segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Nos bastidores da privatização da EDP


Nas operações financeiras de nível internacional o lobbying exercido pelas empresas de assessoria financeira e jurídica sobre os gabinetes ministeriais é sempre enorme.

A privatização da EDP, classificada pela consultora PricewaterhouseCoopers como a nona maior transacção mundial no sector da energia, em 2011, vem confirmar essa regra.
Ao escutar um banqueiro do BESI, no perímetro da investigação de uma rede de fuga ao fisco e branqueamento de capitais, o procurador Rosário Teixeira cruzou-se com um telefonema de pressão sobre Passos Coelho no âmbito da privatização da EDP.

O Governo de Passos Coelho esperava que a primeira, e maior privatização do seu mandato, fosse um sucesso. E, em termos de encaixe financeiro, foi: a China Three Gorges Corporation comprou 21,35% do capital da EDP por 2,69 mil milhões de euros.

No entanto, a venda de parte significativa da maior empresa portuguesa do sector da energia a uma empresa chinesa em detrimento de uma europeia, que nada tinha de privada e até pertencia a um Estado não democrático, e nos termos em que foi concretizado o negócio, só podia ser polémica.


Várias empresas mostraram interesse na aquisição da EDP: a alemã E.ON, a China Three Gorges, as brasileiras Eletrobras e Cemig, a EDF e a Gas Natural Fenosa.

O Estado e a EDP contrataram a assessoria jurídica na Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva (MLGTS), sendo a equipa liderada pelo advogado Nuno Galvão Teles, e ninguém questionou a escolha.
A E.On teve o apoio do escritório de Lisboa da sociedade internacional de advogados Linklaters, sendo a equipa dirigida pelo advogado Jorge Bleck.
A China Three Gorges escolheu para assessores jurídicos a Serra Lopes e Cortes Martins, em colaboração com a firma norte-americana Skadden Arps, com o advogado Luís Cortes Martins a liderar a equipa.
As brasileiras Eletrobras e Cemig tiveram apoio jurídico da Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins e Júdice (PLMJ) e da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, respectivamente.
A EDF contratou a Uría Menedez/Proença de Carvalho, conotada com os socialistas, e a Gás Natural Fenosa, a Campos Ferreira e Sá Carneiro, mas desistiram à partida.

Em 30 de Agosto de 2011, Vítor Gaspar anunciou a contratação, por ajuste directo, da Perella Weinberg Partners para assessor financeiro do Estado nas privatizações da EDP (21,35%), da REN (40%) e da Galp (10%). Falta de tempo para lançar um concurso público, foi a justificação do ministro.
Tratava-se de um negócio de 16 milhões de euros e a Perella não estava na lista das instituições que haviam manifestado interesse na operação. Estas melindraram-se e lembraram que tempo não constituía problema: a escolha dos assessores do Estado na privatização da Galp fora feita, no ano anterior, com base num concurso limitado com o vencedor anunciado ao fim de uma semana.
E um jurista, Bacelar Gouveia, levantou a questão da legalidade: "Se a empresa não está pré-qualificada, é óbvio que o contrato é ilegal e qualquer um dos outros interessados pode impugnar a decisão do Governo. E qualquer cidadão pode pedir ao Ministério Público para investigar."
Quando a Procuradoria-Geral da República já se preparava para investigar o assunto, o ministério das Finanças impôs a subcontratação da Perella à Caixa Banco Investimento (BI) o que, por sua vez, desencadeou protestos de Nogueira Leite e Nuno Fernandes Thomaz, administradores da CGD.
Entretanto a E.ON escolheu a assessoria financeira do Deutsche Bank e o ofendido BESI apareceu a assessorar a China Three Gorges.

Outros jogadores também se moveram no tabuleiro do jogo: os comissionistas, intermediários ou lobistas. Quando um deles, António Moura Santos, cunhado de António Guterres e defensor da proposta da E.ON, se deslocou à Alemanha cruzou-se aí com o presidente executivo da EDP, António Mexia...

Nos bastidores do negócio dizia-se que Relvas apoiava a brasileira Eletrobras (2,56 mil milhões) e que Gaspar e Passos eram favoráveis à E.ON (2,54 mil milhões), por ser europeia e ter sido promovida pela chanceler Merkel.
Mas o conselho geral de supervisão da EDP afastou as brasileiras Eletrobras e Cemig e depois o Conselho de Ministros, a quem cabia a decisão final, acabou por escolher a China Three Gorges (2,69 mil milhões).

Seis meses depois do epílogo da privatização da EDP, a Caixa Banco Investimento (BI), o Espírito Santo Investment Bank (BESI) e a Parpública, que gere as participações do Estado, foram alvo de buscas policiais por suspeita de tráfico de influências e abuso de informação. O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) pretendia "esclarecer e investigar a intervenção e conduta de alguns dos assessores financeiros do Estado" nas privatizações da EDP e da REN depois do procurador Rosário Teixeira ter tropeçado num telefonema de José Maria Ricciardi a Passos Coelho sobre a privatização da EDP.


Os banqueiros consideram naturais os contactos com o poder político porque numa sociedade livre todos têm o direito de lutar pelos seus interesses. Mas a fronteira entre a legalidade e a ilegalidade é difícil de localizar: onde é que o diálogo normal entre banqueiros, advogados, lobistas e o Estado se transforma em tráfico de influências e corrupção?

O Goldman Sachs é um caso paradigmático. Marc Roche responsabilizou este banco pela actual crise da dívida soberana. E em Março deste ano, na sua carta de demissão publicada no The New York Times, o director do Goldman Sachs para o negócio de derivados na Europa, Médio Oriente e África, Greg Smith, criticou o presidente executivo por ter perdido a cultura da empresa, que descreveu como "o segredo que fez este óptimo lugar e nos permitiu ganhar a confiança de nossos clientes durante 143 anos", criando um ambiente "tóxico e destrutivo" onde "os interesses do cliente continuam a ser marginalizados".
Ora foi da GS que saíram o ex-secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson (ex-CEO da GS), o presidente do BCE, Mario Draghi, o primeiro-ministro italiano, Mário Monti, e o ex-primeiro-ministro grego Lucas Papademos. António Borges, convidado por Passos Coelho para acompanhar as privatizações, foi um dos vice-presidentes da GS em Londres e director do departamento europeu do FMI.

Por sua vez a Perella, empresa fundada em 2006 e sem experiência no sector da energia, também tem ligações à banca de investimento: entre os sócios, estão ex-quadros de topo da Goldman Sachs e da Merrill Lynch e o parceiro português, Paulo Cartucho Pereira, esteve 20 anos no Morgan Stanley.


Sem comentários:

Enviar um comentário