sábado, 25 de abril de 2015

Discurso de Cavaco Silva em 25 de Abril de 2015


No seu último discurso na sessão solene do 25 de Abril no parlamento, o Presidente da República pediu a definição de um compromisso interpartidário para garantir a estabilidade política e a governabilidade do País.

Como já é habitual, foi um excelente discurso que faz um diagnóstico correcto da situação do País e pede consensos indispensáveis porque é altamente improvável que algum partido político ou coligação consiga obter maioria absoluta nas eleições legislativas do próximo Outono. O problema é que Cavaco Silva não teve uma conduta política e pessoal exemplar, sempre se guiando pelos seus próprios interesses mesquinhos.

Aqui fica a versão integral para o leitor apreciar:



"Celebramos hoje o 25 de Abril, uma ocasião de festa e alegria, em que Portugal comemora a liberdade, a democracia, e também o desenvolvimento e a justiça social.

Há precisamente quarenta anos, no dia 25 de Abril de 1975, os Portugueses participavam nas primeiras eleições verdadeiramente livres da nossa História.

Ao escolherem os Deputados à Assembleia Constituinte, naquele que foi o acto eleitoral mais participado da história da nossa democracia, os Portugueses demonstraram estarem do lado da liberdade contra todas as formas de autoritarismo.

Os Deputados à Assembleia da República, que hoje saúdo calorosamente e a quem agradeço a excelência da cooperação institucional, podem orgulhar-se de serem os sucessores dos constituintes eleitos em 1975.

O 25 de Abril tem vários heróis — e o maior de todos é o povo português.

Devemos celebrar Abril com sentido de futuro, para que as novas gerações saibam que a liberdade e a democracia são valores que se constroem e renovam todos os dias.

Num tempo em que, em vários lugares do Mundo, incluindo na Europa, vemos nascer sinais de intolerância e ameaças à liberdade, numa época em que alguns se deixam atrair por extremismos radicais, devemos renovar o nosso compromisso com uma sociedade mais livre e mais justa.

Os Portugueses perfilham os valores da democracia e da tolerância, recusam com firmeza o recurso à violência e à conflitualidade como formas de acção política. Somos um povo de paz e de diálogo. Convivemos de forma harmoniosa com todos os outros povos.

Ao comemorar o 25 de Abril na Assembleia da República, num ano em que termina a presente legislatura e em que outra se iniciará, devemos pensar o futuro de Portugal, fazendo uma reflexão séria e serena sobre os grandes desafios que o País terá de enfrentar.

Portugal cumpriu um exigente Programa de Assistência Económica e Financeira que, numa altura de emergência nacional, foi obrigado a estabelecer com as instituições internacionais que nos emprestaram os fundos indispensáveis ao financiamento do Estado e da economia.

Vivemos uma nova fase da vida nacional: apesar de termos um longo caminho a percorrer, a economia apresenta já sinais de crescimento e criação de emprego, as contas externas estão equilibradas e perspectiva-se a saída da situação de défice excessivo.

Somos hoje um País respeitado e credível na cena internacional, um País em que as instituições e os investidores podem confiar.

Em todo o caso, continuam a ser desafios decisivos para o nosso futuro o controlo da despesa pública e do endividamento do Estado, o financiamento das empresas, a competitividade da economia e a equidade fiscal, a que devemos associar o apoio ao investimento produtivo e uma agenda de crescimento económico e criação de emprego.

Se não existir, da parte dos agentes políticos, a consciência clara de que devem mobilizar os Portugueses para estes desafios, de pouco valerão os sacrifícios que fizemos e que, em muitos casos, deram azo a situações dramáticas, algumas das quais ainda hoje se mantêm.

Senhoras e Senhores Deputados,

Pensar o futuro de Portugal significa, antes de mais, proceder ao diagnóstico dos nossos problemas de fundo e apontar linhas de rumo que devem ser assumidas pelas diversas forças políticas.

O País enfrenta desafios de médio e longo prazo que não se esgotam no horizonte temporal de uma legislatura. Mas para construirmos um Portugal mais justo e desenvolvido para as novas gerações, é essencial que, no tempo que se aproxima, sejam tomadas medidas concretas a pensar no futuro.

Enfrentamos um problema muito grave de quebra da natalidade e envelhecimento da população. Portugal é dos países do Mundo onde proporcionalmente nascem menos crianças. Além de todas as questões associadas à baixa natalidade, como a sustentabilidade da segurança social, a desertificação de vastas zonas do território e a degradação do princípio da solidariedade entre gerações, a quebra do número de nascimentos é um factor de empobrecimento para o País como um todo.

O envelhecimento populacional não só reduz o crescimento potencial da economia como aumenta a pressão sobre as contas públicas, através das despesas de pensões e de saúde.

Mais grave ainda, o facto de cada vez nascerem menos crianças significa que, no futuro, teremos menos jovens empreendedores, menos cidadãos activos e criativos, menos trabalhadores qualificados.

Além da urgência em promover uma estratégia de aumento da natalidade, para que várias vezes chamei a atenção ao longo dos meus mandatos, é essencial fomentar o regresso daqueles que, em resultado da crise económica e financeira, decidiram partir rumo ao estrangeiro. Em áreas-chave para o nosso futuro, o País viu sair muitos dos seus jovens, a maioria dos quais altamente qualificados. É agora, enquanto os laços que os unem a Portugal ainda se mantêm vivos, que devemos actuar e promover o seu regresso, criando condições para que o seu talento e as suas capacidades possam frutificar entre nós.

Devemos igualmente adoptar uma estratégia coerente de captação de talentos e de integração das comunidades de imigrantes. Portugal orgulha-se de ser um país tolerante e inclusivo, uma terra fraterna e multicultural, onde cidadãos de todo o Mundo podem trabalhar e viver de forma harmoniosa e pacífica. Importa aprofundar o esforço de integração das comunidades estrangeiras, no respeito pela sua diversidade e na partilha de valores comuns de que nunca abdicaremos: a liberdade e a democracia, a justiça e a tolerância.

Verifica-se, por outro lado, que muitos dos jovens que permanecem em Portugal não têm emprego. Outros encontram-se em situações de subemprego e emprego precário. São forçados a adiar as suas opções de vida, incertos quanto ao que o futuro lhes trará. Portugal, que enfrenta já um grave problema de natalidade, está, assim, a desperdiçar um outro activo fundamental, os seus jovens.

Não admira o desinteresse das novas gerações pela actividade cívica e política. Todos nós — e os agentes políticos, em particular — devemos reflectir muito seriamente sobre este fenómeno.

Só através de uma estratégia vocacionada para a criação de emprego qualificado será possível aumentar a confiança dos jovens nas instituições. Muitos sentem que foi em vão o investimento que fizeram na sua formação escolar e qualificação profissional. A manter esta situação, Portugal perde duplamente: por um lado, perde aquilo que já investiu na educação e qualificação dos seus jovens; por outro lado, desperdiça o contributo desses jovens para, com o seu talento e a sua iniciativa, ajudarem o País a regressar a uma trajectória sustentável de crescimento económico e criação de riqueza.

A mobilização cívica dos jovens — e dos cidadãos em geral — implica também um trabalho de credibilização das instituições e dos seus protagonistas. Ao fim de quatro décadas de democracia, os agentes políticos devem compreender, de uma vez por todas, que a necessidade de compromissos interpartidários é intrínseca ao nosso sistema político e que os Portugueses não se revêem em formas de intervenção que fomentam o conflito e a crispação e que colocam os interesses partidários de ocasião acima do superior interesse nacional.

Os Portugueses estão cansados da conflitualidade política em torno de questões acessórias e artificiais, quando devia existir união de esforços na abertura de perspectivas de futuro para as novas gerações, no combate ao desemprego e à pobreza, na melhoria da equidade na distribuição do rendimento, no apoio aos idosos.

Senhoras e Senhores Deputados,

Num contexto de dignificação das instituições, impõe-se desde logo uma atitude firme de combate à corrupção, um dos maiores inimigos das sociedades democráticas.

A corrupção tem efeitos extremamente graves no relacionamento entre os cidadãos e o Estado, diminuindo a confiança nas instituições e criando, em particular, a falsa ideia de que a generalidade dos agentes políticos ou dos altos dirigentes da administração não desempenham as suas funções de forma transparente, ao serviço exclusivo da comunidade. É desta falsa percepção que se alimentam os populismos e se abre a porta à demagogia.

Para além do mais, a corrupção põe em causa um dos elementos essenciais da vida colectiva: a coesão do tecido social.

Portugal possui importantes activos, sobretudo em comparação com muitos países congéneres da União Europeia. Um desses activos é, precisamente, a coesão social. Graças a ela, conseguimos atravessar um período de duros sacrifícios sem que se tenham verificado radicalismos e rupturas dramáticas, como sucedeu em alguns países da Europa do Sul.

Para mantermos a coesão social, é essencial que exista um empenho de todos no combate à corrupção. Numa República de cidadãos iguais, ninguém está acima da lei.

Neste contexto, um desafio que temos de enfrentar é o da promoção de uma política de Justiça centrada na defesa do interesse colectivo e dos direitos individuais. Só através de uma Justiça credível, célere e eficaz Portugal pode afirmar-se como um Estado de direito consolidado, uma sociedade meritocrática de cidadãos livres e iguais. Têm sido aprovadas reformas do nosso sistema de justiça que só obterão plenos resultados se envolverem de forma activa os agentes do aparelho judiciário, os magistrados que conhecem de perto a realidade dos tribunais. Estou certo de que este é um domínio onde será possível encontrar consensos interpartidários capazes de conferir estabilidade às reformas de fundo já introduzidas ou que entretanto venham a ser apresentadas.

É bem sabido que os atrasos do sistema de justiça, além de lesarem direitos e expectativas legítimas dos cidadãos, representam um dos factores determinantes da menor atractividade do investimento, prejudicando o dinamismo e a competitividade da nossa economia.

Também no domínio da Administração Pública, apesar da modernização tecnológica e do avanço na prestação de serviços digitais, subsistem ainda factores que dificultam a atracção do investimento e a iniciativa das empresas. Infelizmente, o debate sobre a reforma do Estado tem sido colocado num terreno de combate ideológico, em que se esgrimem argumentos que, em concreto, pouco contribuem para aquilo que todos desejamos: uma Administração independente, imparcial e próxima dos cidadãos, dimensionada de acordo com a provisão eficiente dos bens e serviços de natureza pública, com funcionários qualificados e com dirigentes escolhidos exclusivamente pelo seu mérito.

A Administração Pública tem de ser competitiva no mercado de trabalho, de modo a recrutar, motivar e manter nos seus quadros os recursos humanos aptos a desempenhar as funções de grande responsabilidade que lhe são exigidas.

Os Portugueses reconhecem no Estado Social o modelo que lhes trouxe importantes benefícios em domínios como a Saúde e a Educação, a Segurança Social e a Cultura. O Estado Social é uma das maiores realizações da nossa democracia. É uma área em que o debate e o consenso sobre o seu futuro se impõem. Não se trata de diminuir a protecção social dos cidadãos que dela necessitam, mas sim de garantir a sustentabilidade do sistema num horizonte temporal alargado e de aumentar a eficiência, a equidade e a qualidade dos serviços prestados.

Em boa medida, a qualidade da democracia depende da qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos. O modo como estes percepcionam e avaliam a acção dos governantes, dos agentes políticos, das forças partidárias, depende muito do relacionamento quotidiano que mantêm com a Administração Pública. Nesse sentido, melhorar a eficiência do Estado é também contribuir para a qualidade da democracia e para o prestígio da classe política.

Senhoras e Senhores Deputados,

Ao fim de quarenta anos de democracia, é notável aquilo que alcançámos. Não só construímos um país democrático e livre, respeitado na cena internacional, como edificámos uma sociedade mais solidária e mais inclusiva.

Mas estamos insatisfeitos. Somos ambiciosos, queremos um futuro melhor.

Ambicionamos um Portugal mais justo, uma economia mais dinâmica e competitiva, uma educação de excelência e um Serviço Nacional de Saúde sustentável e de qualidade.

Em quatro décadas de democracia, os cidadãos viram significativamente melhorados a qualidade e o acesso à educação e aos cuidados de saúde. Portugal possui actualmente cientistas e investigadores que ombreiam com os melhores. Os progressos tecnológicos na detecção e tratamento da doença estão ao nível dos registados nos países mais desenvolvidos. O sucesso no combate à mortalidade infantil é uma referência mundial.

A excelência na educação, o desenvolvimento de competências ao longo da vida e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde permanecem, no entanto, como grandes desafios que devem mobilizar a Assembleia da República na próxima legislatura.

O futuro do Serviço Nacional de Saúde português não pode ser encarado apenas na sua dimensão financeira. O investimento na saúde da população é uma fonte de criação de riqueza que não pode ser desperdiçada. É, acima de tudo, um imperativo de justiça e de salvaguarda da dignidade humana.

O relatório da Fundação Calouste Gulbenkian “Um futuro para a Saúde” fornece uma base informada e objectiva para o estabelecimento do pacto político e social para a próxima década que este sector exige.

Senhoras e Senhores Deputados,

Um tema constante dos meus mandatos, o da estratégia nacional para o mar, entrou definitivamente na agenda política.

Destaco, nesta ocasião, o largo consenso alcançado nesta Assembleia na aprovação da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional e os desenvolvimentos operados nos sectores portuário e de transformação de pescado, pelo seu contributo para o aumento das exportações.

Apesar dos avanços, há um grande potencial da economia do mar ainda por explorar e um desafio político da maior relevância que importa enfrentar na próxima legislatura: a adopção de uma governação verdadeiramente integrada dos assuntos do mar. Há que assegurar uma articulação eficiente de todos os assuntos do mar, independentemente da tutela governativa em que se situem, de modo a garantir a realização da estratégia definida para o sector.

Noutro domínio, de grande importância, tornou-se evidente a necessidade de garantir a segurança dos cidadãos face a novas ameaças transnacionais, a que devemos dar resposta através da afirmação dos nossos valores e princípios, mas também com recurso a meios preventivos e repressivos. Portugal é uma sociedade aberta e tolerante. Para continuar assim, tem de rejeitar com firmeza os extremismos e ser intransigente com a violência e o terrorismo.

Um desafio premente que aqui se coloca é o de adequarmos a organização e o funcionamento de todas as estruturas que compõem o nosso sistema de segurança nacional às exigências que decorrem destes novos perigos, que não se fazem anunciar e que não conhecem fronteiras.

Ainda que num plano claramente distinto, a violência não se manifesta apenas através da força física e das armas. Temos assistido, no debate público em Portugal, a um nível de crispação e de agressividade verbal que, muitas vezes, não hesita em extravasar da controvérsia de opiniões para os ataques e os insultos de carácter pessoal.

Numa democracia amadurecida, o debate informado e a diversidade de opiniões são valores fundamentais. Valores que, no entanto, correm o risco de serem obscurecidos e relegados para um plano secundário se se mantiver a tendência para recorrer às querelas estéreis, à calúnia e à difamação como instrumentos de combate político. Aí, não estamos já no campo da divergência de opiniões; pelo contrário, aos olhos dos cidadãos, a salutar diversidade de ideias perder-se-á e o debate público sairá empobrecido.

A violência verbal, amplificada pelo ruído mediático, afasta os cidadãos da vida da República, fomenta o desinteresse cívico, corrompe a confiança dos Portugueses nas suas instituições. Apelo, pois, aos Deputados, representantes do povo, desta legislatura e da que irá iniciar-se no final deste ano, a que contribuam, pela força do seu exemplo, para a elevação do debate público e para a qualidade da democracia em Portugal.

Só deste modo, através do diálogo e do consenso, será possível alcançar os compromissos imprescindíveis para garantir a estabilidade política e a governabilidade do País e para enfrentar com êxito os desafios que o futuro nos coloca.

Só através do compromisso entre as forças democráticas foi possível aprovar a Constituição da República e concretizar muitos dos sonhos de Abril.

Senhora Presidente da Assembleia da República,
Senhoras e Senhores Deputados,

Olhando para o mapa da Europa, Portugal surge como um país pequeno e periférico. Mas, por vezes, as aparências são enganadoras. Somos dos países com maior nível de coesão social da União, possuímos laços privilegiados de amizade com vários povos do Mundo, a nossa língua é falada por milhões de seres humanos. Além de tudo isso, somos o espaço onde a Europa se abre ao Atlântico. O mar projecta-nos e engrandece-nos, coloca-nos no centro do planeta.

No mapa do Mundo — e já não do continente europeu — Portugal não se encontra na periferia. Pelo contrário, ocupa um lugar central. No tempo da globalização, em que as geografias se reconstroem continuamente com apoio na tecnologia e nas novas formas de comunicação, é para o mapa do Mundo que devemos olhar. Aí, observando o Mundo inteiro, Portugal encontra-se no fulcro da contemporaneidade.

Fomos pioneiros há quinhentos anos, quando tirámos partido da nossa proximidade ao oceano para descobrirmos novos mundos.
Fomos pioneiros há quarenta anos, quando a revolução de Abril iniciou uma vaga de democratização que se estendeu a vários países da Europa: primeiro, no Sul; depois, no bloco de Leste.
Não tivemos medo do desconhecido, quer no tempo das Descobertas, quer no dia 25 de Abril.

Também hoje os Portugueses não devem ter medo do tempo em que vivem. Enfrentamos grandes desafios, sem dúvida. Mas a História revelou que foi sempre nessas alturas que mostrámos ser mais fortes e mais corajosos.

No dia 25 de Abril, devemos celebrar a esperança.
Foi a esperança de um tempo novo que deu ânimo e coragem aos militares que derrubaram a ditadura.
É a esperança de um futuro melhor que nos deve juntar todos em nome de Portugal e dos Portugueses.

Muito obrigado."


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