sábado, 25 de maio de 2013

Direitos adquiridos


Numa longa mensagem, colocada ontem de madrugada no Facebook e dirigida ao Governo, o actor Ruy de Carvalho indigna-se por as Finanças o estarem a obrigar a refazer o IRS de três anos e não lhe garantirem os direitos enquanto actor:

"Senhores Ministros:

Tenho 86 anos, e modéstia à parte, sempre honrei o meu país pela forma como o representei em todos os palcos, portugueses e estrangeiros, sem pedir nada em troca senão respeito, consideração, abertura — sobretudo aos novos talentos —, e seriedade na forma como o Estado encara o meu papel como cidadão e como artista.
Vivi a guerra de 36/40 com o mesmo cinto com que todos os portugueses apertaram as ilhargas. Sofri a mordaça de um regime que durante 48 anos reprimiu tudo o que era cultura e liberdade de um povo para o qual sempre tive o maior orgulho em trabalhar. Sofri como todos, os condicionamentos da descolonização. Vivi o 25 de Abril com uma esperança renovada, e alegrei-me pela conquista do voto, como se isso fosse um epítome libertador.
Subi aos palcos centenas, senão milhares de vezes, da forma que melhor sei, porque para tal muito trabalhei.
Continuei a votar, a despeito das mentiras que os políticos utilizaram para me afastar do Teatro Nacional. Contudo, voltei a esse teatro pelo respeito que o meu público me merece, muito embora já coxo pelo desencanto das políticas culturais de todos os partidos, sem excepção, porque todos vós sois cúmplices da acrescida miséria com que se tem pintado o panorama cultural português.
Hoje, para o Fisco, deixei de ser Actor... e comigo, todos os meus colegas Actores e restantes Artistas destes país — colegas que muito prezo e gostava de poder defender.

Tudo isto ao fim de setenta anos de carreira! É fascinante.
Francamente, não sei para que servem as comendas, as medalhas e as Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito?
Tenho 86 anos, volto a dizer, para que ninguém esqueça o meu direito a não ser incomodado pela raiva miudinha de um Ministério das Finanças, que insiste em afirmar, perante o silêncio do Primeiro-Ministro e os olhos baixos do Presidente da República, de que eu não sou actor, que não tenho direito aos benefícios fiscais, que estão consagrados na lei, e que o meu trabalho não pode ser considerado como propriedade intelectual.
(...)
É lamentável que o senhor Ministro das Finanças, não saiba o que são Direitos Conexos, e não queiram entender que um actor é sempre autor das suas interpretações – com diretos conexos, e que um intérprete e/ou executante não rege a vida dos outros por normas de Exel ou por ordens “superiores”, nem se esconde atrás de discursos catitas ou tiradas eleitoralistas para justificar o injustificável, institucionalizando o roubo, a falta de respeito como prática dos governos, de todos os governos, que, ao invés de procurarem a cumplicidade dos cidadãos, se servem da frieza tributária para fragilizar as esperanças e a honestidade de quem trabalha, de quem verdadeiramente trabalha.
(...)
Permitam-me do alto dos meus 86 anos deixar-lhes um conselho: aproveitem e aprendam rapidamente, porque não tem muito tempo já. Aprendam que quando um povo se sacrifica pelo seu país, essa gente, é digna do maior respeito... porque quem não consegue respeitar, jamais será merecedor de respeito!

RUY DE CARVALHO"


Ruy de Carvalho é um venerável ancião de 86 anos de idade, tem setenta anos de uma brilhante carreira no teatro, no cinema e na televisão e é, indiscutivelmente, um dos mais insignes actores portugueses.

Nesta mensagem diz que existe uma lei que considera o seu trabalho como propriedade intelectual e lhe dá direito a determinados benefícios fiscais especiais e acreditamos na veracidade das suas afirmações.

Mas lamentamos que o distinto actor Ruy de Carvalho venha defender uma lei que, considerando um actor como autor das suas interpretações — por direitos conexos —, atribuiu à classe profissional a que pertence o direito de receber benefícios fiscais especiais que outros trabalhadores cujo labor também é criativo, inovador ou simplesmente digno e útil ao País — professores, investigadores científicos, cirurgiões, paramédicos, bombeiros... — não possuem.


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