"13 Agosto 2012 | 23:30
João Pinto e Castro — jpcastro@ology.pt
A cada dia que passa se torna mais evidente que sem crescimento económico é impossível controlar duradouramente o défice e estancar o endividamento. Tudo o resto é fantasia.
Mais gente acredita que há muito desperdício na gestão dos recursos públicos do que no milagre de Fátima, e é sem dúvida fundada essa crença. Vai daí, quase toda a gente supõe também que a sua eliminação não só é fácil como prontamente garantiria o equilíbrio das contas públicas. Ora, aí, já a opinião pública está a entrar no reino da fantasia.
Se, para o cidadão comum, sem outra referência que o seu magro salário, uma despesa de um milhão de euros é uma quantia mirabolante, que diremos então de um milhar de milhão? Ora, como qualquer rubrica dos gastos públicos se mede na escala dos muitos milhões, percebe-se a dificuldade que esse mesmo cidadão tem em entender a sua relevância relativa à escala do país como um todo.
Quase todas as pessoas que conheço, incluindo muitas dotadas de razoável instrução económica, estão persuadidas de que não só as Parcerias Público-Privadas (PPP) são responsáveis por uma grossa fatia da despesa nacional, como a sua renegociação permitiria de facto evitar sacrifícios adicionais à população. Daí a sua surpresa quando são informadas de que os encargos líquidos anuais do Estado com as PPP se ficam pelos 0,3% do PIB, o que corresponde a uma pequena parcela do investimento público médio anual nas últimas décadas.
Resulta daqui evidente a ilusão de que a muito badalada renegociação das PPP poderá contribuir para uma redução considerável do défice. E note-se ainda que, se, em alternativa à renegociação, se optar pelo lançamento de uma sobretaxa adicional, dificilmente se poderá esperar um ganho superior a 0,04% do PIB.
Seria de supor que estas constatações bastassem para pôr cobro à cruzada demagógica pela eliminação das "gorduras do estado". Em vez disso, o governo optou há dias por uma nova caçada aos gambozinos, agora centrada nos encargos com as transferências para as fundações.
Segundo o levantamento efectuado, quase metade dos encargos do estado teriam sido encaminhados para a "fundação do Magalhães", mas sucede que, provindo eles de contribuições das operadoras de telecomunicações que não podiam ter outro destino, não custaram afinal um cêntimo aos contribuintes. Como o grosso das transferências para fundações correspondem na verdade ao financiamento público do ensino superior, conclui-se que, além de os cortes possíveis se reduzirem a algumas dezenas de milhões de euros anuais (estamos outra vez na escala dos 0,01% do PIB), o essencial deles incidirá no financiamento de actividades culturais. Compreende-se: se os Mirós da colecção do BPN vão ser leiloados, que fica cá a fazer a Paula Rego?
Uma outra variante de fantasia orçamental — esta mais popular à esquerda — imagina que o défice se curaria milagrosamente com um imposto extraordinário sobre as grandes fortunas. É facto que algumas pessoas detêm colossais rendimentos e patrimónios e que o nosso injusto sistema fiscal não os taxa como deveria. O problema é que, sendo essas pessoas muito poucas, não se pode esperar daí a salvação da pátria.
Imagine-se, por absurdo, que em vez de taxar as grandes fortunas, se optava antes por expropriar o património dos vinte e cinco portugueses mais ricos, recentemente avaliado em 14,4 mil milhões. Parece (e é) muito dinheiro, mas a sua comparação com o PIB nominal português, que presentemente ronda os 180 mil milhões de euros, mostra que o impacto sobre as finanças públicas de uma medida tão extrema e tão difícil de aplicar se esgotaria num ano.
Em resumo, não se atinge o equilíbrio orçamental com passes de mágica. É justo que quem mais tem mais contribua para o aumento das receitas do Estado — o que decerto não tem acontecido —, mas não é por aí que se consegue a redução de 6 mil milhões de euros pretendida para 2013. Por outro lado, é importante que o estado use melhor os recursos colocados à sua disposição, mas ganhos de eficiência consistentes só se conseguem com trabalho sistemático, persistente e demorado, não com cortes precipitados ou com motivações obscuras. Se isso fosse fácil de fazer, decerto já estaria feito.
Já é suficientemente mau que uma gestão inepta das finanças públicas esteja a conduzir ao empobrecimento geral da população, da humilhação da classe média e da destruição de capacidade produtiva. Pior ainda, há sinais preocupantes de que iniciativas precipitadas impulsionadas por fanatismo ideológico e demagogia cega camufladas de combate às "gorduras do estado" estão a criar uma Administração Pública mais rígida, mais incompetente e mais ineficiente do que aquela que já tínhamos.
A cada dia que passa se torna mais evidente que sem crescimento económico é impossível controlar duradouramente o défice e estancar o endividamento. Tudo o resto é fantasia. Quando essa verdade for finalmente aceite, teremos perdido anos e destruído recursos e boa vontade numa escala sem precedentes.
Director-geral da Ology e docente universitário"
Kurrusivo 14 Agosto 2012 - 15:08
Bom artigo. Como sempre realista.
Mas JP Castro "esqueceu-se" de dizer afinal onde deve o Estado cortar, já que as "gorduras" afinal são peanuts...
Eu penso que não será neste momento possível (sem por em causa a própria estrutura do Estado/sociedade) fazer cortes que rendam milhares de milhões. Só pequenas (mas muitas, muitas, muitas) melhorias de eficiência de processos, de redução de papéis, vistos, licenças e outras burocracias, de gestão de recursos humanos, informatização dos serviços, etc, será possivel reduzir de forma séria e sustentada os gastos excessivos e, consequentemente, o deficit. Ou seja, a redução dos custos de operação será sustentada por uma redução dos funcionários que deixam de ser necessários devido aos ganhos de eficiência.
Como a redução de número de funcionários não interessa a ninguém (excepto ao contribuinte), o processo de melhoria de eficiência nunca arranca... Até ao dia que os Alemães ou Finlandeses cortem o financiamento deste circo. Depois, até os palhaços são mestres do trapézio!
Ricardo 14 Agosto 2012 - 16:06
Grão a grão
Pois o autor comete um erro comum, o de achar que não vale a pena olhar para as pequenas categorias de despesa. O facto é que um trabalho sistemático de poupança em pequenas categorias pode trazer enormes poupanças.
Felizmente, é esse o trabalho que o governo está a fazer. O problema é que esse é um trabalho exaustivo e demorado. Mas essencial de fazer não só agora, mas recorrentemente. É assim que as empresas especializadas em lean management, como a Toyota, fazem.
dis aliter visum 16 Agosto 2012 - 17:17
Grão a grão
Os apoios financeiros públicos recebidos pelas fundações não IPSS ascenderam a 817 milhões de euros no triénio 2008-2010.
A este montante acrescem 458 milhões de euros referentes a apoios financeiros públicos a fundações públicas de direito privado, abrangidas pelo regime jurídico das instituições de ensino superior.
Portanto fica claro que as fundações não IPSS — mesmo retirando as fundações públicas de direito privado que gerem instituições do ensino superior — recebem 272 milhões de euros/ano, em média, de apoios financeiros públicos.
O governo pretende cortar-lhes 200 milhões de euros/ano.
Espera-se que todos os portugueses dêem força ao governo para alcançar este resultado. Atendendo a que a estimativa do PIB é 171 mil milhões, no ano passado, — comparar dados do Banco de Portugal com os do FMI —, e ainda será menor no ano corrente pois estamos em recessão, estamos a falar de 0,12% do PIB.
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