sábado, 25 de maio de 2013

O novo império britânico de offshores e paraísos fiscais


Quem realmente vive no One Hyde Park [Londres], o edifício residencial mais caro do mundo? A maior parte dos proprietários das habitações é gente que se esconde atrás de offshores, de paraísos fiscais, o que nos dá o retrato dos novos super-ricos”, lê-se no artigo A Tale of two Londons, de Nicholas Shaxson, publicado na última edição de Abril da revista norte-americana Vanity Fair.

"É uma surpresa para a maioria das pessoas que o mais importante player do sistema global de offshores (livre de impostos e taxas) não seja a Suíça, nem as Ilhas Caimão, mas sim a Grã-Bretanha, situada no centro de uma rede de paraísos fiscais britânicos interligados entre si, a lembrar os últimos resquícios do império”, prossege o artigo.

Na terça-feira, a organização internacional não-governamental (ONG) Oxfam estimou em 14 biliões de euros o dinheiro ocultado em paraísos fiscais espalhados pelo mundo, dos quais 9,5 biliões de euros em offshores da União Europeia. Com os Estados a perderem cerca de 120 mil milhões de euros de receita fiscal.

Hoje o Expresso revelou, graças a uma parceria estabelecida com o Offshore Leaks, que há 22 nomes (seis portugueses) e 12 empresas offshores associados a moradas em Lisboa, Porto, Estoril e Almancil.
O Offshore Leaks, o maior e mais complexo trabalho de colaboração entre jornalistas de todo o mundo, é coordenado a partir de Washington pelo International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) e investiga paraísos fiscais.
Tem a participação de "The Washington Post" nos Estados Unidos, "The Guardian" e a BBC no Reino Unido, "Le Monde" em França, o "Novaya Gazeta" na Rússia, a "Folha de S. Paulo" no Brasil e, segundo o Expresso, já analisou 2,5 milhões de documentos secretos, relacionados com 120 mil companhias e 170 países.
Pretende lançar uma luz sobre as grandes fortunas que “fogem” ao pagamento de impostos numa altura em que, em Bruxelas, os chefes de Estado e de governo europeus se reuniram para adoptarem medidas de reforço da luta contra a evasão e a fraude fiscal.

No entanto, os resultados deste encontro de quarta-feira, 22 de Maio, em Bruxelas, não foram animadores: a decisão sobre a generalização da troca de dados sobre as transacções financeiras no espaço europeu foi adiada para Dezembro.

Ao contrário da França, que tem defendido medidas europeias contra a evasão fiscal, a Áustria e o Luxemburgo fazem depender a sua concordância da aprovação de legislação similar na Suíça, no Mónaco, em Andorra, em San Marino e no Liechtenstein, territórios europeus que não integram a UE.

A Inglaterra é sempre um opositor ao aumento da regulação financeira (bancos, operações financeiras e offshores) e qualquer mudança à actual “arquitectura” da city londrina (uma metrópole offshore) será sempre olhada como uma ameaça à “competitividade” da sua indústria financeira.
Daí o mapa que acompanha o artigo de Nicholas Shaxson ter o título “O Sol nunca se deita para o império britânico de offshores e paraísos fiscais”.

Um círculo interior formado por dependências da coroa britânica — Jersey, Guernsey, Ilha de Man. Um pouco mais longe estão os 14 territórios espalhados pelo mundo, metade são paraísos fiscais, incluindo, por exemplo, gigantes offshores como as Ilhas Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas e as Bermudas. Ainda mais longe numerosos países da Commonwealth britânica e antigas colónias como Hong Kong, com profundas e antigas ligações a Londres, continuam a alimentar grandes fluxos financeiros questionáveis e sujos para dentro da City”, explica o artigo. "A situação dúbia, meio dentro, meio fora (colónias sem o ser), assegura um fundo de legalidade e de distância que permite à Grã-Bretanha dizer “que nada pode fazer” quando um escândalo rebenta”.

Sabe-se que uma parte significativa das grandes fortunas mundiais, das empresas e dos fundos de investimento internacionais controlados a partir das metrópoles financeiras acabam sediados em paraísos fiscais.
Mas são territórios onde o sigilo bancário e a complexidade das estruturas societárias dificultam a identificação das offshores, dos seus beneficiários efectivos e das verbas que por ali circulam.
Mesmo assim, Nick Shaxson garante que no fim do primeiro semestre de 2009, “só as três dependências da coroa britânica [Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas e as Bermudas] providenciaram 332,5 mil miliões de dólares de financiamento para a City, a maior parte dinheiro estrangeiro não taxado”.

Estas questões estão de tal modo fora de controlo que, em 2001, até a Autoridade Fiscal britânica vendeu 600 edifícios a uma companhia, a Mapeley Steps, registada no paraíso fiscal das Bermudas para evitar o pagamento de taxas.

Nick Candy, o construtor do One Hyde Park, explicou que Londres “é a cidade no topo do mundo e o melhor paraíso fiscal para alguns”, enquanto Mark Holling, co-autor do livro Londongrad, de 2009, comenta a invasão russa: “Eles [russos] vêem a capital/city como a mais segura, justa e honesta para parquear o dinheiro e a justiça britânica nunca os extradita”, nem “a polícia os investiga”, apesar de “se desconhecer a origem do seu dinheiro” resultante das “privatizações pós-soviéticas corruptas”.

Shaxson recorda a política financeira da ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher: “As reformas financeiras [de Thatcher], nomeadamente, o Big Bang [desregulamentação], de 1986, fizeram disparar o número de banqueiros na city o que expandiu as operações financeiras” e atraiu o investimento estrangeiro.
A menor regulação não teve como resultado maior transparência e qualidade nas transacções financeiras, pelo contrário, esteve na origem da crise financeira anglo-saxónica de 2008.

Actualmente, num contexto de austeridade para os ingleses, a grande dimensão dos negócios em paraísos fiscais sob administração britânica tem gerado contestação ao governo de David Cameron. Até Lord Oakeshott, do partido Liberal-Democrata, o parceiro de coligação de Cameron, já avisou sobre as triangulações entre offshores: “É uma mancha na face da Grã-Bretanha. Como pode Cameron pedir seriamente ao G8 para reforçar as receitas fiscais, se depois deixar as ilhas [paraísos fiscais britânicos] usarem a lei para absorver milhões em dinheiro sujo?


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