Um técnico superior do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) foi acusado este mês de 52 crimes de corrupção passiva e 17 de fraude na obtenção de subsídio.
Este funcionário exercia funções no Centro de Emprego de Penafiel e, depois de uma auditoria ao seu trabalho ter descoberto que lesara o Estado em cerca de 6 milhões de euros, foi punido disciplinarmente com uma suspensão por três dias.
O arguido deixou por iniciativa própria o Centro de Emprego de Penafiel e no dia seguinte começou a trabalhar no Centro de Emprego de Lamego, onde atribuiu de forma fraudulenta mais de uma dúzia de apoios públicos, num valor superior a 1,5 milhões de euros.
Aquela auditoria decorreu em 2005, na sequência de uma denúncia anónima remetida ao próprio IEFP e, em relatório de Julho de 2005, os auditores já realçavam:
"Dificilmente se pode compreender e aceitar que procedimentos tão anómalos e erráticos possam ter sido adoptados durante tanto tempo, em tantos processos e de forma continuada e sistemática, sem uma intervenção atempada e correctora do director do Centro de Emprego de Penafiel, responsável último pela aprovação das candidaturas que lhe eram apresentadas".
"Dificilmente se compreende que uma matéria de tamanha responsabilidade e que envolve a concessão de milhões de euros de verbas envolvidas em várias candidaturas financiadas pelo centro em 2003 e 2004, e atingem valores da ordem dos 6.166.551 euros, tivessem estado entregues a uma única pessoa, que nem nos seus impedimentos foi substituída por outra".
Por causa deste relatório foi instaurado um processo disciplinar a J.M. que o puniu com a suspensão por três dias e também terá punido o então presidente do Centro de Emprego de Penafiel por falhas graves na fiscalização do trabalho do subalterno.
Esta semana, ao consultar o volumoso processo judicial no Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, o PÚBLICO encontrou, na sequência do processo disciplinar de 2005, uma referência a uma decisão do director regional do IEFP que "determinou a suspensão de funções do arguido J. M. relacionadas com a intervenção no Programa de Estímulo à Oferta de Emprego/Iniciativa Local de Emprego".
Há também um pedido de informação da procuradora titular da investigação, a que o então presidente do IEFP, o socialista Francisco Madelino, respondeu em fins de 2010 dizendo apenas que o funcionário tinha "cessado o exercício desse cargo [coordenador de núcleo no Centro de Emprego de Penafiel], por iniciativa própria, a 12 de Dezembro de 2005".
A procuradora insistiu com Francisco Madelino:
"Solicito que V. Exª. se digne a informar no sentido de ser esclarecido onde J. M. exerceu funções como técnico superior entre 12 de Dezembro de 2005, data em que cessou funções no Centro de Emprego de Penafiel, e Janeiro de 2009, data em que assinou contrato por tempo indeterminado" no centro de Lamego.
E Madelino acabou por admitir, em carta enviada em Janeiro de 2011, que o funcionário se mantinha ainda em funções:
"Desde 13 de Dezembro de 2005, o trabalhador encontra-se a exercer funções inerentes à sua carreira e categoria profissional de técnico superior, no Centro de Emprego de Lamego".
Agora, passados quase oito anos, o Ministério Público decide acusar 46 pessoas singulares e 21 colectivas por crimes de corrupção e associação criminosa, ocorridos entre 2001 e 2008.
Questionado pelo PÚBLICO, o IEFP recusou-se a esclarecer se este técnico superior continua a trabalhar na instituição, quantos processos disciplinares lhe foram levantados e que penas lhe foram aplicadas. A resposta veio através do assessor de imprensa do ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, e o lacónico e-mail apenas diz:
"Quanto aos processos disciplinares que foram abertos, foram concluídos, tendo sido determinadas as penas consideradas aplicáveis.
Dependendo do desenvolvimento do processo-crime em questão, poderão ser abertos os competentes processos disciplinares na estrita observância das disposições legais aplicáveis".
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Que o IEFP tem sido um refúgio para a boyada partidária já sabíamos. Falta saber a que bolsos foram parar estes fundos públicos. Foram empresários do sector privado, funcionários públicos ou políticos?
Grandes interesses políticos se escondem na sombra deste caso porque qualquer funcionário público que lese o Estado em vários milhões de euros tem assegurada a pena de aposentação compulsiva no final do processo disciplinar, seguida por denúncia ao Ministério Público e prisão preventiva.
Registamos um dos comentários publicados no PÚBLICO que resume magistralmente a situação:
Arons Vale E Cunha
15:13
Isto é o que, comummente se chama um polvo, os superiores hierárquicos estão visivelmente implicados, formando os tentáculos do animal. E quando as instâncias judiciais (ou reguladoras) se abstêm de punir estes abusos de poder, isso só pode indiciar que também estão implicados e o caso mais parece uma centopeia gigante.
Em Portugal estes casos estão de tal modo disseminados na sociedade que, por haver tanta gente implicada em casos semelhantes, ninguém ousa sequer indignar-se para não lhes cair o telhado em cima.
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