quinta-feira, 9 de abril de 2015

Os eternos bolseiros pós-doutoramento


O problema dos bolseiros pós-doutoramento que se eternizam nessa situação é abordado neste artigo de opinião:


"Os descamisados doutorados

João Miguel Tavares 09/04/2015 - 06:38

Reparem como sou moderado: por um lado, não gosto nada do que o CES faz; por outro, compreendo que o queira fazer.

Nem por acaso: enquanto eu andava entretido a debater a qualidade “científica” do Observatório sobre Crises e Alternativas e as peculiaridades ideológicas do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Miguel Seabra, apresentava a sua demissão, após um desgraçadíssimo mandato.

Ora, a FCT e a ciência social ao estilo CES — que a sua própria direcção classifica como (juro) “ciência social crítica” ou “ciência cidadã” — estão ligadas por um cordão umbilical que diz muito acerca das debilidades estruturais deste país e do perigo da aposta acrítica na “qualificação”, o cavalo favorito de António Costa e dos governos socialistas.

Dir-me-ão: mas então não é tão bonito investir na educação, na formação, na qualificação, e em outras palavras acabadas em “ão” que enchem a boca e o coração? É, é. Só que, quando juntamos 1) a política de doutoramentos e pós-doutoramentos criada por Mariano Gago e patrocinada pela FCT; 2) as limitações e a falta de competitividade da economia portuguesa; e 3) a chegada em força da austeridade e o aumento dramático do desemprego jovem; o resultado deste cocktail mortífero só pode naturalmente ser um: a criação de um exército de descamisados doutorados, completamente dependentes da boa-venturança do senhor professor que dá uma ajudinha para conseguir a bolsa do pós-doc, e que chegam aos 35 e aos 40 anos numa situação lastimável, sem forma de ingressar nos quadros das universidades (que estão fechados e cheios de gente menos competente do que eles), sem uma vida profissional estável e com excesso de qualificações para os empregos disponíveis.

Os números não mentem (enfim: às vezes mentem, se torturados por cientistas cidadãos). Em 1997, ano em que a FCT foi criada, doutoraram-se 579 portugueses. Em 2013 (dados Pordata), doutoraram-se 2668. Os doutorados quintuplicaram numa década e meia. Quando se olha para o gráfico dos doutoramentos anuais desde 1970, a evolução a partir do final dos anos 90 é uma subida de montanha de primeira categoria. Ou seja, enquanto em termos económicos o país afocinhava, naquela que já é conhecida como a “década perdida”, as qualificações dos portugueses não paravam de subir. Seria fantástico, em termos de competitividade, se — e este é um grande “se” — o sector privado conseguisse absorver um quinhão significativo dos doutorados. Infelizmente, não consegue.

Um estudo de 2009 sobre a situação profissional dos doutorados em Portugal indicava a existência de 17.010 a trabalhar em investigação e desenvolvimento. Mas sabem quantos é que o faziam fora das universidades, em empresas privadas? 196. Ou seja, pouco mais de 1% do total. É esta a força da investigação e do desenvolvimento em Portugal. E se olharmos para o domínio específico das ciências sociais, não é difícil adivinhar o seu credo da última década: “fora da universidade (ou do laboratório associado) não há salvação”.

Reparem como sou moderado: por um lado, não gosto nada do que o CES faz; por outro, compreendo que o queira fazer. Boaventura Sousa Santos, José Manuel Pureza e Carvalho da Silva têm um batalhão de doutorados descamisados, frustrados e politizados às suas ordens, que lhes foram oferecidos por Mariano Gago, uma economia débil e um país intervencionado. Há que entendê-los: a tentação de criar as condições para que um dia possa nascer um Pablo Iglesias do Mondego é demasiado grande. E é para isso que eles trabalham. “Cientificamente”."





*


O artigo deu origem a um debate que vale a pena ler. Registámos alguns comentários que ajudam a perceber melhor o problema:

Miguel S.
Trondheim 09/04/2015 10:14
O problema não é haver mais pessoas com mais formação. O problema é que o sector económico não tem visão, gestão ou sequer capacidade para perceber a mais-valia que esta nova geração de pessoas pode representar. Há outros locais onde se percebe, por exemplo, nos últimos 2 anos contratámos aí 8 pessoas nas circunstâncias descritas no texto. Enquanto Portugal continuar com "sucateiros e chico-espertos" à frente das empresas, num mundo (de mercado aberto) cada vez mais profissional, não vai lá.
  • tripeiro
    Alguém informe a Princesa44 sobre os horários de visita em Évora 09/04/2015 10:37
    Tem razão no que diz sobre a visão do sector empresarial português, mas também não podemos desprezar o facto de que uma grande fornada dos doutorados em Portugal é das áreas sociais e para estes nem com muito boa vontade haverá lugar no sector económico/empresarial.
  • Miguel S.
    Trondheim 09/04/2015 11:03
    Talvez.... Julgo que, tal como eu, o tripeiro tem formação base nas "ciências exactas" e talvez por isso tenhamos mais dificuldade em perceber como poderiam ser aproveitados. Pelo que tenho visto aqui, há pelo menos dois sectores onde se acrescenta mais-valias (estou a falar de dinheiro) significativas através das ciências sociais: marketing/publicidade e recursos humanos. Talvez valha a pena ver mais sobre isto, em particular o segundo tema, quando a produtividade per capita (ainda que deflacionada) é o que é.
  • Luis Marques
    Javali profissional, Manchester 09/04/2015 11:09
    Caro Miguel, respeitando a privacidade das pessoas, pode indicar-me qual a área de formação das pessoas contratadas?
  • Miguel S.
    Trondheim 09/04/2015 12:02
    Claro, caro Luís. Engenharias de formação base (excepto civil), com formação complementar em química e áreas afins, energia e áreas afins e modelação. Por exemplo, as duas últimas contratações aí foram uma engenheira química doutorada em química ambiental (com o estudo centrado em partículas ultra-finas) e um engenheiro mecânico doutorado em mecânica de fluídos (modelação de sistemas de fluxo multi-fásico).
  • tripeiro
    Alguém informe a Princesa44 sobre os horários de visita em Évora 09/04/2015 12:04
    Miguel, eu não tenho dificuldade nenhuma em compreender a importância do marketing/publicidade e recursos humanos e em aceitar convictamente que há lugar para estas áreas no mundo real. O problema mesmo são aquelas áreas que produzem estudos que determinam taxas de desemprego incluindo os cidadãos emigrados e outras congéneres... é suposto vender-se o quê e a quem? E em Portugal abundam...
  • Troglodita Marreta
    09/04/2015 12:05
    Se essas pessoas que formamos não servem para criar empresas e ninguém os quer, são inúteis, porque uma pessoa que não tem utilidade é, por definição, um inútil. Os nossos empresários são sucateiros, chico-espertos e semianalfabetos, isso apenas acontece porque os úteis e qualificados não se querem dar ao trabalho de serem empresários. Como quem cria a riqueza numa economia capitalista são os empresários, parece que temos aqui um problema difícil de resolver.
    Penso que o que chama o sector económico, que eu pensava que era as acções colectivas da população, afinal são uns aliens que determinam quem tem trabalho ou não. Aterram no país vindos de Saturno sem propósito nem nenhum tipo de racionalidade. Os empresários aparentemente são uns seres híbridos que os aliens criaram, um licenciado nunca se pode tornar num empresário porque são espécies diferentes incompatíveis. A questão é que embora um licenciado em física jurássica aplicada à nutrição possa ser útil, um licenciado nessa área, talvez tenha de se tornar um empresário visto não existir ninguém no mercado com a visão necessária para contratar um especialista destes, parece ser uma oportunidade no mercado que deve ser aproveitada. Agora esperar que seja o Estado a empregá-lo, porque sim?
  • Luis Marques
    Javali profissional, Manchester 09/04/2015 12:34
    Eu acho que as pessoas das gerações que tiveram a felicidade de poder ir para o ensino superior (que hoje em dia são bastante mais que há alguns anos atrás) incluindo a minha geração (malta nascida entre 82 e 88) caiu no erro de achar que qualquer curso lhes daria um emprego e um bom futuro. Vejo os meus colegas engenheiros com emprego em Portugal (e quando emigram é para ganhar bastante bem), os economistas com emprego em Portugal (baixa aceitação na Europa mas com bastante facilidade em trabalhar em Angola/Brasil em empresas portuguesas) e malta que tirou história, psicologia, etc, a ter empregos de baixa classificação (call centers e derivados) ou a ir para o estrangeiro para empregos como profissional de restauração ou hotelaria. É uma geração desperdiçada mas com algumas culpas próprias.
  • Miguel S.
    Trondheim 09/04/2015 12:39
    Sector económico foi, de facto, uma expressão infeliz. Leia-se em seu lugar "sector empresarial". E o seu comentário espelha claramente o problema transversal à sociedade: desde a incapacidade dos que obtêm uma formação em percepcioná-la como uma ferramenta para e não uma carreira em si, até e principalmente aos empresários, que não são capazes de interligar temas e conhecimentos para acrescentar a mais valia ao seu negócio que as competências adquiridas por um licenciado em "física jurássica" podem trazer.

Leitor incrédulo, Algures neste país desgovernado
09/04/2015 11:18
"(...) sem forma de ingressar nos quadros das universidades (que estão fechados e cheios de gente menos competente do que eles) (...)."
O problema é exactamente esse: durante muitos anos entraram pessoas sem qualidade para os quadros das universidades, que não podem ser despedidas porque ganharam o direito constitucional a terem o seu tacho até ao fim das suas vidas. Enquanto outros doutorados, mais jovens e mais dinâmicos, por causa do direito constitucional de outros, não têm lugar nos mesmos quadros. Enquanto não houver coragem para acabar com o direito constitucional à posição permanente, não há solução. E não me venham dizer que temos doutorados a mais... o que há é coragem política a menos.
  • João Miguel Tavares
    09/04/2015 11:33
    Bingo!

Marco Oliveira
09/04/2015 13:13
Parabéns mais uma vez ao JMT. Ainda bem que há quem não se curve ao "sistema", que não se limite a expor ideias conformistas do "politicamente correto", e pelo menos tenha o condão de colocar em debate e em discussão tantos assuntos de interesse público. Pode-se não concordar com todas as análises e pontos de vista do JMT, mas pelo menos reconheçam-lhe esse mérito. Obrigado JMT. Bem haja por existir, por ter a coragem de exprimir as suas opiniões que tanto mexem com os que estão acomodados à situação do país. Haverá sempre vespas furiosas que o atacarão e tentarão denegrir, sem apresentarem ideias concretas alternativas, que é o que se deseja num debate de ideias. Continue sempre.
  • João
    Lisboa 09/04/2015 15:16
    Também gostei do artigo dele. Pelo menos não faz de avestruz. Há um grande lobby à volta dessa malta da investigação da treta e dos observatórios fictícios.

João
Lisboa 09/04/2015 14:59
A questão é que muitos dos doutoramentos não passam de uma fantochada. Doutorados de sociologia, psicologia, ciências sociais. Não existem ciências sociais. Foi um nome inventado para dar um ar de credibilidade a essa treta pegada. São pessoas que se metem nisso para passar a vida a viver de fundos públicos encaixando-se naqueles observatórios da treta. Não gosto deste governo, mas se ele achar e bem que esse tipo de doutoramentos vindos do ISCTE, faculdades de psicologias e afins devem ser cortados sou o primeiro a apoiar.
  • Luis Marques
    Javali profissional, Manchester 09/04/2015 15:20
    Calma lá que o ISCTE também tem cursos de jeito :) mas de resto concordo consigo!
  • João
    Lisboa 09/04/2015 15:21
    Sim é verdade. Não me estava a referir à parte de economia e gestão. Foi um lapso.
  • tripeiro
    Alguém informe a Princesa44 sobre os horários de visita em Évora 09/04/2015 15:31
    Todas as áreas são importantes e têm o seu lugar na sociedade, a questão de fundo é que não precisam de ser "fabricados" especialistas aos magotes e o curioso é que às faculdades de letras e de direito e cursos de natureza social nunca sobram vagas.
  • Viriato Queiroga
    09/04/2015 15:31
    Caro, aconselho a que veja o que é a definição dessa coisa que é a "ciência", porque afirmar "Não existem ciências sociais. Foi um nome inventado para dar um ar de credibilidade a essa treta pegada." apenas revela falta de conhecimentos da sua parte sobre a fundamentação não só da ciência social, como da ciência. Já agora: sabe qual é a razão pela qual não existem ciências sociais (ou melhor, ciências sociais de investigação não controlada) em países ditatoriais? Porque estas são inconvenientes. O CES, na minha humilde opinião de analista estatístico, fez um over-stretch da pesquisa, mas ninguém pode negar que realizar estudos sobre a sociedade, o emprego, a política, as pessoas é algo necessário à sociedade.
  • João
    Lisboa 09/04/2015 15:38
    Veja o que significa ciência. O social e a ciência são coisas distintas. Falta de conhecimento é querer relacionar coisas distintas. Em democracias como a nossa são criados centros de estudos dessas "ciências", como incubadoras de jotas dos partidos. Veja a quantidade de centros de estudo desses existem espalhados por Lisboa. E veja se quem lá está encaixado não são malta ligados aos partidos.
  • Viriato Queiroga
    09/04/2015 15:46
    Bem, atendendo a que eu ensino o que é a ciência, só posso concluir que o senhor não sabe concretamente do que está a falar. Quanto aos centros de investigação, sim... Eu faço parte de um centro de investigação. Sou doutorando e professor. No ISCTE. Onde existem as mais diversas pessoas de todos os quadrantes ideológicos e muito para lá desses quadrantes: pessoas que estão completamente fora da politização. Só no meu centro somos mais de 400 pessoas. Das três uma: ou o senhor tem algum preconceito, ou está muito mal informado, ou deixou-se influenciar pelos media, ao ponto de ter construído o seu pensamento a partir da falta de informação. Se quer ver por si, tem o site. Pode ver quais são aqueles que tem filiação ou não.
  • tripeiro
    Alguém informe a Princesa44 sobre os horários de visita em Évora 09/04/2015 15:51
    Caro Viriato, inadvertidamente aprovei o seu comentário e o mais provável é que o mesmo venha a ser denunciado e eliminado, pelo que não se surpreenda se tal acontecer. Pelos critérios de publicação do jornal não é permitida a "postagem" de links, pelo que evite fazê-lo no futuro e, já agora, sugiro que leia os critérios de publicação seguindo o link por baixo do botão "Submeter".
  • João
    Lisboa 09/04/2015 15:55
    Não estudei no ISCTE, no entanto conheço suficientemente bem como é que aquilo funciona e os lobbies que por lá estão instalados. Não sou doutorando porque não quero. Tinha média para prosseguir os estudos, mas não quis. Sou mestre e no meu trabalho é suficiente. Para o corrigir, creio que no máximo o Viriato é assistente e não professor (não existem professores nas universidades sem serem doutorados). Conheço as pessoas que andam por lá nesses centros de estudo e como eles funcionam.
  • Viriato Queiroga
    09/04/2015 16:08
    Caro "tripeiro", peço desculpa, mas agradeço a informação :) não volta a suceder.
    Caro João: sim, sou assistente... Com funções de docência... Mas por acaso também não está correto: existem professores que são apenas Mestres. Já não sucede com as novas gerações, mas existem alguns, mais antigos, que nunca foram doutorados. O que considera "suficientemente bem"? É que, longe de os Centros e Observatórios serem mares de rosas, dizer que funcionam com mandatários ideológicos é, não só desvalorizar o que se produz, como reduzir o conhecimento à própria forma política. E por muito que existam pessoas que sejam influenciadas pelas suas ideologias (isto acontece em todas as áreas... Até na sua), a maioria não é assim. Desculpe-me, mas essa não é a minha realidade.


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