domingo, 19 de agosto de 2012

Julian Assange luta pela liberdade de expressão


Dizem que Julian Assange é um anarquista. Não apoiamos essa causa.
Mas o motivo da perseguição que os governos dos EUA e do Reino Unido lhe estão a mover é outro: a WikiLeaks — a organização fundada por Assange para lutar contra a corrupção — publicou telegramas secretos enviados pelas embaixadas dos EUA para a administração norte-americana.

Dizia-se que a divulgação do conteúdo desses telegramas ia pôr em perigo a segurança das democracias europeias, norte-americana, canadiana, australiana, ... , enfim, do mundo ocidental.
Nada mais falso.

Nos telegramas relativos a Portugal, o que descobrimos foi a mentira e a hipocrisia de políticos e de banqueiros que vinham a público dizer que defendiam o interesse do nosso País mas iam à embaixada dos EUA, em Lisboa, adular, bajular e comprometer-se na defesa de interesses norte-americanos.
Foi o caso de Santos Ferreira, CEO do Millenium BCP, que se dispôs a fornecer informações sobre os negócios dos clientes iranianos propondo-se trair a confiança depositada por estes naquela instituição bancária.
Foi o caso dos aviões militares que cruzaram o espaço aéreo nacional transportando prisioneiros afegãos para a base naval americana de Guantánamo, em Cuba.

A divulgação dos telegramas mostrou que é preciso transparência na vida política e que as relações entre organizações ou entre países devem seguir um código de ética.
Que as empresas se devem afirmar pela competência dos gestores e dos trabalhadores anónimos, e as nações pela credibilidade dos seus políticos, pelo mérito dos cientistas e pelo trabalho dos cidadãos, não por subserviências ou trafulhices combinadas nos corredores escusos do poder político e económico.

Foi prepotente e excessiva a ameaça do Reino Unido de invadir a embaixada do Equador, em Londres, como resposta à concessão de asilo político a Assange por aquele País.


Merece, portanto, uma leitura a declaração do fundador da WikiLeaks proferida na varanda da embaixada do Equador. Muito equilibrada, sem extremismos, demonstrando sem gritaria a perseguição que lhe está a ser movida pelo governo britânico e pedindo — não exigindo, como se tornou habitual entre os radicais de esquerda — ajuda para a luta da WikiLeaks contra a corrupção.

Recorde-se que uma equipa internacional de causídicos chefiada pelo jurista e antigo juiz espanhol Baltasar Garzón, mundialmente conhecido pela sua luta contra a corrupção político-económica, já aceitou defender Julian Assange nos processos que lhe foram movidos.


19 de Agosto de 2012


Segue-se o texto integral da declaração:

Estou aqui porque não posso estar mais perto de vós.

Agradeço-vos por estardes aqui.

Agradeço a vossa determinação e generosidade de espírito.

Na noite de quarta-feira, depois de uma ameaça que foi enviada para esta embaixada e da polícia ocupar o edifício, vós viestes no meio da noite para observar e trouxestes os olhos do mundo convosco.

Dentro da embaixada, depois de escurecer, eu podia ouvir as equipas de polícias que se apinhavam no prédio através da escada de incêndio interior.

Mas sabia que haveria testemunhas.

E isso é por causa de vós.

Se o Reino Unido não deitou fora as Convenções de Viena nessa noite, foi porque o mundo estava a assistir.

E o mundo estava a assistir porque vós estáveis a assistir.

A próxima vez que alguém vos disser que é inútil defender os direitos que nos são caros, lembrai-lhes a vossa vigília no escuro, do lado de fora da Embaixada do Equador, e como, de madrugada, o Sol apareceu num mundo diferente, e uma nação latino-americana corajosa se pôs do lado da justiça.

E portanto, para aquelas pessoas corajosas:

Agradeço ao Presidente Correa a coragem que demonstrou ao considerar e conceder-me asilo político.

E agradeço ao governo e ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Ricardo Patiño, que têm defendido a constituição equatoriana e a sua noção de direitos universais na consideração do meu caso.

E ao povo equatoriano por apoiar e defender a sua constituição.

E tenho uma dívida de gratidão para com o pessoal desta embaixada cujas famílias vivem em Londres e que me têm demonstrado hospitalidade e afabilidade, apesar das ameaças que receberam.

Nesta sexta-feira haverá uma reunião de emergência dos ministros dos Negócios Estrangeiros da América Latina em Washington DC para resolver esta situação.

E estou grato ao povo e aos governos da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Peru, Venezuela e de todos os outros países latino-americanos que vieram defender o direito de asilo.

Às pessoas dos Estados Unidos, Reino Unido, Suécia e Austrália, que me apoiaram em força enquanto os seus governos não. E para aquelas cabeças mais sábias no governo que ainda estão a lutar pela justiça. Um dia será a vossa vez de governar.

À equipa, apoiantes e fontes do WikiLeaks cuja coragem, empenho e lealdade nunca vi nenhuma igual.

À minha família e aos meus filhos a quem tem sido negado o pai: perdoem-me. Reunir-nos-emos em breve.

Tal como a WikiLeaks está sob ameaça, assim está a liberdade de expressão e a saúde das nossas sociedades.

Temos de usar este momento para estruturar a escolha que se apresenta ao governo dos Estados Unidos da América.

Será que vai regressar às origens e reafirmar os valores sobre os quais foi fundado?

Ou será que se vai balançar no precipício arrastando todos nós para um mundo perigoso e opressivo em que os jornalistas se calam sob o medo de serem processados e os cidadãos têm de sussurrar no escuro?

Declaro que deve voltar.

Apelo ao Presidente Obama para tomar a decisão correcta.

Os Estados Unidos devem renunciar à caça às bruxas contra a WikiLeaks.

Os Estados Unidos devem dissolver esta investigação do FBI.

Os Estados Unidos devem prometer que não vão procurar processar a nossa equipa ou os nossos apoiantes.

Os Estados Unidos devem empenhar-se perante o mundo que não vão perseguir os jornalistas por porem um foco de luz sobre os crimes secretos dos poderosos.

Não deve haver mais conversa insensata sobre processar qualquer organização dos media, seja a WikiLeaks ou o New York Times.

A guerra do governo dos EUA contra os denunciadores deve acabar.

Thomas Drake, William Binney, John Kirakou e os outros heróicos denunciadores norte-americanos devem — devem — ser perdoados e compensados pelas dificuldades que sofreram como funcionários do serviço público.

E o soldado que permanece numa prisão militar em Fort Leavenworth, Kansas, que a ONU descobriu ter sofrido meses de detenção torturante em Quantico, Virgínia, e que ainda está — após dois anos de prisão — à espera de julgamento, deve ser libertado.

E se Bradley Manning realmente se comportou como é acusado, é um herói, um exemplo para todos nós e um dos principais prisioneiros políticos mundiais.

Bradley Manning deve ser libertado.

Na quarta-feira, Bradley Manning passou o 815º dia em detenção sem julgamento. O máximo legal é 120 dias.

Na quinta-feira, o meu amigo Nabeel Rajab foi condenado a 3 anos de prisão por causa de um tweet.

Na sexta-feira, uma banda russa foi condenada a 2 anos de prisão por causa de um espectáculo activista.

Há unidade na opressão.

Deve haver unidade absoluta e determinação na resposta.


*


Actualização em 5 de Fevereiro de 2016

O grupo de trabalho do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU considerou esta sexta-feira que a detenção de Julien Assange, em Dezembro de 2010, pela Suécia e Reino Unido, foi "arbitrária" e reclamou uma indemnização para o detido.

"O grupo de trabalho considerou que o Sr. Assange foi submetido a várias formas de privação de liberdade: detenção inicial na prisão de Wandsworth, que foi seguida de [550 dias de] prisão domiciliária e refúgio na embaixada do Equador", afirma o comunicado divulgado por aquele Alto Comissariado, onde se garante também que a decisão é "legalmente vinculativa", ao contrário do que defende o ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido.


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