanto melhor quanto mais bem-sucedidos formos a atingir os objectivos na consolidação do combate à pandemia. E mais cuidadosamente prepararmos uma saída da crise, que gere confiança.

Confiança é a palavra-chave.

Retenhamos isto: uma crise na saúde bem encaminhada e uma abertura bem ponderada, dão força à economia e à sociedade — do emprego ao consumo, do investimento ao turismo, da cultura à comunicação social; uma crise de saúde menos bem controlada e uma abertura menos bem acautelada, podem criar problemas à vida e à saúde, e, portanto, à sociedade e à economia.

E haverá como pedir aos portugueses mais este esforço de contenção num processo que sabem ser longo, ingrato e imprevisível?

Claro que haverá.

O cansaço aperta — eu preveni-o há um mês. O cansaço e a sensação de que o pior já passou, e que a esperança desponta, e tudo isso convida a facilidades tentadoras.

Temos de lhes resistir. Temos de evitar a desilusão de, por precipitações em Abril, deitarmos a perder Maio. E ainda, o que se lhe vai seguir.

É verdade que bastante está a ser ganho, mas ainda nos falta porventura o mais difícil — como diz o povo, nós não queremos morrer na praia.

E será este caminho por nos já feito, mesmo um milagre, como tantos, lá de fora, dizem?

É bom que eles pensem que sim, que é um milagre. Nós sabemos que não, não é um milagre.

É fruto de muito sacrifício.

É fruto de, nestas fases cruciais, quem tem responsabilidades políticas ter ouvido os especialistas, ter agido em unidade, ter feito deste combate o combate da sua vida, e, desde logo, o Primeiro-Ministro e, com ele, o Governo, como é justo reconhecer. Mas também o Presidente da Assembleia da República, a Assembleia da República toda ela, os líderes partidários, os líderes sociais, os partidos políticos, os parceiros económicos e sociais.

Mesmo os que hoje divergem, no primeiro e decisivo momento não se opuseram. E é isso que ficará para a História.

É fruto, também, da dedicação daqueles que, há mês e meio ou mais, demonstram que não tem preço dedicar tudo, mas mesmo tudo, a salvar vidas ou a ajudar os que as salvam e a garantir o básico do nosso quotidiano.

É fruto de todos nós termos entendido o desafio e actuado mais cedo.

É fruto de todos nós termos estado sempre solidários e mobilizados, com disciplina, com zelo, com determinação e com coragem.

Se isto é um milagre, como os outros lá fora dizem, então nós, povo português, somos um milagre vivo há quase nove séculos.

Se isto é um milagre, o milagre chama-se Portugal.


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O Parlamento aprovou hoje o projecto de decreto do Presidente da República para a renovação do Estado de Emergência por um novo período de quinze dias, até 2 de Maio.

O terceiro período de Estado de Emergência foi aprovado com os votos a favor dos deputados do PS, PSD, BE, CDS e PAN. Por outro lado, PEV e Chega mantiveram as abstenções.

O deputado da Iniciativa Liberal (IL), o único que votou contra o decreto presidencial há duas semanas, também repetiu o voto, mas agora foi acompanhado pelo PCP e pela deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira.


sexta-feira, 10 de abril de 2020

COVID-19: A ameaça chinesa


Os políticos europeus andaram distraídos e, só agora, quando o coronavírus entrou no espaço da União Europeia e começou a matar dezenas de milhares de pessoas, em Itália e em Espanha, se aperceberam que estavam completamente dependentes da China para importação de equipamento de protecção individual para os profissionais de saúde e até de medicamentos.
Mesmo Angela Merkel, a mais atenta, só reagiu, alertando políticos de outros países — como, por exemplo, Portugal aquando da OPA da China à EDP — porque o Estado Chinês começou a querer apoderar-se das empresas europeias de energia eléctrica, o que depositaria a economia europeia nas mãos da China.

Este artigo divulgado no Jornal de Negócios é um dos primeiros alertas que aparecem na comunicação social portuguesa sobre a ameaça chinesa:

Brahma Chellaney
23 de Março de 2020 às 14:00

A pandemia covid-19 trouxe a lume os custos do crescente autoritarismo de Xi. Deveria ser uma chamada de atenção para os líderes políticos e empresariais que aceitaram durante demasiado tempo a ampliação da sombra da China sobre as cadeias globais de abastecimento.

O novo coronavírus, covid-19, já se propagou a mais de 100 países — provocando perturbações sociais, prejuízos económicos, enfermidades e mortes — em grande medida devido ao facto de as autoridades na China, país onde surgiu, terem inicialmente ocultado informação sobre o mesmo. E, ainda assim, a China está agora a agir como se a sua decisão de não limitar as exportações de ingredientes farmacêuticos activos (API, na sigla em inglês) e material médico — dos quais é a maior fornecedora mundial — fosse um acto generoso e assente em princípios, merecedor da gratidão do mundo.

Quando tivemos as primeiras evidências clínicas de que tinha surgido em Wuhan um novo vírus mortal, as autoridades chinesas não advertiram, durante semanas, a população, tendo hostilizado, repreendido e detido aqueles que o fizeram. Esta abordagem não constitui qualquer surpresa: a China tem uma longa história de "matar o mensageiro". Os seus líderes ocultaram a SARS (síndrome respiratória aguda grave), que foi outro coronavírus, durante mais de um mês depois de este surgir em 2002, e mantiveram sob custódia militar, durante 45 dias, o médico que denunciou a situação. A SARS acabou por afectar mais de 8.000 pessoas em 26 países.

Desta vez, a propensão do Partido Comunista Chinês (PCC) para o secretismo foi reforçada pela avidez do presidente Xi Jinping de ser visto como um homem forte que tem tudo sob controlo, apoiado por um PCC fortificado. No entanto, tal como sucedeu com a epidemia da SARS, os líderes chineses não conseguiriam esconder as coisas durante muito mais tempo. Assim que os casos de covid-19 associados a Wuhan começaram a ser detectados na Tailândia e na Coreia do Sul, eles não tiveram outra alternativa se não reconhecer a epidemia.

Cerca de duas semanas depois de Xi ter rejeitado a recomendação de cientistas para declarar estado de emergência no país, o governo anunciou fortes medidas de contenção, incluindo colocar milhões de pessoas em isolamento. Mas já era demasiado tarde: muitos milhares de chineses já estavam infectados com covid-19 e o vírus rapidamente se disseminou a nível internacional. O conselheiro norte-americano de segurança nacional, Robert O’Brien, disse que a ocultação inicial por parte da China "terá provavelmente custado à comunidade mundial dois meses para reagir", o que exacerbou o surto global.

Além da escalada global da emergência de saúde pública, que já ceifou a vida a milhares de pessoas, a pandemia perturbou o comércio e as viagens, obrigou muitas escolas a encerrarem, agitou o sistema financeiro internacional e afundou as bolsas a nível mundial. Com os preços do petróleo a mergulhar, parece iminente uma recessão global.

Nada disto teria acontecido se a China tivesse reagido rapidamente às evidências do novo vírus mortal, advertindo a população e implementando medidas de contenção. Com efeito, Taiwan e o Vietname mostraram a diferença que uma resposta proactiva pode fazer.

Taiwan, retirando lições da sua experiência com a SARS, instituiu medidas preventivas, incluindo inspecções aos voos, antes de os líderes chineses terem sequer admitido o surto. Da mesma forma, o Vietname suspendeu rapidamente os voos provenientes da China e encerrou todos os estabelecimentos de ensino. Ambas as respostas reconheceram a necessidade de transparência, incluindo actualizações sobre o número e localização das infecções e também conselhos à população sobre como se proteger da covid-19.

Graças às políticas dos seus governos, tanto Taiwan como o Vietname — que recebem normalmente muitos viajantes diários provenientes da China — conseguiram manter o número de casos abaixo de 50. Os países vizinhos que foram mais lentos a implementar medidas similares, como o Japão e a Coreia do Norte, foram afectados mais duramente.

Se qualquer outro país tivesse desencadeado uma crise desta dimensão, tão mortal e sobretudo evitável, seria agora um pária mundial. Mas a China, com a sua enorme influência económica, tem escapado, em grande medida, à censura. Contudo, o regime de Xi terá de se esforçar bastante para recuperar o seu posicionamento a nível nacional e internacional.

Talvez seja por isso que os líderes chineses estão a congratular-se publicamente por não limitarem as exportações de material médico e APIs usados para produzir medicamentos, vitaminas e vacinas. Se a China decidisse banir essas exportações para os Estados Unidos, tal como sublinhou recentemente a agência noticiosa Xinhua, os EUA estariam "mergulhados num gigantesco mar de coronavírus". A China, insinua o artigo, teria justificações para tomar essa decisão. Se o fizesse, estaria muito simplesmente a retaliar contra as medidas "cruéis" dos Estados Unidos tomadas depois do surgimento da covid-19, tais como restringir a entrada no país de chineses e estrangeiros que tivessem visitado a China. É ou não verdade que o mundo tem muita sorte por a China não ser assim tão mesquinha?

Talvez. Mas não há qualquer razão para acreditar que a China não será mesquinha no futuro. Afinal de contas, os líderes chineses têm um historial de suspender outras exportações estratégicas (tais como minerais de terras-raras) para castigarem países que os desafiaram.

Além disso, esta não foi a primeira vez que a China pensou em transformar numa arma a sua dominância no fornecimento global de material médico e APIs. No ano passado, Li Daokui, um proeminente economista chinês, sugeriu que se reduzisse as exportações de ingredientes farmacêuticos activos para os Estados Unidos como contramedida na guerra comercial. "Assim que estas exportações sejam reduzidas, o sistema médico de alguns países desenvolvidos deixará de funcionar", sublinhou Li.

E não era um exagero. Um estudo realizado pelo Departamento norte-americano do Comércio concluiu que 97% de todos os antibióticos vendidos nos EUA provêm da China. "Se vocês forem chineses e quiserem de facto destruir-nos, basta que deixem de nos enviar antibióticos", salientou no ano passado Gary Cohn, que foi o principal conselheiro económico do presidente norte-americano, Donald Trump.

Se o fantasma de a China explorar a sua força farmacêutica para fins estratégicos não for suficiente para levar o mundo a repensar as suas dispendiosas decisões de "outsourcing", então a perturbação não intencional das cadeias de abastecimento globais devido à covid-19 deveria ser. Com efeito, a China registou um declínio involuntário na produção e exportação de APIs desde o surto – e esse facto restringiu o fornecimento mundial e fez disparar os preços de medicamentos vitais.

Isso já forçou a Índia, maior fornecedor mundial de medicamentos genéricos, a restringir as suas próprias exportações de alguns medicamentos mais habitualmente consumidos. Perto de 70% dos APIs para medicamentos fabricados na Índia provêm da China. Se as instalações farmacêuticas da China não regressarem em breve à plena capacidade, o mais provável é que assistamos a uma severa escassez de medicamentos a nível global.

A pandemia covid-19 trouxe a lume os custos do crescente autoritarismo de Xi. Deveria ser uma chamada de atenção para os líderes políticos e empresariais que aceitaram durante demasiado tempo a ampliação da sombra da China sobre as cadeias globais de abastecimento. O mundo só conseguirá manter-se a salvo das patologias políticas da China se afrouxar o poder daquele país sobre as redes globais de fornecimento – a começar pelo sector farmacêutico.


Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Centro de Investigação Política em Nova Deli e membro da Academia Robert Bosch em Berlim, é autor de nove livros, incluindo Asian Juggernaut, Water: Asia’s New Battleground, e Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.


Direitos de autor: Project Syndicate, 2020.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro


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A equipa política que delineou a estratégia eleitoral do Partido Republicano nas eleições presidenciais de 2017, e conseguiu fazer eleger Donald Trump, foi o primeiro grupo de políticos ocidentais a aperceber-se do perigo que a China representava para as economias ocidentais e, em especial, para a economia dos Estados Unidos da América.

Os quadros interactivos seguintes discriminam as exportações e as importações da China relativamente aos EUA:


O que a China exporta para os Estados Unidos? (2017)




O que a China importa dos Estados Unidos? (2017)




A primeira conclusão é a existência de um enorme desequilíbrio entre as exportações e as importações que beneficiou a China, em 2017, com um superavit no valor de 344 mil milhões de dólares:

Saldo da balança comercial = Exportações - Importações = 477-133 = 344 mil milhões de dólares

Os valores mais preocupantes para os EUA encontram-se, porém, no domínio da saúde. A China vende, por exemplo, $824 milhões de vitaminas (isolar ícone Chemical Products) aos EUA, mas compra-lhes uma insignificância de $59 milhões. Em relação a antibióticos (ver quadros abaixo), as exportações chinesas sobem até 209 milhões, enquanto as importações não ultrapassam 92 milhões, ou seja, menos de metade.

No entanto, relativamente aos antibióticos a situação torna-se deveras grave nas exportações globais, com as exportações chinesas a atingirem $3,4 mil milhões ao passo que as importações não vão além de $521 milhões. O mundo refém da China:


Para onde a China exporta antibióticos? (2017)



De onde a China importa antibióticos? (2017)




Foi preciso a União Europeia tornar-se no epicentro da epidemia provocada pelo SARS-CoV-2, um vírus que parece ter surgido num mercado de peixe e animais selvagens chinês, para os europeus começarem a olhar para a invasão chinesa com menos benevolência.

Só não temos a certeza sobre qual o regime que a China pretende impor ao mundo: uma ditadura socialista de estilo soviético ou o tipo de capitalismo selvagem que existe na China, com a população menos culta transformada em novos escravos que nem sequer têm direito a usufruir de um sistema nacional de saúde, excepto no caso de epidemias que ponham em perigo a produção de bens e serviços.

Este artigo despoletou toda a espécie de comentários, desde fanáticos que anseiam pelo domínio do Partido Comunista Chinês até a leitores já conscientes da ameaça chinesa:

fcj
Mais um malandro a incendiar o regime que, muito brevemente, vai conduzir o rumo de toda a actividade humana!

helmarques
Este homem não bate bem, dizer isto da mãe China? E ainda mais este jornal publicar leva-me a pensar que anda tudo maluco. Que coragem deste senhor escrever isto, eu aqui na Europa rodeado de sábios e nunca me tinha passado pela cabeça porque nunca li nada sobre isto, "ingredientes farmacêuticos activos (API, na sigla em inglês) e material médico" que a China dominava o mercado mundial e poderão levar os EUA a desgraça, claro que depois terão que sofrer consequências, mas isso será outro assunto. O dragão já despertou e pelos vistos é insaciável, o mundo dominado pelo PPChinês e pelos seus soldados chineses, é o que afirmam dissidentes chineses. Quase passo a crer que o vírus foi feito por humanos.

Ser ingénuo é muito perigoso
Que ninguém tenha dúvidas de que a China está por detrás da actual pandemia, dum modo programado e metódico, com o fim último e principal de destruir a Civilização Ocidental.
Xi Jinping já marcou a meta de 2049 (centenário da criação do PCChinês) para dominar e impor o seu regime a todo o mundo.

Anónimo
O Trump pode ter muitos defeitos mas o Xi é cem vezes pior, é mesmo uma ameaça para o planeta. Durante a epidemia na China o Xi disse que todos os países que fechassem as linhas aéreas à China eram inimigos dos chineses. A UE deixou as portas grandes abertas e o resultado está à vista.

Anónimo
O melhor que os europeus podem fazer é evitar comprar produtos produzidos na China. Não irem às lojas chinesas, comprarem produtos, mesmo mais caros, mas nacionais ou produzidos na Europa. Talvez assim a ditadura chinesa mude de discurso.

Anónimo
Notícia da Antena 1 de hoje, 25/03, "testes rápidos para o coronavírus que a Espanha comprou à China não funcionam".
Será que alguém tem ainda alguma dúvida de que tudo quanto vem daquele sinistro país não presta?
A própria disseminação do vírus da China tem talvez uma história negra por detrás.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

COVID-19: Carta aberta de cientistas e médicos à DGS


Um grupo de entidades com experiência na área de Ciência dos Dados e da Saúde enviou uma carta aberta à Direcção Geral de Saúde (DGS) em que expõe as falhas na disponibilização de dados por parte da DGS e oferecem ajuda técnica e estratégica, apelando a uma maior colaboração com a sociedade civil no desenho de uma estratégia melhor.

A carta foi desenvolvida pela Associação Portuguesa de Ciência de Dados para o Bem Social (DSSG PT) e assinada, até ao momento, pela ANMSP, Cintesis, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Movimento tech4COVID19.
No entanto, peço a todos os portugueses que se preocupam com o seu país e com o futuro dos seus filhos que reservem alguns minutos para ler e reflectir sobre os problemas relatados nesta carta:

****Poucos dias depois da eclosão do surto de COVID-19 em Portugal, e face à multitude de esforços por parte de uma comunidade de voluntários digitais que rapidamente surgiu, a equipa da Associação Portuguesa de Ciência de Dados para o Bem Social (DSSG PT) decidiu também actuar no âmbito da sua experiência na área dos dados abertos.
****O exemplo de outros países mostra a importância da transparência das Autoridades de Saúde relativamente à evolução da epidemia e à sua actuação sobre a mesma, através da publicação frequente de dados detalhados e de fácil processamento. A publicação atempada e facilmente consumível destes dados tem várias vantagens:


  • Informar a população através de fontes oficiais, controlando eventuais fenómenos especulativos e garantindo uma base de conhecimento comum a toda a sociedade.

  • Garantir que todos os decisores e meios de resposta nesta crise (que, em última análise, são todos os membros da sociedade civil) estão a par das capacidades e fragilidades do sistema de saúde, em tempo real, de modo a adequar as respectivas respostas. Por pior retrato que, em determinados casos, isso possa revelar desses mesmos Sistemas de Saúde.

  • Alimentar uma comunidade científica/industrial/informal ávida de contribuir com análises ou ferramentas que possam, de algum modo, apoiar as intervenções de Saúde Pública — numa altura em que os Serviços de Saúde Pública se encontram sob imensa pressão.

****Os exemplos de excelência das aplicações práticas deste tipo de políticas são o repositório de dados da Protecção Civil Italiana ou o dashboard da epidemia em Singapura.
****Na tentativa de colmatar a inexistência de uma estratégia de dados abertos por parte da Direcção-Geral da Saúde (DGS) do Ministério da Saúde Português, a DSSG PT propôs-se a disponibilizar em formatos facilmente processáveis e nativos da comunidade analítica (ficheiros estruturados CSV/Excel/JSON), da forma mais atempada possível, todos os dados que a DGS vai disponibilizando.
****Surgiu, assim, o repositório de dados covid19-pt-data, um espaço centralizador de dados oficiais em formatos de fácil processamento, e que rapidamente acumulou milhares de visualizações e variados utilizadores, tanto institucionais como individuais.
****Embora o trabalho de divulgação e disponibilização de dados por parte da DGS tenha melhorado ao longo da epidemia, ainda assim se verificaram muitos atrasos, retrocessos, inconsistências e más práticas de partilha de dados. Indubitavelmente algumas dever-se-ão a erros humanos — totalmente compreensíveis — por parte de quadros clínicos sob grande pressão e elevadas cargas de trabalho. Outras, no entanto, são mais fundamentais: tratam-se de sintomas claros da ausência de um verdadeiro Sistema de Informação para a Saúde Pública e de uma cultura sistemática e enraizada de dados.
****Evidenciamos abaixo algumas delas, com base na experiência diária de actualização destes dados desde o dia 15 de Março de 2020:


  • Disponibilização dos boletins diários num formato não-estruturado (PDF), cuja extracção de dados não é trivial.
  • Constantes mudanças no formato do boletim em termos de aspecto e estrutura, o que dificulta abordagens mais avançadas para extracção automática de dados.
  • Constantes mudanças nos indicadores clínicos disponibilizados (adição de indicadores, remoção de indicadores, alteração das grandezas utilizadas), o que causa incertezas no planeamento de potenciais análises e projectos científicos.
  • A existência de dados processados dentro dos boletins em formatos completamente imperscrutáveis: gráficos (ao invés dos dados absolutos que lhes deram origem) com eixos demasiados esparsos e legibilidade reduzida. Para todos os efeitos, estes dados estavam bloqueados, impossibilitando qualquer outra análise que não a aí apresentada.
  • O grande diferencial entre a data de publicação dos dados e a data a que dizem respeito (12h), numa situação em constante evolução e que exige respostas rápidas e informadas.
  • Ausência de um dicionário de dados, de um glossário científico e de notas metodológicas acerca da recolha dos dados reportados, o que leva a muitos exercícios especulativos nas redes sociais/meios de comunicação social após o lançamento dos boletins. Exercícios estes que meramente se acumulam sobre a pilha de desinformação já circulante.
  • Inconsistências pontuais entre valores totais e a respectiva divisão em subgrupos, denotando a inexistência de mecanismos automáticos de verificação de qualidade dos dados e comprometendo a confiança e a transparência institucionais.
  • Paragem na actualização dos dados relativos à linha SNS24 a partir de 9 de Março, no portal Transparência — SNS, numa altura em que foram levantadas muitas questões acerca da sua capacidade e eficácia.
  • Paragem, na plataforma de Vigilância de Mortalidade da DGS, da actualização dos dados sobre mortalidade por Administração Regional de Saúde a partir de 19 de Fevereiro, assim como da ferramenta de previsão de mortalidade, sendo apenas comunicada a mortalidade total e por distrito.
  • Falta de conhecimento acerca do número de testes disponíveis e efectuados, assim como a respectiva tipologia, metodologia de aplicação e o modo como esta se reflecte nos restantes indicadores clínicos.
  • Inexistência de informação, global ou estratificada, acerca de equipamento e infraestrutura disponíveis, como por exemplo o número de quartos individuais de isolamento, de camas em unidades de cuidados intensivos ou de ventiladores.
  • Inexistência de um sistema de informação integrado no SNS que permita a criação automática de um relatório com base nas contagens dos infectados por região.

****A crítica é, claro, construtiva, e deve ser sempre acompanhada dos elogios que lhe são merecidos. Nesse sentido:

  • Não obstante problemas de legibilidade e clareza de linguagem, a ideia do boletim diário é boa. O boletim é um recurso visualmente forte, conciso e de entendimento fácil pela população em geral. O boletim deve ser meramente uma ferramenta numa panóplia mais alargada de estratégias de comunicação de dados — nunca, de modo algum, a única.
  • A adequada frequência de actualização dos dados. Embora os dados pecassem por terem um atraso considerável, publicá-los a um ritmo diário é uma boa escolha. Publicações mais frequentes só alimentariam a obsessão monotemática dos órgãos de comunicação social e, por conseguinte, da sociedade civil; publicações menos frequentes dariam demasiado azo a rumores e especulação.
  • A resposta ao feedback dado pela sociedade no que diz respeito a alguns dos problemas detectados na estratégia de dados da DGS foi um ponto positivo. Neste ponto, merece especial atenção a disponibilização de dados que foi anunciada após uma petição pública subscrita por várias entidades de investigação científica. Ficou comprovado que existe uma abertura à crítica construtiva e a colaborações com membros da sociedade civil, o que é um ponto positivo de extrema importância. Contudo, até à data, não se materializou.

****E é precisamente neste último ponto que nos queremos focar com esta exposição. Mais do que uma lista infértil de prós e contras, pretendemos colocar à disposição do Governo da República Portuguesa, de forma totalmente voluntária, o conhecimento acumulado no seio das nossas organizações em relação a estratégias efectivas de partilha de dados abertos. Disponibilizamo-nos não só para fins de consultoria estratégica como também para discussões de natureza técnica e, sempre que as nossas capacidades forem insuficientes, para articulação com os agentes adequados na vasta e talentosa comunidade de Ciência dos Dados em Portugal. Comprometemo-nos a providenciar esta ajuda em tempo útil, tanto que a capacidade de resposta a esta epidemia seja reforçada com dois poderosíssimos recursos, agora mais relevantes do que nunca: a transparência e a colaboração.

Os signatários:

Associação Portuguesa de Ciência de Dados para o Bem Social
Website: https://www.dssg.pt/
Contacto: hello@dssg.pt

Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública
Website: www.anmsp.pt
Contacto: presidente@anmsp.pt

Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde
Website: http://cintesis.eu/en/home/
Contacto: cintesis@cintesis.eu

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Website: https://sigarra.up.pt/fmup/
Contacto: fmup@med.up.pt

Movimento tech4COVID19
Website: www.tech4covid19.org
Contacto: info@tech4covid19.org


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terça-feira, 7 de abril de 2020

A sorte de António Costa


Pode ler-se hoje no elevador do Jornal de Negócios:

Celso Filipe cfilipe@negocios.pt 07 de abril de 2020 às 00:01

O primeiro-ministro português lidera uma espécie de ranking europeu de popularidade na abordagem à crise elaborado pelo jornal espanhol ABC com base em sondagens realizadas em cada país. A taxa de aprovação de António Costa, 75%, superior à do primeiro-ministro italiano ou da chanceler alemã, dá-lhe uma legitimidade relevante na tomada de decisões e também no plano da União Europeia.


Também pode ler-se esta resposta certeira e acutilante:

JARANES

A INEVITÁVEL VINDA DO DIABO E A SORTE DE ANTÓNIO COSTA

Costa já se encontrava em queda antes do COVID 19 por efeito da inevitável queda da dinâmica económica.
O COVID-19 veio resolver-lhe o problema: agora tudo se deverá ao COVID-19 e não à vinda do diabo, de cuja aparição tanto escarnecia.
É aplicável aqui o ditado de que mais vale cair em graça do que ser engraçado.
Pela segunda vez a sorte leva às costas um incompetente; político no pior significado da palavra.
Que o povo não saiba reconhecer este facto é o bafeje com um aumento da popularidade é natural.
O povo é imbecil e o grande trunfo de António Costa é sabê-lo e utilizá-lo; o que torna o povo duplamente imbecil.
António Costa é, no pior significado da expressão, um chico-esperto, bem demonstrado na manobra utilizada para tomar conta do partido e, de seguida, do governo.
A imbecilidade do povo é, pois, o seguro de vida política do Costa.
No espelho, porém, não deixará de ver quem de facto é.


quinta-feira, 2 de abril de 2020

Mensagem do Presidente da República ao País sobre a renovação do estado de emergência


Marcelo Rebelo de Sousa acaba de renovar o estado de emergência no nosso país até ao dia 17 de Abril. Explica, nesta mensagem, como vê a situação actual, os motivos que o levaram a fazer esta renovação e o que espera que suceda no futuro próximo:



Portugueses,

Ouvidos os especialistas, com o parecer favorável do Governo e a autorização amplamente consensual da Assembleia da República, acabo de renovar, até ao dia 17, o estado de emergência.

E, porque esta é uma causa nacional, uma vez mais estivemos todos os órgãos de soberania unidos e solidários.

Como unidos e solidários têm estado, exemplarmente, os portugueses nas suas casas, no trabalho, na coragem serena a enfrentar a pandemia.

Sabendo que este é, vai ser, porventura o nosso maior desafio dos últimos quarenta e cinco anos.

Porque nos ultrapassa na sua origem e no seu fim. É universal e o adversário é insidioso e imprevisível.

Porque atinge, concentradamente, vida e saúde, sem paralelo na nossa história democrática.

Porque os seus efeitos económicos e sociais serão mais profundos e mais duradouros do que as crises mais longas que já vivemos.

Porque agrava brutalmente a pobreza dos mais pobres, as desigualdades dos mais desiguais, as exclusões dos mais excluídos.

Porque vai exigir reforçada atenção e punição daqueles que queiram aproveitar-se da crise para actividades criminosas contra os valores da Constituição que votámos faz hoje precisamente quarenta e quatro anos.

Os portugueses perceberam tudo isto e decidiram abraçar a luta comum. Profissionais da saúde continuam a fazer milagres.

Forças Armadas e de Segurança, Bombeiros e Protecção Civil, não descansam.

IPSS e Misericórdias e voluntários desmultiplicam-se.

Empresas alteram planos para produzir o que mais nos falta.

Cientistas trabalham em novos testes, fármacos e vacinas em grupos internacionais.

Professores mudam métodos de ensino.

Agricultores iniciam sementeiras e plantações de alimentos essenciais para o nosso dia a dia.

Operários produzem para a exportação possível.

Camionistas mantêm fornecimentos quase inviáveis.

Hoteleiros alojam desalojados de lares ou médicos e enfermeiros isolados das famílias.

Comerciantes de estabelecimentos encerrados apoiam obras sociais.

Autarcas e pessoal autárquico palmilham freguesias e municípios.

Todos entendem que o caminho é muito longo e muito exigente.

Começa no combate da vida e da saúde, sem o qual o combate da economia e da sociedade não pode ser travado com sucesso.

Mas a vida e a saúde exigem que a economia e a sociedade não parem.

Dentro do combate da saúde há, desde logo, quatro fases.

A primeira fase foi a das últimas semanas — evitando que o crescimento do número de contaminados atingisse níveis excepcionalmente elevados e o recurso generalizado ao internamento de milhares de doentes, entre o final de Março e o início de Abril, provocasse a ruptura do sistema, sem tempo para ajustar estruturas, reforçar meios, enfrentar uma subida descontrolada da pandemia.

A segunda, em que entramos, será a das próximas semanas, neste mês crucial de Abril, tentando manter a desaceleração do surto, consolidando a contenção, tratando a maioria esmagadora dos infectados em casa, e gerindo a subida de doentes carecidos de internamento e, sobretudo, de cuidados intensivos.

A terceira será a vivida nas semanas seguintes, mais cedo ou mais tarde consoante o sucesso da segunda, invertendo definitivamente a tendência do crescimento de casos, mas ainda enfrentando números exigentes em internamento grave e crítico. E abrindo para a descompressão possível na sociedade portuguesa.

A quarta — controlando, de forma consistente, o surto, mesmo se ainda assistindo à parte final dos custos humanos da pandemia. Uma fase de progressiva estabilização da nossa vida colectiva.

Para já ganhámos a primeira batalha, a da primeira fase, adiámos o pico e moderámos a progressão do vírus.

Onde o número de infectados certificados começara a subir a mais de 30% e até a mais de 40% por dia, conseguimos baixar para valores de crescimento de 15% a 20% e, depois, nos últimos dias, inferiores a 15%, como ontem e hoje.

Ganhámos tempo, com as medidas restritivas e, sobretudo, com a notável adesão voluntária dos portugueses. Ganhámos tempo para o traçado das primeiras e mais urgentes medidas económicas e sociais.

Agora, temos de ganhar a segunda fase – não podemos desbaratar a contenção da primeira, temos de consolidar a moderação do surto com números que vão subir ainda, e muito, em valores absolutos, mas que irão, esperamos, descer em percentagem de crescimento e ao mesmo tempo a pôr de pé, no terreno, os apoios sociais e económicos mais urgentes de entre os urgentes.

E temos, nesta segunda fase, de nos focar em cinco objectivos fundamentais:

Primeiro – proteger reforçadamente os grupos de maior risco, onde quer que vivam, ou se encontrem, em suas casas, em nossas casas, nos lares, em residências sociais ou, na rua, sem teto e sem abrigo.

Desta frente pode depender, decisivamente, o sucesso da segunda fase e o passarmos mais depressa à terceira.

Dos estudantes aos trabalhadores em lay-off, às Forças Armadas, às forças de segurança e aos bombeiros – tudo o que é possível tem sido e deve continuar a ser mobilizado, por Governo e autarcas, para essa frente.

Segundo – utilizar, com bom senso e rigoroso critério, a abertura da renovação do estado de emergência para prevenir situações críticas de saúde pública nos estabelecimentos prisionais, em particular na população de maior risco ou de maior vulnerabilidade.

Governo, Assembleia da República, e poder judicial terão uma palavra a dizer, à qual o Presidente da República juntará a sua, exercendo o poder constitucional de indulto em casos concretos.

Terceiro – assegurar que, por muitas razões que haja – e há – para cansaço, ansiedade, lassidão, nesta Páscoa, não troquemos uns anos na vida e na saúde de todos, por uns dias de férias ou reencontro familiar alargado de alguns.

Daí as medidas extraordinárias do Governo, medidas a que o estado de emergência dá força acrescida, limitando a circulação de pessoas, de fora, para fora e cá dentro na época pascal.

Quarto – pedir aos nossos compatriotas, que, de fora, quiserem vir, que entendam as restrições severas que cá dentro adoptaremos para a Páscoa e repensem, adiando os seus planos, como todos nós estamos a adiar os nossos planos, a pensar na Pátria comum.

Quinto e último objectivo – definir os cenários para o ano lectivo, atendendo à evolução da pandemia em Abril. Mais uma das opções do Governo, na sua exigente missão nacional, que o Senhor Primeiro-Ministro comunicará ao País no dia 9.

Este é o nosso principal caderno de encargos para os próximos quinze dias.

A renovação do estado de emergência, amanhã iniciado, neste mês essencial de Abril, – um estado de emergência preventivo que hoje praticamente todos compreendem bem por que tinha de ser declarado quando foi –, tem como fim ajudar-nos a cumprir este caderno de encargos e a ganhar a segunda fase do combate pela vida e pela saúde, assim abreviando o começo da reconstrução económica e social de Portugal.

Mas só ganharemos Abril, se não facilitarmos, se não condescendermos, se não baixarmos a guarda.

Outras experiências mostraram que situações do grupo de risco e visitas à terra e à família custaram explosões entre os trinta e os cinquenta dias de epidemia.

Sejamos verdadeiros.

Vai custar a ver os números de infectados atingir as duas ou três dezenas de milhares até ao dia 17? Vai. Mas o que importa é sabermos que o número de testes está a aumentar – e bem – e que isso significa detectar mais infectados, que a maioria deles não é grave, e, sobretudo, que o que vai fazer a diferença é a percentagem de crescimento diário.

Uma percentagem a descer é o surto a quebrar e a aproximar-se a viragem irreversível.

Tem sido e continuará a ser uma mudança radical na nossa vida? Tem sido e terá de ser por mais umas semanas. Mas o que importa é sabermos que essa mudança pode valer muitas dezenas de milhares de vidas salvas.

Que seja para os que sofreram ou ainda sofrem com a pandemia e para aqueles que nela morreram, sós e sem despedida, e para suas famílias, a nossa última evocação solidária.

Nós não os esquecemos.

E é por eles e pelos milhões e milhões que somos que nos comprometemos a vencer esta segunda fase, assim permitindo vencer o maior desafio da vida de todos nós.


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