Depois do ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo na quarta-feira, do tiroteio contra os polícias em Montrouge, na quinta-feira, e do sequestro num supermercado kosher em Vincennes pelo atirador de Montrouge, na sexta, que provocaram um total de 17 vítimas, a manifestação contra o terrorismo islamita levou, este domingo, cerca de 4 milhões de pessoas para a rua por toda a França.
A marcha em Paris reuniu mais de 1 milhão de pessoas, tornando-se o acontecimento mais importante desde a Libertação em 1944.
Quase cinquenta chefes de Estado e de governo estiveram hoje presentes em Paris para homenagear as vítimas dos atentados no Charlie Hebdo, em Vincennes e Montrouge. Na fila da frente desfilaram Angela Merkel e David Cameron, mas também Mahmoud Abbas e Benjamin Netanyahu.
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A estátua alegórica da Praça da República, em Paris, foi o local privilegiado pelos manifestantes desde quarta-feira à noite.
AFP/Loic Venance
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Os manifestantes prestaram homenagem às 17 vítimas dos atentados com o lema "Eu sou Charlie".
AFP/Joel Saget
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No percurso da Praça da República à Praça da Nação, em Paris, os franceses agitaram as bandeiras tricolores e cantaram a "Marselhesa".
AFP/Jean-François Monier
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A manifestação teve início às 15:30, mas uma hora antes já a Praça da República estava cheia.
AFP/Bertrand Guay
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O mar de gente da Praça da República visto do céu.
AFP/Kenzo Tribouillard
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A manifestação em Paris durou até às 21h.
AFP/Bertrand Guay
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François Hollande recebeu cerca de 50 dirigentes mundiais no Palácio do Eliseu que depois incorporaram a marcha de Paris.
AFP/Dominique Faget
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Na primeira fila: o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, o presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, o presidente francês François Hollande, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas.
AFP/Philippe Wojazer
Imagens aéreas da manifestação republicana
Le Monde.fr | 11.01.2015
Le Monde.fr | 11.01.2015 à 16h47
Outras cidades francesas também se associaram a esta manifestação histórica:
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25 mil pessoas desfilaram em Reims.
AFP/François Nascimbeni
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60 mil manifestaram-se em Marselha.
AFP/Anne-Christine - Poujoulat
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Uma maré humana de 300 mil pessoas desfilou em Lyon.
AFP/Jean-Philippe Ksiazek
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100 mil manifestaram-se em Bordéus.
AFP/Nicolas Tucat
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Mais de 100 mil manifestantes em Rennes.
AFP/Jean-François Monier
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A multidão que se manifestou junto ao mar Mediterrâneo, em Nice.
AFP/Valery Hache
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Nos últimos tempos houve uma escalada de ataques islamitas em França. Depois do caso ocorrido em Joué-lès-Tours, em que um jovem entrou no comissariado com uma faca na mão a gritar "Allahu Akbar" (Deus é grande), ferindo três polícias antes de ser baleado, o primeiro-ministro Manuel Valls alertou para a singularidade da época actual em França: "Nunca experimentámos um perigo tão grande em matéria de terrorismo."
Valls pediu aos franceses para reagirem ao fenómeno do envolvimento dos jovens com a jihad: "Temos mais de mil pessoas envolvidas na jihad na Síria ou no Iraque, mais de 300 estão lá, 56 ou 57 morreram, isto mostra o grau de envolvimento (...). Muitos foram para lá, muitos querem ir, muitos têm regressado felizmente. Isto deve desafiar a sociedade francesa."
Na Alemanha, os líderes do movimento Pegida pretendem denunciar a islamização da sociedade, a ausência de direitos humanos para as mulheres muçulmanas e a existência de sistemas alternativos de justiça impiedosos como a sharia, mas os políticos alemães têm procurado associar os activistas anti-islão aos neonazis.
Na sua mensagem de Ano Novo, a chanceler Angela Merkel disse que os apointes do Pegida têm “ódio nos seus corações”, mobilizando os alemães contra as manifestações do movimento e fazendo gorar a manifestação de Berlim.
A sede do semanário satírico francês Charlie Hebdo foi atacada em 7 de Janeiro de 2015, no mesmo dia em que Soumission, escrito por Michel Houellebecq, chegou às livrarias. Justamente o escritor que foi satirizado no número do Charlie Hebdo saído nessa quarta-feira trágica, no cartoon publicado na primeira página.
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A última edição do Charlie Hebdo, publicada em 7 de Janeiro de 2015.
AFP/Bertrand Guay
Mas por que motivo os cartoonistas assassinados assestaram os seus lápis contra o escritor, transformando-o no mago Houellebecq?
Porque, no livro, o islamismo triunfa e dá um Presidente muçulmano à França. Trata-se de um islamismo suave, chegado ao poder pela via democrática, sem confrontos.
Um islamismo que deriva de uma hipotética incompetência dos dois grandes partidos republicanos da direita e da esquerda que teriam conduzido o País para um pântano onde chafurda uma classe branca, afortunada, educada, dominante, que se submete aos medos que criou no povo e ao inimigo que deixou instalar dentro das fronteiras.
Um islamismo politicamente correcto que cria o partido da Fraternidade Muçulmana oportunisticamente aliado ao Partido Socialista para vencer a extrema-direita. Seria muito natural, descreve Houellebecq, que os muçulmanos em França tivessem um partido que os representasse com os valores tirados do Islão, o que obrigaria à refundação do sistema educativo francês sobre uma base islâmica e reconduziria as mulheres ao seu papel doméstico e procriador.
Mas os cartoonistas do Charlie Hebdo não morreram em vão. Quase 4 milhões de franceses perderam o medo e, insubmissos, manifestaram-se em defesa dos valores da República.
Dezenas de dirigentes políticos mundiais aliaram-se ao povo, deliberadamente ou para atenuar a revolta libertada e participaram na marcha de Paris contra o terrorismo islamita. Na primeira fila François Hollande e Angela Merkel. Ladeados por Mariano Rajoy (Espanha), David Cameron (Reino Unido), Jean-Claude Juncker (Comissão europeia) e Matteo Renzi (Itália). A Europa Unida com Paris a ser hoje a capital. Ninguém se importou com a ausência de Barack Obama.
Esta manifestação veio reforçar os valores da República Francesa — Liberdade, Igualdade, Fraternidade é o seu lema — e da sociedade europeia, aberta e laica que erradicou a pena de morte e onde tudo é tolerado excepto a prática ou a apologia da violência. Quem escolher a França para viver, não importa qual o país de origem, a cultura ou a religião professada, terá de aprender a respeitá-los. Parafraseando o provérbio “Em Roma, sê romano”, poder-se-á concluir que “Na Arábia Saudita, sê árabe” mas “Na Europa, sê europeu”.
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