terça-feira, 2 de outubro de 2012

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades


Publicado no DN de hoje:

O mundo está difícil (II)

por MÁRIO SOARES

4. A União e a Zona Euro

As políticas de austeridade deram o que tinham a dar: aumentam a recessão dos Estados; e fazem crescer em flecha o desemprego. Além de destruírem tudo o que é social: do serviço de saúde ao ensino público, à dignidade no trabalho, etc. Desse modo estão a pôr em causa a própria democracia, os direitos humanos e a conduzir os Estados, que de soberanos já têm pouco, para perigosos conflitos de vária ordem. A crise do capitalismo do início do século (1929) conduziu à segunda Guerra Mundial. Não o esqueçamos!

Mas será que há alternativas às medidas de austeridade? Os neoliberais dizem que não, porque os Estados não têm dinheiro. O que é falso. O dinheiro fabrica-se quando é preciso. Vide o que acontece com o dólar. O problema não consiste na falta de dinheiro, como dizem os economicistas, mas sim nos mercados e nos paraísos fiscais. Quando os mercados deixarem de comandar os Estados e, pelo contrário, os Estados dominarem os mercados — e as negociatas que têm por detrás — tudo se resolve num ápice. É o que os políticos negocistas — obreiros da crise — não querem ver, porque são os responsáveis do estado em que se encontra a Europa da Zona Euro.

A crise vai passar? Hollande não é Sarkozy e a senhora Merkel — como aliás o Banco Central Alemão e o Banco Central Europeu — estão a dar sinais de mudança. Como vários outros Estados europeus. Senão, será a catástrofe das catástrofes. O capitalismo de casino e a globalização desregulada têm de ser eliminados, para benefício da Humanidade.

5. E o atual Governo português?

Não podia estar pior: está moribundo. Tem toda a sociedade portuguesa contra ele, com raras exceções. As Forças Armadas e as Forças de Segurança, os trabalhadores no desemprego e os que ainda estão a trabalhar, a classe média (que está a ser destruída), os médicos e os enfermeiros, os professores, os empresários falidos e alguns dos que ainda não faliram, os jovens cientistas sem emprego (que o Governo aconselhou que emigrassem!), os agricultores, os estudantes, os pescadores, os funcionários públicos, os autarcas, os pequenos e os médios empresários e alguns dos ricos, etc. Nunca houve um consenso tão amplo contra qualquer governo desde o 25 de Abril.

Os ministros deste Governo não podem sair à rua, com medo de serem vaiados. Entram pelas traseiras para fugirem aos gritos dos populares e mesmo assim não escapam. Falam agora numa remodelação ministerial. Mas onde vão buscar quem os queira substituir? Os próprios empresários de sucesso manifestam-se zangados com a política do Governo, que, realmente, não tem sentido nem senso. Viu-se com as manifestações que se sucedem em que os militares, os polícias e os guardas republicanos participaram ativamente. São sintomas impressionantes e que não devem ser ignorados.

A ideia da taxa social única — que o Dr. António Borges, do alto da sua sabedoria, continua a achar excelente — foi o rastilho que lançou o fogo ao País de norte a sul e à indignação de toda a gente. O primeiro-ministro foi obrigado a dar o dito pelo não dito, abrindo uma brecha clara na Coligação, que no Governo também, como se tem visto, não se entende. Mas o Governo mantém-se, embora os gritos de "demita-se!" se repitam por toda a parte. Até quando? Não creio que vá além do debate do Orçamento para 2013. Até Salazar disse, um dia, para tirar partido da frase: "Não é possível governar contra a vontade persistente de um Povo"...

O Povo Português sente que o atual Governo só vê números (confusos) e a sua ideologia de base: o capitalismo neoliberal ou de casino que, em toda a parte, deu o que tinha a dar. Barack Obama vai ser reeleito — não tenho dúvida — e isso vai ser o golpe fatal. A União Europeia vai procurar outro caminho, não tem outro remédio. E o atual Governo que tem estado a destruir o Estado Social e a vender a retalho tudo o que é património nacional, não tem outro caminho que não seja demitir-se, antes que o expulsem, deixando uma má memória.

Em Agosto de 1983, o governo PS-PSD — governo do Bloco Central — assinou um memorando de entendimento com o FMI.
"Os impostos subiram, os preços dispararam, a moeda desvalorizou, o crédito acabou, o desemprego e os salários em atraso tornaram-se numa chaga social e havia bolsas de fome por todo o país." O primeiro-ministro era Mário Soares e defendia estes sacrifícios impostos aos portugueses assim:

"Os problemas económicos em Portugal são fáceis de explicar e a única coisa a fazer é apertar o cinto". DN, 27 de Maio de 1984

"Não se fazem omoletas sem ovos. Evidentemente teremos de partir alguns". DN, 01 de Maio de 1984

"Quem vê, do estrangeiro, este esforço e a coragem com que estamos a aplicar as medidas impopulares aprecia e louva o esforço feito por este governo." JN, 28 de Abril de 1984

"Quando nos reunimos com os macroeconomistas, todos reconhecem com gradações subtis ou simples nuances que a política que está a ser seguida é a necessária para Portugal". Idem

"Fomos obrigados a fazer, sem contemplações, o diagnóstico dos nossos males colectivos e a indicar a terapêutica possível". Idem, ibidem

"A terapêutica de choque não é diferente, aliás, da que estão a aplicar outros países da Europa bem mais ricos do que nós" RTP, 1 de Junho de 1984

"Portugal habituara-se a viver, demasiado tempo, acima dos seus meios e recursos". Idem

"O importante é saber se invertemos ou não a corrida para o abismo em que nos instalámos irresponsavelmente". Idem, ibidem

"[O desemprego e os salário em atraso], isso é uma questão das empresas e não do Estado. Isso é uma questão que faz parte do livre jogo das empresas e dos trabalhadores (...). O Estado só deve garantir o subsídio de desemprego". JN, 28 de Abril de 1984

"O que sucede é que uma empresa quando entra em falência... deve pura e simplesmente falir. (...) Só uma concepção estatal e colectivista da sociedade é que atribui ao Estado essa responsabilidade". Idem

"Anunciámos medidas de rigor e dissemos em que consistia a política de austeridade, dura mas necessária, para readquirirmos o controlo da situação financeira, reduzirmos os défices e nos pormos ao abrigo de humilhantes dependências exteriores, sem que o pais caminharia, necessariamente para a bancarrota e o desastre". RTP, 1 de Junho de 1984

"Pedi que com imaginação e capacidade criadora o Ministério das Finanças criasse um novo tipo de receitas, daí surgiram estes novos impostos". 1ª Página, 6 de Dezembro de 1983

"Posso garantir que não irá faltar aos portugueses nem trabalho nem salários". DN, 19 de Fevereiro de 1984

"A CGTP concentra-se em reivindicações políticas com menosprezo dos interesses dos trabalhadores que pretende representar" RTP, 1 de Junho de 1984

"A imprensa portuguesa ainda não se habituou suficientemente à democracia e é completamente irresponsável. Ela dá uma imagem completamente falsa." Der Spiegel, 21 de Abril de 1984

"Basta circular pelo País e atentar nas inscrições nas paredes. Uma verdadeira agressão quotidiana que é intolerável que não seja punida na lei. Sê-lo-á". RTP, 31 de Maio de 1984

"A Associação 25 de Abril é qualquer coisa que não devia ser permitida a militares em serviço". La Republica, 28 de Abril de 1984

"As finanças públicas são como uma manta que, puxada para a cabeça, deixa os pés de fora e, puxada para os pés, deixa a cabeça descoberta". Correio da Manhã, 29 de Outubro de 1984

"Não foi, de facto, com alegria no coração que aceitei ser primeiro-ministro. Não é agradável para a imagem de um político sê-lo nas condições actuais". JN, 28 de Abril de 1984

"Temos pronta a Lei das Rendas, já depois de submetida a discussão pública, devidamente corrigida". RTP, 1 de Junho de 1984

"Dentro de seis meses o país vai considerar-me um herói". 6 de Junho de 1984

A desvalorização do escudo permitiu diminuir o preço dos produtos exportados em 1984.
Agora não podemos desvalorizar o euro. A descida da TSU pretende diminuir o preço dos produtos exportados em 2013.

Se o objectivo é similar, porquê esta discrepância opinativa de Soares? Talvez porque... em 25 de Abril de 1983, o PS ganhou as eleições legislativas.
Em 5 de Junho de 2011, o PS perdeu as eleições legislativas.
E vai ocorrer um corte indigesto de 30% nos apoios financeiros públicos às fundações da família Soares (Fundação Mário Soares e Pro Dignitate - Fundação de Direitos Humanos).

*

A quase totalidade dos comentadores dos jornais on-line critica veementemente o artigo de Soares. Eis alguns exemplos:

Anonimo 02 Outubro 2012 - 09:25
As carcaças
O respeito conquista-se. Não há dúvida que M. Soares conquistou, durante anos, em Portugal e no mundo, o respeito e a admiração de muitos. Não obstante, tem vindo a adoptar uma postura que, claramente, o desvia do trilho que durante anos seguiu.
Onde está o sentido de Estado e a responsabilidade Nacional de um ex-PR? Onde estava o Dr. M. Soares quenado o seu menino Sócrates deitava dinheiro ao lixo como se a fonte não secasse? Onde estavam as advertências e as chamadas de atenção quando o menino Sócrates e seus acólitos celebravam em nome de Portugal os ruinosos contratos das Parcerias Público-Privadas?
Onde estava a dizer que o PM se devia demitir quando o seu menino Sócrates tirou a licenciatura num domingo de manhã (na hora da missa)? Onde estava quando o seu menino Sócrates se viu envolvido no processo Freeport? E no processo do sucateiro Godinho?
Exige-se a um Homem como M. Soares, com grande responsabilidade na sociedade portuguesa (goste-se ou não), um outro tipo de postura, no mínimo mais imparcial e a favor da coesão nacional. Incendiários já nós temos muitos. Já bastam, para isso, alguns membros da actual governação.
Mais uma boa oportunidade para estar calado!

menezes araujo 02 Outubro 2012 - 16:32
...
É certo que o momento é particularmente difícil, mas será por isso mesmo que se exige maior lucidez. Sobretudo de quem tenha tido altas funções governativas, pelas quais, de certo modo, foi dando contribuições para o resultado do que hoje o País é.
Há muito que tenho a sensação de que Mário Soares padece do sindrome de excesso de protagonismo. Por que razão há-de ter sempre uma palavra a dizer sobre todas as matérias, mesmo sobre aquelas que se sabe mal domina? Acaso terá competência para argumentar, sem ser com balelas, diante de experts sobre os efeitos da aplicação, ou não, de uma TSU? E porque a imprensa, alguma, terá sempre disponibilidade para querer saber a sua opinião. Por ter sido Presidente da República? E porque não Eanes? E porque não Jorge Sampaio, bem mais lúcido, bem mais denso, completo e preparado?
Se as boas medidas políticas devem ser uma simbiose entre as suas virtudes tecnológicas e as sociais, então pode-se cmpreeender e aceitar que uma TSU tenha sido uma proposta infeliz. Mas daí a tornar inimigos da Pátria e incompetentes aqueles que a proposeram e, mais do que isso, alvitrar a queda do Governo vai a distância entre seriedade e a conveniência. Ou entre aquela e a falta de lucidez. De resto, Mário Soares não é, ele mesmo, um pouco deste todo Português que é muito mais como ele do que diferente dele?

Rui Trindade Santos 02 Outubro 2012 - 17:11
O morto
Sem prejuízo deste senhor ser senador da Nação — Conselheiro de Estado —, facto é que a sua impertinência carece, desde logo e antes de mais, de ser questionada por quem, arvorando-se em 4º Poder, o deveria fazer — os media.
De facto, só lhe são perguntadas questões relacionadas com as opções governativas a tomar nesta altura de sequestro nacional. Ninguém o importuna com as causas que a isso levaram, com as opções por ele tomadas quando teve responsabilidades governativas em circunstâncias semelhantes (ainda assim menos dificultosas por via da política monetária) que, por comparação, o fariam quedar-se dos disparates que aventa.
E, por último, questioná-lo sobre as opções irresponsáveis da sua família política no que tange às PPP's, ao facto de estarem a sacudir irresponsavelmente a água do capote no que respeita ao pedido de ajuda internacional com as condicionantes daí advenientes, até mesmo a cobardia intelectual de, antes do conhecimento da proposta de OE 2013, peremptoriamente, fazendo fretes à clientela xuxialista socrática, afirmar o seu chumbo.
O Senhor Doutor Mário Soares é que está morto... só que ainda ninguém lho disse!
Sempre disponível,
RTS


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