segunda-feira, 25 de março de 2013

Um paraíso fiscal em apuros


A Rússia manifestou consternação pelo modo como a Zona Euro estava a gerir a crise da dívida em Chipre, mas resistiu aos pedidos do presidente cipriota Nicos Anastasiades que solicitava uma prorrogação do empréstimo russo de 2011, no valor de 2,5 mil milhões, e uma redução da taxa de juro de 4,5% para 2,5%.
Moscovo queixava-se da discriminação de empresas que dependem de Chipre como centro offshore, mas não aceitou envolver-se num compromisso financeiro e estratégico que poderia criar atrito com a Europa.
Na semana passada, a Rússia também recusou uma oferta cipriota de participações nos bancos e nas reservas offshore de gás natural em troca de um novo financiamento de 6 mil milhões de euros, o que para a Reuters é um sinal de que Moscovo está relutante em se estender geopolítica e financeiramente.
O resgate europeu de 10 mil milhões de euros, acordado entre o Chipre e a troika, que mereceu a aprovação do Eurogrupo esta madrugada, satisfez Moscovo.

O acordo prevê o fecho do segundo maior banco do país, o Laiki Bank, com os activos recuperáveis e os depósitos garantidos — na UE os depósitos até 100.000 euros estão garantidos — a serem incorporados no Bank of Cyprus, o maior de Chipre. Os depósitos superiores a 100.000 euros, os accionistas e os detentores de dívida dos dois bancos vão contribuir para a recapitalização do Bank of Cyprus, pela aplicação de uma taxa até 40% que vai gerar 7 mil milhões de euros.
Segundo Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças da Holanda, que preside actualmente ao Eurogrupo, a contribuição do Laiki representará 4,2 mil milhões de euros no total de 7 mil milhões.

No entanto, o primeiro-ministro Dmitry Medvedev criticou este acordo porque vai infligir pesadas perdas aos depósitos superiores a 100.000 euros nos dois principais bancos cipriotas. "Continua o roubo do que já tinha sido roubado", terá afirmado Medvedev numa reunião do governo.
Na verdade, acredita-se que pertence a russos a maior parte dos 19 mil milhões de euros em offshore e vindos de fora da UE, nos bancos cipriotas, pela última contagem do Banco Central Europeu, em Janeiro. Dos 38 mil milhões de euros em depósitos na banca cipriota, 13 mil milhões vieram de fora da UE.
Após a reunião com o primeiro-ministro Medvedev, o vice-primeiro-ministro Igor Shuvalov disse que as perdas para os investidores russos em Chipre ainda não eram claras mas a sucursal cipriota do VTB, o banco comercial russo, não seria afectada pelas medidas do governo cipriota. "O que está a acontecer é um bom sinal para aqueles que pretendem mover o seu capital para... os bancos russos", disse Shuvalov. "Nós temos bancos muito estáveis."

Depois de estarem sob fortes críticas, na semana passada, pela aprovação de um acordo que teria atingido os pequenos aforradores numa ilha mediterrânea que tinha um sistema bancário sobredimensionado, a Alemanha e os seus aliados mudaram de direcção e forçaram Anastasiades a aceitar enormes perdas para os grandes depositantes.

Segundo fontes de Bruxelas, Merkel deu instruções muito claras de que teria de ser obtido um acordo com a troika antes dos 17 ministros das Finanças do Eurogrupo serem convocados.
Para tal, um pequeno grupo liderado pelo presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, e formado pelo presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, pela directora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, pelo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso e pelo presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, negociou com Anastasiades e o ministro das Finanças cipriota, Michael Sarris, durante o domingo.
Enquanto Pierre Moscovici, ministro das Finanças francês, declarava "Para todos aqueles que dizem que estamos a estrangular todo um povo ... Chipre é uma economia de casino que estava à beira da falência", Wolfgang Schäuble e os outros ministros das Finanças da Zona Euro aguardavam.
Com Merkel e o presidente francês François Hollande à espera, prontos para serem consultados a qualquer momento.

O Laiki e o Banco de Chipre não receberão nenhuma ajuda dos 10 mil milhões de euros que serão emprestados pela Zona Euro e pelo FMI.
"Sempre dissemos que não queríamos contribuintes a salvar bancos, mas antes bancos a salvar-se a si próprios. Será esse o caso em Chipre", congratulou-se a chanceler Merkel. "Este resultado é o correcto: põe o essencial da responsabilidade sobre os que causaram estes desenvolvimentos errados. É assim que deve ser."

Este acordo termina o status da ilha de Chipre como um centro financeiro offshore para russos e britânicos ricos, que era o desejo da Alemanha desde o início, e deixou a oposição alemã de centro-esquerda sem argumentos.
Além disso, reforça a imagem de Merkel como um negociador duro que só expõe os contribuintes alemães a resgates da Zona Euro em troca de compromissos de reforma.



Christine Lagarde e Jeroen Dijsselbloem no final das negociações.
Imagem: AFP

No entanto, este acordo tem riscos significativos. Depois de uma semana em que os bancos cipriotas estiveram fechados, o país enfrenta um ajustamento substancial na sua economia — o PIB deverá encolher cerca de 10% — e há o risco de fuga de capitais que pode fazer fracassar a recapitalização dos bancos.
Os dois bancos no centro da crise — o Laiki e o Banco de Chipre — têm sucursais em Londres, que permaneceram abertas durante toda a semana e não colocaram limites aos levantamentos. O Banco de Chipre detém 80% do russo Banco Uniastrum que também não colocou nenhuma restrição aos saques na Rússia.
Enquanto a população cipriota fazia fila nas caixas automáticas para retirar diariamente 1000, depois 260 e nos últimos dias apenas 120 euros, outros depositantes usaram uma série de técnicas para retirar dinheiro. Desde fundos concedidos às empresas para evitarem incumprimento em negócios, até transferências para o comércio de produtos humanitários, medicamentos e combustível para a aviação, houve de tudo.
"Estou confiante de que o programa irá funcionar, mas vamos ser honestos. Neste momento, não podemos dizer exactamente qual o impacto", afirmou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. "Vai depender do nível de implementação e no compromisso de Chipre."


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Irá o governo de Anastasiades implementar um programa que não queria?

A imagem de Merkel que, nas últimas semanas, aparecia em uniforme nazi nos cartazes das manifestações em Nicósia, vai sofrer danos fora da Alemanha e haverá um aprofundamento da divisão entre o Norte da Europa e o Sul.
Algo que faz lembrar a guerra civil nos Estados Unidos, em meados do séc. XIX, quando os Estados agrícolas do Sul saíram da União para não aceitarem a abolição da escravatura imposta pelo Norte industrial, porque a perda da mão-de-obra escrava ia prejudicar gravemente a sua economia.

Recordemos que há outros paraísos fiscais: o Luxemburgo (na Zona Euro), as Ilhas Cayman, Ilhas do Canal e Gibraltar (no Reino Unido, logo na UE), Andorra, Suíça, Liechtenstein, ... Muitos, se não a maioria deles, também têm um rácio Depósitos bancários/PIB muito alto.
E se o Reino Unido estará sempre fora da Zona Euro, já o Luxemburgo está no seu coração mas, claro, longe da falência.


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