quinta-feira, 26 de abril de 2012

"Positivo, negativo e realista"


"Helena Garrido - Helenagarrido@negocios.pt


O Presidente da República resolveu dedicar o seu discurso deste ano do 25 de Abril ao lado positivo de Portugal e ao apelo à coesão social. Fez bem mas não chega. Esqueceu-se, lamentavelmente, do lado negativo, determinante para a conquista de um futuro melhor e para não perdermos o que de positivo ainda temos.

Vamos esquecer o facto de o Presidente da República ter substituído, de um ano para o outro, a mensagem de não aguentamos mais austeridade por um em que apela à coesão. Esqueceu-se que há hoje pessoas a viverem dificuldades bastante mais graves do que há um ano e, pior ainda, sem qualquer perspectiva. Esqueceu-se ainda que as políticas que foram seguidas durante este último ano pelo Governo de Pedro Passos Coelho foram e continuam a ser muito rápidas a mudar a vida dos grupos mais frágeis, como os empregados no sector privado e público, e muito lentas ou mesmo ausentes a, pelo menos, reduzir o poder de grupos que garantem rendas e não lucros à mesa do Orçamento do Estado e sufocam a iniciativa realmente privada e de mercado.

"Em momentos como este, é essencial assegurar a coesão do País", disse o Presidente da República nas comemorações mais divididas em 38 anos de vida do 25 de Abril de 1974, com a ausência dos capitães da revolução e de Mário Soares. Faltou ao Presidente dizer porque é que essa coesão está a ser fragmentada.

Sim o Presidente tem razão ao destacar a "capacidade notável" dos portugueses para se adaptarem às dificuldades assim como ao igualmente notável espírito de solidariedade. Podia até sublinhar também a extraordinária capacidade de sacrifício dos portugueses e a sua inteligência, capaz de perceber e apoiar o que é preciso fazer para Portugal ser um país melhor.

Portugal é de facto um país extraordinário. Muitas vezes o ouvimos de estrangeiros que cá vivem e de portugueses que emigraram. É um dos melhores países da Europa para viver.

Mas há o outro lado, o lado negativo, porque também ouvimos que Portugal é um dos piores países para trabalhar. Onde os lóbis ganham sempre, onde o mérito não é reconhecido, onde o Estado sufoca os pequenos para garantir rendas a quem tem poder, onde a classe política não consegue na prosperidade como na austeridade romper com os poderes instalados que inviabilizam o desenvolvimento.

Foi este lado negativo de Portugal que, lamentavelmente, o Presidente se esqueceu de revelar. E lamentavelmente porque é este lado negativo que está a ameaçar a coesão social, o sucesso do programa de ajustamento e o futuro desenvolvimento do país.

O Presidente esqueceu-se de alertar que o desenvolvimento económico não chegará se a agenda estrutural se limitar a alterar a legislação laboral nos sectores privado e público. Como já alguns políticos e economistas têm alertado, as leis do trabalho são a única e exclusiva preocupação do Executivo. Porque não disse o Presidente uma palavra sobre a urgente necessidade de reduzir as rendas no sector da energia ou limitar as rendas que os contribuintes pagam às Parcerias Público-Privadas, para dar apenas dois exemplos? Ou porque nada disse o Presidente sobre a necessidade de o Governo ser menos arrogante com a oposição e os sindicatos? Se alguém está a ameaçar o nosso principal activo no exterior, a coesão política e social, esse alguém é Pedro Passos Coelho. A coesão não é um dado adquirido, precisa da atenção contínua de quem tem o poder e de medidas que mantenham o sentimento de justiça na austeridade.

O importante não é ser positivo ou negativo nas mensagens e no que se diz sobre Portugal. O importante é ser realista e observar a realidade. E a realidade mostra-nos cada vez mais que a austeridade está a ser mais para uns do que para outros e, exactamente por isso, está a traçar o caminho para o fracasso e para a desunião entre os portugueses. É pena que o Presidente não tenha contribuído para que o Governo seja mais corajoso ou menos displicente, mais amigo da coesão."


Sem comentários:

Enviar um comentário