sexta-feira, 10 de julho de 2015

A Grécia em default parcial - II b. A proposta de reformas


A última proposta do governo grego cede nas taxas do IVA e nas pensões, mas calendariza pouco e quantifica ainda menos. Nas despesas militares, recusa os cortes exigidos pela troika.
Em troca deste pacote de austeridade, pede um novo empréstimo aos parceiros do euro de "pelo menos" 53,5 mil milhões de euros.




Vejamos um resumo da lista de medidas e promessas que o Governo do Syriza/Anel enviou ontem à noite a Bruxelas:

IVA — O Governo de Atenas já havia cedido na intenção inicial de fixar as receitas adicionais do IVA em 0,74% do PIB, subindo até aos 0,93% na proposta de 26 de Junho. Agora diz que aceita implementar uma reforma no IVA que represente receitas adicionais equivalentes a 1% do PIB, o valor pretendido pelos credores.
  • Na taxa mínima de 6% ficam medicamentos, livros e teatro.
  • Os hotéis passam de uma taxa de 6,5% para 13%, já incluída na proposta de 26 de Junho e aceite pelos credores, sendo que nesta taxa intermédia ficarão também os alimentos básicos, energia e água (excluindo esgotos).
  • Para restaurantes, transportes e tratamento de esgotos a taxa de IVA vai subir dos actuais 13% para 23%.
Quanto ao desconto de 30% na taxa de IVA que beneficia as ilhas, será eliminado mas de forma faseada, com as ilhas mais ricas a serem as primeiras a ficar com a taxa do resto do país e as mais remotas a ficarem isentas. No entanto, o agravamento fiscal nas demais será acompanhado de compensações à população local com impacto fiscal neutro.
As novas taxas de IVA nos hotéis e nas ilhas só serão introduzidas em Outubro, depois de terminada a época alta do turismo.

IRC — Aumento da taxa de IRC de 26% para 28% em 2016, como desejava a troika, mas Atenas admite um agravamento para 29%, se a receita fiscal derrapar.

IRS — A proposta mistura todos os impostos e é vaga nas alterações ao IRS. Diz que pretende introduzir mudanças nos impostos que recaem sobre os automóveis, ganhos de capital, agricultores e trabalhadores por conta própria.
Em 2016, terminarão os subsídios ao gasóleo agrícola e, em 2017, será iniciado o processo de eliminação dos benefícios aos agricultores.
Sobre os privilégios fiscais dos armadores, previstos na constituição grega, o documento diz apenas que devem ser abolidos.
Se a receita fiscal derrapar, aumento das taxas de imposto sobre as famílias de 11% para 15%, para rendimentos inferiores a 12 mil euros, e de 33% para 35% acima desse valor.

Outras taxas e impostos — Introdução de taxa sobre a publicidade na televisão e anúncio de concurso público para a atribuição de licenças de televisão. Alargar o âmbito da aplicação da taxa suplementar sobre iates (com mais de 5 metros), que sobe de 10% para 13%. Aumento das taxas sobre o jogo online.

Pensões — A nova proposta de Atenas antecipa em três anos, para 2022, o fim processo de aumento da idade legal da reforma para os 67 anos, aproximando-se da proposta da troika. O governo grego promete legislar nesse sentido ainda neste mês, com o objectivo de poupar até 0,5% do PIB, ainda em 2015, valor que sobe para 1% em 2016. Promete ainda criar "fortes desincentivos" às reformas antecipadas.
Propõe legislar no sentido de eliminar gradualmente o complemento solidário para idosos — na Grécia chama-se EKAS —, iniciando o processo nos 20% de pensionistas do topo. Pretende concluir esse processo em Dezembro de 2019, tal como pretendido pelos credores. No entanto, quer iniciar essa eliminação apenas a partir de Março de 2016, ao contrário da pretensão da troika de que o processo comece de imediato.
Promete subir as contribuições dos pensionistas para o sistema de saúde de 4% para 6%, em média, incidindo também sobre as pensões complementares.

Função Pública — O Executivo de Atenas prevê a criação de um quadro de mobilidade no último trimestre deste ano. Promete reduzir a massa salarial até 2019, ajustando salários e efectivos a uma meta, mas não quantifica.
Promete alinhar os suplementos salariais — acordos de licença, ajudas de custo, subsídios de deslocação e regalias — com as melhores práticas da União Europeia, a partir de Janeiro de 2016.

Defesa — Nas despesas militares, a proposta do Governo grego propõe cortes de 100 milhões de euros em 2015 e de 200 milhões em 2016, recusando ceder aos credores que exigiam poupanças de 400 milhões. Os cortes de custos serão obtidos através da redução do número de efectivos e das compras.

Combate à corrupção — Atenas promete publicar um plano estratégico contra a corrupção até ao final do mês de Julho e alterar a legislação de declaração de rendimentos e financiamentos dos partidos políticos. Promete combater o contrabando de combustíveis e fraudes no IVA e promover os pagamentos electrónicos.

Reformas estruturais — O Governo grego compromete-se a implementar uma série de reformas em diversas áreas com a colaboração da OCDE: reforma do Estado e da sua relação com empresas públicas e fornecedores, aumento da regulação, das auditorias e da transparência.
A saúde e as obras públicas são áreas prioritárias onde o Governo grego promete combater o desperdício e a corrupção.
Também na administração fiscal — um dos maiores problemas da Grécia é a forte fuga aos impostos — o Governo promete implementar reformas, inclusive criar uma agência autónoma para cobrar impostos.

Sector financeiro — Alterações nas leis de insolvência, com o objectivo de incentivar o pagamento de dívidas, e medidas para atrair investidores estrangeiros.

Privatizações — O governo grego admite avançar não só com as privatizações que estão em curso, como também com as que estão previstas, e não mexer nos respectivos cadernos de encargo.
Admitem agora avançar com a privatização da rede eléctrica (ADMIE), como pretende a troika, mas acrescentam que poderão apresentar uma alternativa "com resultados equivalentes em termos de concorrência" até Outubro deste ano.
O Governo grego também promete alienar os activos pertencentes ao fundo de desenvolvimento helénico (HRADF), para onde se prevê que seja transferida a participação estatal no operador de telecomunicações OTE.

Metas orçamentais — A proposta mantém o compromisso de apresentar excedentes orçamentais primários (receitas superiores às despesas, excluindo o serviço da dívida) equivalentes a 1%, 2%, 3% e 3,5% do PIB para os anos compreendidos entre 2015 e 2018.


O que foi já feito para aliviar a dívida grega?

A Grécia obteve em 2012 o maior perdão de dívida detida por privados de que há registo, depois de bancos e casas de investimento terem aceite um corte (hair-cut) de 53,5% no valor nominal das obrigações do tesouro vendidas pelo Estado helénico.

Os Estados-membros da Zona Euro nunca aceitaram perdoar dívida. Contudo, já aliviaram por duas vezes as condições de reembolso dos empréstimos a Atenas e, em Novembro de 2012, admitiram voltar a fazê-lo, de novo, se os governos gregos cumprissem o programa de ajustamento acordado, o que o governo do Syriza recusou fazer a partir do início deste ano.

As taxas de juro cobradas à Grécia são praticamente iguais à taxa a que o FEEF, o fundo de resgate do euro (que tem rating máximo), consegue financiamento nos mercados, tendo sido oferecido um prazo de carência de 10 anos para o pagamento de juros, ou seja, a Grécia só pagará o primeiro euro de juros aos europeus em 2022.

Ao mesmo tempo, os prazos de maturidade dos empréstimos foram prolongados para cerca de 30 anos. Trata-se de condições mais favoráveis do que as aplicadas aos outros países do euro que foram resgatados — Irlanda, Portugal e Chipre.





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O governo liderado por Alexis Tsipras pretende receber 53,5 mil milhões numa mão enquanto estende a outra mão cheia de promessas para começar a cumprir em 2016, um ano depois de terem sido eleitos.

Mexer nos privilégios fiscais dos armadores gregos? Fica a intenção, sem data marcada.
Reduzir em 400 milhões as despesas militares? Nem pensar, possivelmente metade disso, e só lá para o próximo ano.
Combate à corrupção? Até os partidos recebem empréstimos da banca, que é pública, Syriza incluído, e nada fizeram sobre o maior problema da sociedade grega. Agora vão congeminar um plano estratégico que talvez seja publicado no final de Julho, seis meses depois de terem sido eleitos.
Incompetência, fraqueza e hipocrisia. Cedência em toda a linha aos interesses instalados na Grécia.

Qual vai ser a reacção dos líderes da Zona Euro? Já se sabe que François Hollande aceita a proposta grega e Angela Merkel, entalada entre Obama e Hollande, não tem outro remédio senão condescender.

Depois da insensata revolução democrática conduzida por políticos franceses, ingleses e americanos que levaram à destruição da paz na Síria e da estabilidade social e política nos países do Norte de África, todos percebemos a importância geopolítica da fronteira Sul da Europa.
Merkel foi a primeira a compreender. A Alemanha não colaborou nas operações militares da NATO para derrubar Gaddafi quando este já deixara, há muito tempo, de proteger o terrorismo.

Dos quatro países europeus meridionais, a Grécia destaca-se como o paredão de defesa dos países europeus centrais, não só contra a perigosa imigração islâmica africana, mas também asiática através do conturbado médio oriente.
Dos russos, desconfiam Barack Obama, a traumatizada Merkel, que nasceu, cresceu e viveu mais de 40 anos no território alemão situado para além da cortina de ferro, e os países bálticos.

A União Europeia precisa de velar pelos gregos para que não façam demasiadas asneiras e deixem o País derrapar para uma situação caótica que abra brechas na segurança europeia.
No entanto, aceitar chantagens nunca resolveu problemas. É preciso que os gregos entendam que têm de cumprir as regras da Zona Euro e não podem exigir aos parceiros do euro um tratamento privilegiado em detrimento das populações dos países bálticos — Estónia, Letónia e Lituânia —, da Eslováquia e de Portugal que têm salários mínimos e pensões mais baixos.

Nas longas filas para levantar 60 euros nas caixas multibanco, os gregos começavam a entender. Se esta proposta — cheia de promessas que o governo de Tsipras, apoiado na estrondosa vitória do 'não' no referendo, não tem a mínima intenção de cumprir — for aceite na reunião de amanhã dos ministros das Finanças da Zona Euro, o problema grego vai renascer aquando da primeira avaliação da troika ao cumprimento do memorando que posteriormente será assinado.

Que esperança podem ter os povos europeus de deixarem de ser explorados pelas elites privilegiadas que pululam na sociedade helénica?
O peso dos países que têm um nível de vida inferior ao dos gregos não será suficiente, por si só, para refrear as artimanhas gregas.
Todavia há países da Zona Euro que prevêem a necessidade de aprovação parlamentar antes de haver a negociação formal sobre o memorando de entendimento — Alemanha, Áustria, Finlândia, Holanda e Estónia (Eslováquia não requer aprovação parlamentar). Portanto podem contar ainda com a oposição dos políticos finlandeses, holandeses e alemães, sobretudo, do fisicamente deficiente, mas intelectualmente vigoroso ministro das Finanças alemão.

Wolfgang Schäuble tornou-se o paladino dos contribuintes europeus que querem acabar com a exploração helénica e está a enfrentar corajosamente os americanos, assim como Christine Lagarde que se passou para o lado de Obama, apesar deste se ter recusado nos últimos anos a contribuir financeiramente para o FMI.
Tal como a directora do FMI, Schäuble defende a reestruturação da dívida grega mas à custa de um perdão pago... pelos gregos de maiores rendimentos e pela venda dos activos na posse do Estado helénico.

Por este caminho, ainda vamos ver uma manifestação de apoio dos ricos armadores gregos ao Syriza. É algo inacreditável ver a esquerda europeia a defender os contribuintes ricos da Grécia e a direita a pugnar para que os fundos europeus alimentados pelos contribuintes dos restantes 18 países do euro, alguns mais pobres que a Grécia, não caiam dentro dos bolsos das elites gregas. Estamos a assistir a uma completa inversão de valores políticos na Europa.





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