"André Veríssimo - averissimo@negocios.pt
Vale a pena memorizar o dia: 17 de Abril de 2012 é já considerado um marco na história empresarial americana. Cansados das perdas acumuladas nos últimos anos, 55% dos accionistas presentes na assembleia geral do Citigroup chumbou o pacote remuneratório de 15 milhões de dólares a atribuir ao CEO, Vikram Pandit.
Foi o primeiro episódio de uma revolta há muito latente. Desde a crise financeira de 2008 que os elevados bónus pagos aos conselhos de administração se tornaram alvo da ira popular, com enfoque na banca. Agora a indignação saltou da rua para os edifícios de escritórios espelhados dos gestores de fundos de investimento e pensões. "Wall Street virou-se contra Wall Street".
O Citigroup não foi caso isolado. Dois dias depois, o CEO do Barclays, Bob Diamond, comunicou que vai cortar em 11% o seu pacote remuneratório numa tentativa de assegurar o voto favorável na AG de amanhã.
A caixa de Pandora abriu-se, no bom sentido. Não há grande banco comercial ou de investimento que não esteja a sondar os accionistas para perceber como vão votar a proposta de remuneração. E isso vai obrigar a maior sensatez e transparência.
Há claro uma enorme diferença de pensamento entre os manifestantes que ocuparam as ruas do centro financeiro de Nova Iorque e Londres e quem trabalha na indústria de investimento. Nos primeiros, o descontentamento brota do sentimento de iniquidade, da crescente assimetria social, das feridas abertas na sociedade pela maior crise económica das últimas décadas. Feridas que perduram na vaga de austeridade .
Nos investidores institucionais a insatisfação vem sobretudo da desadequação entre o valor criado pela gestão e o que ela recebe. É uma questão de mérito... Ou, no caso, de falta dele.
A frustração do gestor de um fundo de pensões vem de ver a carteira de investimentos que gere ser fortemente penalizada pelo mau desempenho financeiro da empresa e mesmo assim o CEO levar para casa um bónus mais gordo. As acções do Citigroup caíram 44% no ano passado e ainda acumulam uma perda de 80% desde 2008.
A crise já não serve de desculpa para o mau desempenho. O tempo da complacência acabou. E é salutar a atitude mais activa dos accionistas, que deveria estar presente também noutros momentos da vida societária das empresas.
Portugal é um quase deserto no que toca ao activismo dos accionistas. Nem mesmo quando são lançadas ofertas púbicas de aquisição que atentam contra os interesses dos investidores minoritários vemos uma tentativa de união e mobilização. É, também, um sintoma da nossa falta de cultura financeira.
Editor de Mercados Financeiros"
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