domingo, 7 de abril de 2013

Declaração de Passos Coelho ao País


Em 2010 o défice do nosso País escreveu-se com dois dígitos. Era objectivo deste Governo reduzir esse brutal défice herdado a menos de metade — 4,5% — no final de 2013.

Num País com a economia assente em obras públicas e serviços sem valor acrescentado, um ensino facilitista, uma emigração descontrolada e com alçapões de dívida por toda a administração central, na região autónoma da Madeira e na maioria das mais de três centenas de autarquias, convenhamos que a tarefa não era nada fácil.
Há que reconhecer que a troika, ao flexibilizar o défice para 5,5%, foi sensível ao contexto de enorme aumento da recessão e do desemprego decorrente do ajustamento económico e financeiro.

Num País dividido em corporações aguerridas que se esforçam por conservar, quiçá até aumentar os seus privilégios, chegando ao extremo de despender toda o seu tempo e energia nessa luta improdutiva, é preciso estar ligado a um referencial de ética para seguir em frente.

É neste enquadramento que, face ao buraco de 1,3 mil milhões de euros aberto pelo Tribunal Constitucional na execução orçamental de 2013, se pode compreender a via escolhida pelo governo de Passos Coelho de, primeiro, pôr a economia a funcionar para criar riqueza — uma economia esmagada por impostos não atrai investimento, logo não cresce — e, só depois, distribuí-la através das funções sociais do Estado. Via essa claramente explicitada pelo Primeiro-Ministro nesta declaração ao País:


Declaração do Primeiro-Ministro ao País

7 de Abril de 2013

"Portugueses,

Quando em Outubro de 2011, nas vésperas da discussão do Orçamento do Estado para 2012, me dirigi ao País, descrevi a nossa situação como a de uma «emergência nacional». Não usei essas palavras com ânimo leve. Era importante que todos conhecessem com transparência a gravidade dos nossos problemas e a natureza dos nossos desafios. Os Portugueses têm o direito de saber o que se passa e que os seus representantes se lhes dirijam com realismo e com clareza.

Hoje ainda não ultrapassámos a emergência financeira que nos trouxe a dolorosa crise que atravessamos.

Desde que tomou posse, o Governo pôs em prática uma estratégia de superação deste estado de coisas. Se chegámos a este ponto devido à ruptura do financiamento do Estado e da economia, então só podemos superar a crise, pôr a economia a crescer e criar emprego no futuro se primeiro recuperar a nossa capacidade de financiamento. Para isso, era crucial recuperar a credibilidade e reconquistar a confiança, num caminho que seria inevitavelmente longo, duro e cheio de riscos, porque a credibilidade e a confiança perdem-se em poucos instantes mas só se readquirem com persistência e determinação.

Foi isso que fizemos nestes últimos 22 meses. Fizemo-lo com a consciência de que teríamos de agir no plano externo com uma estratégia diplomática credível, oportuna e eficaz que nos permitisse ir ajustando, em diálogo com os nossos parceiros e credores, o Programa de Assistência Económica e Financeira às necessidades da economia e que fosse trazendo condições mais favoráveis de pagamento da dívida. Foi assim que conseguimos ainda no primeiro ano de Governo, juntamente com a Irlanda, baixar os juros de uma parte importante da dívida externa. Foi assim também que flexibilizámos os objectivos para o défice durante o Programa sem perturbações indesejáveis no processo.

Mas tínhamos também a consciência de que teríamos de agir decisivamente no plano interno, cumprindo o programa de reformas estruturais e de consolidação orçamental para preparar uma economia mais forte e mais dinâmica. Mais do que isso, só o progresso no plano interno poderia garantir o sucesso no plano externo. Assumimos portanto a responsabilidade de cumprir os nossos compromissos com determinação. Só poderíamos ser ajudados pelo exterior se nos ajudássemos a nós próprios. Para que a nossa voz fosse ouvida, ela teria primeiro de ser respeitada. Para que as nossas ideias fossem acolhidas, elas teriam primeiro de ser credíveis. Se tivéssemos cruzado os braços e se nos tivéssemos colocado na posição de pensar que a Europa é que tinha o dever de resolver permanentemente as nossas carências, então a nossa situação hoje seria incomparavelmente pior do que é e estaríamos a falar de escolhas muito mais dramáticas do que as que são actualmente as nossas.

De facto, ao longo do último ano fomos lentamente recuperando a credibilidade perdida. Com o empenho colectivo de todos os Portugueses, fomos capazes de regularmente apresentar trabalho feito. Fomos capazes de consistentemente cumprir o que estava acordado com os nossos parceiros externos. Ao mesmo tempo, lá fora fomos sendo reconhecidos por essa conduta confiável e clarividente e em consequência desse reconhecimento pudemos até acelerar o calendário da retoma de financiamento do Estado. Só assim podíamos finalmente começar a preparar o nosso futuro para a próxima fase da nossa vida colectiva já sem a presença da Troika.

Nunca neguei que este caminho era muito difícil e estreito, sem grande margem para deslizes. E para nos manter na posição mais segura e menos vulnerável tivemos de fazer escolhas que nenhum Governo gosta de fazer mas que eram necessárias.

Em 2012, o Tribunal Constitucional considerou que algumas normas do Orçamento de Estado desse ano não poderiam ser aceites para os anos seguintes. Isso forçou-nos a procurar alternativas que, como todos sabem, não gozavam da preferência do Governo como instrumento de resolução do desequilíbrio das contas públicas. Mas não tivemos alternativa senão proceder a um aumento generalizado de impostos para todos os Portugueses, sob pena de podermos ficar a braços com um problema muito grave e porventura sem resolução. Fizemo-lo para evitar um colapso nacional.

Em 2013, o Tribunal Constitucional voltou a invalidar algumas normas importantes da Lei do Orçamento de Estado para este ano. No nosso regime político é ao Tribunal Constitucional que compete fazer uma interpretação soberana da Constituição. É evidente que o Governo respeita e cumprirá as decisões do Tribunal Constitucional. Não poderia ser de outra maneira num Estado de Direito democrático que preza as suas instituições. Mas o Governo discorda da interpretação que o Tribunal faz da Constituição da República Portuguesa e que foi manifestada no acórdão tornado público há dois dias. E o Governo não está sozinho nesta apreciação. Muitos outros constitucionalistas discordaram desta interpretação feita pelo Tribunal.

Todos partilhamos os mesmos valores constitucionais, mas o nosso entendimento do contexto, hierarquia e aplicação concreta desses valores não é aquele que foi exposto pelo Tribunal Constitucional. A condição excepcional do País e a degradação da situação europeia exige de todos grande realismo e uma consciência aguda dos imperativos e restrições impostos por circunstâncias que o Governo não escolheu, apenas herdou. Em tempos de excepção as nações podem precisar de respostas excepcionais, como é o nosso caso. Se essas respostas não puderem ser encontradas, os valores importantes que a Constituição consagra poderão ficar em causa de forma muito mais grave.

Ninguém poderá negar que esta decisão do Tribunal Constitucional tem consequências muito sérias para todo o País. A decisão foi tornada pública a menos de uma semana de Portugal fechar, com os parceiros internacionais, uma negociação decisiva para chegarmos a um acordo com os nossos credores, para suavizarmos o pagamento da dívida e para tornarmos mais favoráveis as obrigações financeiras que temos de cumprir. Este acordo assume a maior relevância no caminho que estamos a trilhar para terminar em 2014 a intervenção da Troika e para podermos recuperar o acesso normal a financiamento. A decisão do Tribunal Constitucional torna a posição portuguesa mais frágil nessas negociações em torno dos reembolsos e maturidades dos empréstimos externos que contraímos. Ainda assim, quero garantir que estou a fazer tudo o que se encontra ao meu alcance para, apesar dos obstáculos, proteger os interesses de Portugal nessa negociação.

Em termos mais gerais, o acórdão do Tribunal Constitucional introduz incerteza e imprevisibilidade num processo já de si extremamente exigente. Corre em sentido contrário à orientação estratégica de regresso aos mercados: conseguir que o Estado se voltasse a financiar autonomamente e com isso que as condições de financiamento das empresas e das famílias se tornassem mais favoráveis. Por sua vez, com a melhoria e a maior fluidez do financiamento cresceria igualmente a confiança de que concluiríamos o nosso Programa de Assistência Económica e Financeiro conforme fora previsto. Quer isto dizer, portanto, que a decisão do Tribunal Constitucional constitui um risco para todo este processo.

Mas as consequências da decisão do Tribunal Constitucional têm uma outra dimensão mais concreta.

Em primeiro lugar, num plano mais imediato, coloca obstáculos muito sérios à execução orçamental em 2013, precisamente quando tínhamos acabado de flexibilizar as metas do défice para este ano e para os anos seguintes. Darei, por isso, instruções aos Ministérios para que procedam às necessárias reduções nas suas despesas de funcionamento para compensar o que o acórdão do Tribunal Constitucional agora vedou.

Em segundo lugar, torna problemática a necessária consolidação orçamental para os próximos anos, e que constitui, não nos podemos esquecer, uma condição necessária para a fase do pós-Troika. E é preciso recordar que a redução do défice constitui igualmente uma condição indispensável para a manutenção de Portugal na área do euro e na dianteira do projeto europeu. Arriscar este grande desígnio que nos últimos 35 anos sempre reuniu um grande consenso nacional seria condenar o projeto de sociedade que Portugal ambicionou para si quando consolidou a sua democracia.

Em terceiro lugar, não nos esqueçamos de que, com a decisão do Tribunal, a sétima revisão regular não fica concluída e que o correspondente montante não será desbloqueado enquanto isso não acontecer. Terei de explicar esta circunstância à Troika para assim defender o interesse nacional e salvaguardar condições que estimulem o crescimento e o emprego.

Perante tudo isto, tenho o dever de não esconder dos Portugueses nenhum contorno essencial das dificuldades que já tínhamos, e a que agora acrescentámos outra, nem das consequências que elas acarretam para a vida de cada um de nós. E tenho o dever, como Primeiro-Ministro, de assumir a responsabilidade que me cabe de fechar esta crise que nos atormenta há já tanto tempo.

O Governo, mandatado pelo povo português para vencer a emergência nacional, e apoiado na Assembleia da República por dois partidos numa coligação coesa, afirma hoje perante o País que enfrentará lado a lado com os Portugueses todas estas dificuldades. Porque desenganem-se aqueles que vêem nestes acontecimentos um simples revés para o Governo ou para os partidos que o apoiam. Depois desta decisão do Tribunal Constitucional não é apenas a vida do Governo que se torna mais difícil. É a vida dos portugueses que fica mais difícil e é o sucesso da recuperação nacional que se torna mais problemático.

Por outro lado, a emergência nacional envolve todo o País, toda a sociedade, todas as instituições nacionais, todos os órgãos de soberania. Mais do que isso, não é correto dizer que o Programa de Assistência vincula apenas este Governo, que de resto não o preparou nem negociou. O Programa vincula todo o Estado português, incluindo evidentemente todos os seus órgãos de soberania.

Uma vez que o Estado ainda está dependente do financiamento dos nossos parceiros europeus para fazer pagamentos, fornecer serviços, pagar salários e pensões, manter o Estado social, a alternativa ao cumprimento do Programa seria submetermo-nos a um outro Programa, prolongando a dureza e a penosidade dos sacrifícios. É isso que temos de evitar. Daqui resulta o imperativo político fundamental da nossa situação hoje: tudo teremos de fazer para evitar um segundo resgate. Não posso permitir que se desperdicem os sacrifícios que os Portugueses têm feito nos últimos anos. Mas isso não se consegue apenas com desejos vagos ou com a formulação de intenções. Exige actos concretos que compensem os desequilíbrios orçamentais criados pela recente decisão do Tribunal Constitucional. É uma ilusão perigosa julgar que não precisamos agora de encontrar alternativas, que basta ficarmos quietos à espera que tudo se componha como que por milagre.

A este respeito, quero dizer a todos os Portugueses que o Governo não aceita aumentar mais os impostos, que parece ser a solução que o Tribunal Constitucional favorece nas suas interpretações. Fazê-lo poria em causa irremediavelmente as nossas possibilidades de recuperação atempada da economia e da criação de emprego. Por conseguinte, só nos resta a alternativa de acelerar e intensificar alguns aspectos da reestruturação do Estado com impacto direto na despesa pública. Mas agora, dadas as restrições impostas pelo Tribunal Constitucional, teremos de o fazer com instrumentos de outra natureza.

Para compensar o desequilíbrio agora aberto no orçamento em 2013 teremos de pôr em prática, ainda este ano, medidas de contenção da despesa pública, nomeadamente nas áreas da segurança social, saúde, educação e empresas públicas. Não duvido que aparecerão vozes a protestar que, com isso, estaremos a pôr em causa o Estado social e que o Governo não aprende a lição parando com a austeridade. Mas o Governo não pode compactuar com essa demagogia fácil e, para defender o Estado social, precisa de garantir o dinheiro que suporta as suas despesas. Ora, o Estado não dispõe desse financiamento e, sendo assim, está impedido, pela realidade dos factos, de realizar parte das despesas. Só ultrapassaremos esta situação diminuindo a despesa e cumprindo as nossas obrigações externas.

Não será um exercício fácil quando temos em conta a redução de despesa pública que o Governo nos últimos dois anos já efetuou. Em dois anos reduzimos a despesa primária do Estado em mais de 13 mil milhões de euros, facto que não tem qualquer precedente na nossa história democrática. Foi, aliás, este esforço de disciplina no lado da despesa que nos permitiu até compensar parte da perda de receita fiscal que ocorreu em resultado da crise económica.

A complexidade e a preparação que medidas deste tipo requerem apelam à mobilização da sociedade civil, do Governo e do Estado para a sua formulação. Nas próximas semanas teremos de proceder ao estudo e ponderação das alternativas possíveis, e o Governo está naturalmente receptivo a todas as propostas razoáveis, fundamentadas e objectivas que a discussão pública possa suscitar.

Mas a necessidade de equilíbrio das contas públicas diz respeito igualmente aos próximos anos, e aqui as nossas perspectivas serão tanto menos cinzentas quanto mais o sistema político compreender a indispensabilidade do compromisso. Com o nível de endividamento a que chegámos no Estado, estes objectivos nacionais, que ultrapassam as cores partidárias e não distinguem governos, não poderão ser alcançados se não houver compromissos duradouros entre as nossas instituições, incluindo claro está os partidos do arco da governabilidade e os órgãos de soberania. Isto mesmo quis transmitir com detalhe ao Senhor Presidente da República na audiência que ontem me concedeu. Quanto menos compromisso houver a este respeito, mais frágil será a posição do País. Mais do que nunca, a situação não se compadece com demagogias nem com taticismos. Cada um dos agentes políticos tem de se pronunciar sobre esta matéria, que, volto a repetir, é central para o futuro próximo do País no quadro europeu. Se o nosso futuro nos compromete em conjunto, então todos têm uma palavra a dizer sobre a sua preparação e todos têm de assumir as suas respectivas responsabilidades.

Da parte do Governo não haverá hesitações. Permitam-me, pois, que o diga com clareza para que não subsistam quaisquer dúvidas. O Governo está comprometido com todos os objectivos do Programa de Assistência e reafirma o cumprimento das obrigações internas e externas do Estado português. E, como Primeiro-Ministro, renovo aqui e hoje o compromisso de fazer tudo o que está ao meu alcance para, atacando as dificuldades acrescidas, fecharmos esta crise de uma vez por todas. Com a legitimidade que me foi conferida pelo povo português e pela Constituição, agirei até ao limite das minhas forças na defesa do interesse nacional. Com o orgulho de ser português que partilho convosco, com a mesma dedicação ao País que também vos move, trabalharei em cada hora, juntamente com o Governo que lidero, pelo futuro que é de todos.

Nós, os Portugueses, não desistimos, porque não desistimos de Portugal, não desistimos da nossa autonomia, não desistimos da nossa liberdade, não desistimos do nosso futuro.

Muito obrigado."


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