terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O drama grego novamente em cena - I


Os bancos alemães têm uma exposição à dívida da Grécia de cerca de 23,5 mil milhões de euros mas o risco sistémico é limitado porque os maiores bancos comerciais, o Deutsche Bank e o Commerzbank, detêm apenas uma pequena percentagem deste montante total, de acordo com dados recolhidos pela Reuters.

No entanto, o mesmo não se pode dizer do banco estatal de desenvolvimento KfW que emprestou 15 mil milhões de euros ao Estado grego, segundo o Bundesverband deutscher Banken (BdB), a entidade que representa os interesses dos bancos comerciais privados alemães.
O BdB revelou que, do crédito alemão à Grécia, 4,6 mil milhões foram para bancos, 3,6 mil milhões para empresas e particulares, e 15,2 mil milhões de euros para o Estado grego.

O Commerzbank tinha, no final de Setembro de 2014, cerca de 400 milhões de euros de exposição às empresas, bancos e dívida pública da Grécia, e o Deutsche Bank apenas 298 milhões de euros.

Por outro lado, um estudo elaborado pela JP Morgan, e citado pela Reuters, descobriu que o banco francês Crédit Agricole é o banco comercial europeu mais exposto à Grécia: a instituição, no final de 2013, tinha investido 3,5 mil milhões de euros no desenvolvimento da economia grega, dos quais 2,8 mil milhões no sector do transporte marítimo, e nada em dívida pública.

O maior banco da França, o BNP Paribas, tinha uma exposição à Grécia de cerca de 700 milhões, no final de 2013, tendo a maior parte dos empréstimos sido concedidos a empresas e nada em dívida do Estado grego, de acordo com dados fornecidos pelo próprio banco. Havia uma exposição adicional de mais 1,3 mil milhões de euros, mas é crédito concedido a empresas gregas não ligadas à situação económica grega, como sejam as empresas de transporte marítimo.
Por sua vez, a Société Générale tinha uma exposição de 300 milhões de euros a empresas gregas, mas não tinha dívida pública do país no final de Setembro.

"A exposição de crédito dos bancos alemães à Grécia é baixo", disse o presidente do BdB, Thomas Kemmer, em comunicado. "É por isso que, se a Grécia entrasse em insolvência, os efeitos directos sobre os bancos alemães poderiam ser superados. Até mesmo os efeitos de contágio que acompanhariam uma saída [da Zona Euro] poderiam ser melhor suportados do que há dois ou três anos."

Efectivamente, uma notícia do Wall Street Journal, de Fevereiro de 2010, três meses antes do primeiro resgate à Grécia ocorrido em Maio de 2010, apontava que a banca francesa e alemã, detinha, em conjunto, uma exposição à Grécia de cerca de 119 mil milhões de euros. Valor que subia até aos 900 mil milhões de euros, tendo em conta também a exposição à Irlanda, Portugal e Espanha.

No próximo dia 25 de Janeiro, os gregos vão escolher o próximo Governo e as sondagens mostram que o Syriza, um partido de extrema-esquerda, lidera as intenções de votos. Como este partido sempre disse ser contra a austeridade e querer uma segunda reestruturação da dívida pública grega, se vencer as eleições e não cumprir os compromissos financeiros assumidos com os parceiros europeus e internacionais, a Grécia poderá sair da Zona Euro.

A Alemanha, a maior economia europeia, já disse que há duas vias: a Grécia pode permanecer na Zona Euro após as legislativas desde que mantenha os compromissos assumidos pelo governo ainda em funções; se o futuro governo grego recusar cumprir os compromissos assumidos pelo Estado e insistir em reestruturar a dívida pública, a União Europeia está preparada para a saída da Grécia da Zona Euro.

O presidente francês secundou: "Os gregos são livres de decidir o seu destino. Dito isto, há determinados compromissos que foram assumidos e todos eles devem naturalmente ser respeitados." Contudo deixa aos gregos a decisão sobre a permanência no euro "porque é uma escolha que só a eles cabe". François Hollande sabe que os tratados europeus não prevêem a expulsão de países da Zona Euro.



Cartoon publicado no jornal "Ekathimerini"


*

Após a adesão da Grécia à União Europeia em 1981, os gregos usufruíram dos fundos estruturais europeus sem se preocuparem com a corrupção que grassava nos partidos políticos onde votavam, e também entre políticos e empresários, porque o dinheiro chegava para todos.

Passado o período de transição, os fundos diminuíram. Então “embelezaram” as contas públicas para poderem entrar na Zona Euro em 2001, gozarem dos benefícios da moeda única e acederem a empréstimos com taxas de juros reduzidas. A máquina administrativa do Estado engordou e prosperou, as prestações sociais multiplicaram-se e os gregos desfrutavam de um óptimo nível de vida.
A dívida pública crescia, mas ninguém se importava, até que as taxas de juro dos empréstimos pedidos para financiar os défices também começaram a crescer e a dívida grega tornou-se incontrolável. No final, o crédito cessou e o governo socialista de maioria absoluta do PASOK pediu assistência financeira externa em Maio de 2010, no valor de 110 mil milhões de euros.

O problema é que as ajudas financeiras vêm sempre associadas a medidas de austeridade e, apesar de ficarem longe de ter sido cumpridas, a Grécia passou a viver entre manifestações e greves. O governo do primeiro-ministro George Papandreou viu-se obrigado a pedir um segundo resgate de 130 mil milhões que só foi concedido em Fevereiro de 2012.

Este segundo resgate à Grécia impôs a perda de 53,5% da dívida soberana grega detida pelas instituições financeiras privadas, tendo sido responsável pelos elevados prejuízos da banca portuguesa em 2011.

Entretanto os deputados do PASOK fugiram em debandada, o governo deixou de ter apoio parlamentar, Papandreou pediu a demissão em Novembro de 2011 e a Grécia partiu para eleições antecipadas.

No dia 6 de Maio de 2012 foi a vez dos eleitores fugirem do PASOK e repartirem os votos pelos novos partidos que nasciam da instabilidade como os cogumelos nascem depois da chuva. Não foi possível formar um governo e os gregos tiveram de voltar às urnas em 17 de Junho desse ano.

O Syriza, um partido da esquerda radical, liderava as sondagens e já se imaginava no poder, mas foi o Nova Democracia, um partido de centro-direita, que voltou a ganhar as eleições e agora com um número de deputados suficientes para formar um governo de coligação com o socialista PASOK e a Esquerda Democrática.

No final de 2014, este governo de bloco central caiu porque não conseguiu eleger o Presidente da República e o país seguiu para novas eleições antecipadas.
Voltou a estar em cena a peça teatral estreada na Primavera de 2012: o Syriza lidera as sondagens referentes às legislativas do próximo dia 25 de Janeiro e as cotações dos bancos caiem nas bolsas mundiais para antecipar as perdas causadas por uma hipotética futura insolvência da Grécia.

O Syriza promete electricidade grátis para os mais pobres e subida do salário mínimo nacional para chegar ao poder. No entanto, estas medidas não assustam os investidores: serão pagas pela classe média grega com um aumento de impostos.
E se um governo do Syriza exigir um segundo perdão da dívida pública grega, os bancos da França e da Alemanha já diminuíram radicalmente a exposição à Grécia para superarem as consequências e as bolsas mundiais já estão a antecipar os prejuízos. A Grécia vai ficar isolada na Zona Euro, assumir a insolvência e sair.

Não acredito, porém, que tal situação venha a ocorrer: os gregos vão preferir a austeridade à fome e o Syriza, se ganhar as eleições, vai ser o filho rebelde da Zona Euro, sempre tentando equiparar robalos e douradas com audis e mercedes, mas cumprindo o suficiente para usufruir dos fundos estruturais europeus e manter o conforto de pertencer à família mais rica do planeta.


Sem comentários:

Enviar um comentário