quarta-feira, 1 de julho de 2015

A Grécia em default parcial - I a. A estratégia de Tsipras


Novo artigo sobre a Grécia do jornalista João Carlos Barradas onde o autor desmonta a estratégia do líder do governo grego que envolve graves riscos para a economia e para a sociedade, altamente subestimados por Alexis Tsipras:


"A renúncia da Grécia"
01 Julho 2015, 00:01 por João Carlos Barradas

"A lógica leninista de Alexis Tsipras iludiu os parceiros do euro e arrastou-os para um universo fantasmagórico em que um referendo sobre coisa nenhuma é transfigurado em acto político da maior relevância.

O líder grego apostou numa estratégia de ruptura exigindo que os credores aceitassem as suas responsabilidades pelo endividamento helénico para os obrigar a admitir perdões de dívida e financiamentos a fundo perdido.

Na frente doméstica o Syriza denunciou, por seu turno, a cumplicidade da oligarquia capitalista, de conservadores e socialistas, em políticas impostas pela troika que redundaram em pauperização sem prover a solvência do Estado.

A convocação de um referendo sobre propostas caducas e de nulas consequências na ordem jurídica interna e europeia foi dos últimos artifícios para legitimar politicamente a ruptura.

O dia seguinte

No abstruso referendo, Tsipras triunfa se o eleitorado votar contra a aceitação de dois documentos sem validade jurídica e ganha caso haja assentimento quanto às propostas da troika datadas de 25 de Junho e, entretanto, prescritas.

A manobra passa por atemorizar os parceiros europeus com as consequências gravosas de uma saída da Grécia do euro, a "bomba atómica" com que Tsipras sempre ameaçou.

O governo de Atenas anunciou, ao mesmo tempo, que contestaria no Tribunal de Justiça da UE actos que impliquem a exclusão de Atenas da Zona Euro e o fim de financiamentos da parte do BCE.

O pedido de um terceiro resgate às instituições europeias — via Mecanismo Europeu de Estabilidade, excluindo o FMI e sem contrapartidas vinculativas legais de reforma do Estado — visou demonstrar empenhamento negocial e condicionar politicamente o BCE.

Sustentar a liquidez da banca grega até 20 de Julho não seria impossível, a manterem-se até lá as restrições a movimentos de capitais na Grécia, mas, nessa data, quando Atenas falhar o pagamento de 3,5 mil milhões de euros ao BCE, não haverá alternativa estatutária em Frankfurt ao corte de financiamento.

Caras e coroas

Tsipras só tem a ganhar com a creditação política (carente de valor legal) para negociações a curtíssimo prazo, defendida por Jean-Claude Juncker e Angela Merkel, de um referendo (sem implicações jurídicas) que, alegadamente, oporia um sim/não à manutenção da Grécia no euro.

Ante um eleitorado que rejeita mais cortes orçamentais ou aumentos da carga fiscal e recusa, simultaneamente, perder o euro, Tsipras apresenta-se como defensor da soberania nacional e do vínculo europeu e, salvo evento catastrófico que acarrete uma vitória esmagadora do "sim", mantém a iniciativa política.

Remodelação governamental ou convocação de eleições antecipadas são opções que lhe quedam sempre em aberto independentemente do resultado do referendo.

A radicalização política e o colapso do bipartidarismo conservador-socialista impedem a formação, por via eleitoral, de coligações minimamente consistentes para reformas de uma economia sem capacidade competitiva no âmbito do euro e de um Estado viciado no financiamento externo a fundo perdido de clientelas enquadradas por sistemas de patrocínio.

Os parceiros europeus não terão interlocutores do lado grego para obviar à bancarrota de Atenas.

Lenin explica

Muito leninista, apostado na subversão anticapitalista de etapa em etapa até à estocada final, esticou demasiado a corda e acabou mal.

Presume o leninista de Atenas que a ruptura com a Zona Euro e a ampla margem de manobra que sobrará para subverter o funcionamento da UE e, eventualmente, alguma chantagem na NATO, serão politicamente viáveis através da mobilização nacionalista.
Tsipras sabe tocar as teclas da tradição e do sentimento.

Exalta o popular poema de 1901 de Konstandinos Kavafis "A algumas pessoas um dia cai/em que o grande Sim ou o grande Não sobrevém/dizer".

Glorifica a "grande renúncia", evocando o mitificado "Não" do general Ioannis Metaxas ao ultimato de Mussolini de 28 de Outubro de 1940 (dia celebrado por todas as comunidades helénicas) que levou ao ataque fascista à Grécia.

Tsipras subestima, contudo, a dimensão da implosão económica e social que advirá da bancarrota, primeiro pelo incumprimento ante o FMI e, depois, pelo colapso da banca com o fim do financiamento do BCE.

A corda

Lenin desprezava capitalistas estúpidos a ponto de lhe venderem a corda com que os iria enforcar.

Tsipras quer atemorizar capitalistas ainda mais estúpidos para que lhe ofereçam a corda para enforcar oligarcas e burocratas no altar do euro.

Nesta coisa de forcas e matanças muito gente padeceu, feneceu e morreu.


P.S.: a versão portuguesa de "Che fece .... il gran rifiuto" pode ler-se em "Os Poemas", Konstandinos Kavafis, tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, "Relógio D' Água", Lisboa, 2005."


*


Este poema do poeta grego Konstantínos Kaváfis adopta como título um verso (Canto III, v. 60) da "Divina Comédia – Inferno" de Dante,

che fece per viltade il gran rifiuto (que fez por cobardia a grande recusa)

mas substitui duas palavras essenciais — per viltade — por quatro pontos para metamorfosear o significado da palavra "recusa", retirando-lhe a carga negativa conferida por Dante ao associá-la a "cobardia" e arrastar a alma de quem disse "Não" para a danação eterna no Inferno.
Depois o poema dá-lhe um sentido positivo, enaltecendo aqueles que têm a coragem de dizer “Não”. Justamente o sentido que convém a Tsipras para condicionar o voto do eleitorado grego no referendo do próximo domingo.

Ao contrário das traduções inglesas do poema (ver este interessante artigo), a tradução portuguesa vai ainda mais longe e denigre aquele que diz “Sim” como alguém que se desonra e mente a si próprio:


Che fece .... il gran rifiuto

A algumas pessoas um dia cai
em que o grande Sim e o grande Não sobrevém
dizer. Logo surge ao de cima a que tem
pronto dentro de si o Sim e ao dizê-lo vai

além da sua honra e do que está convencida.
A que negou não se arrepende. De novo interrogada
voltaria a dizer não. Mas tem-na derrotada
aquele não — o correcto — toda a sua vida.



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