segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Governantes tinham mais de 1 milhão de euros no GES


Há 16 governantes, entre ministros e secretários de Estado, que assistiram com particular atenção ao desmoronar do império Espírito Santo. Alguns são accionistas de empresas que faliram, uma tem depósitos acima de 100 mil euros no banco do grupo.

Ao longo do passado mês de Julho, uma após outra, as holdings do Grupo Espírito Santo (GES) apresentaram o pedido de gestão controlada no Luxemburgo, onde estavam sediadas. A primeira foi a ESI, a holding de topo do grupo, no dia 18, quatro dias depois a Rioforte — holding da área não financeira — e no dia 24 fora a vez do Espírito Santo Financial Group — holding da área financeira que detinha 20,1% do BES — a fazer o pedido de protecção de credores.
Após as autoridades daquele país terem rejeitado, no corrente mês de Outubro, o pedido de gestão controlada, as holdings entraram em falência e o GES desmonorou-se.

Quando se reuniu na quinta-feira 31 de Julho, o Conselho de Ministros tinha um diploma muito importante na agenda: o DL 114-A/2014. Este diploma pretendia alterar o “enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento”, fazendo mais uma transposição de legislação comunitária. Foi assinado pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, pelo secretário de Estado adjunto e do Orçamento, Hélder Reis, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete.

Na véspera, a cotação de fecho das acções do BES fora 34,7 cêntimos e, ao fim da noite, o banco anunciou um prejuízo de 3,6 mil milhões de euros no primeiro semestre. A cotação de abertura, nessa quinta-feira, foi 22,5 cêntimos.
No dia seguinte, a cotação sofreu quedas sucessivas e, pouco depois das 15:00, desceu a pique até aos 10,1 cêntimos. Às 15:42, as acções cotavam a 12 cêntimos: face a uma desvalorização de 65% em dois dias, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) suspendeu a negociação sine die.

Dos três governantes que assinaram o decreto, apenas Machete tinha, segundo a sua declaração de rendimentos depositada no Tribunal Constitucional, alguns milhares de euros investidos no GES.
Outros 15 membros do Governo estavam expostos ao grupo liderado por Ricardo Salgado, conforme indicado na tabela seguinte. O único que se libertou, a tempo, foi António Pires de Lima, ministro da Economia. Quando chegou ao Governo, em Julho de 2013, num gesto de transparência, deu ordem aos seus bancos para “alienar todos os títulos de acções portuguesas”, tendo vendido 80.433 acções do BES por cerca de 70 mil euros.





Esta semana dramática terminou no domingo 3 de Agosto, quando o Conselho de Ministros voltou a reunir-se, agora por videoconferência, para aprovar um novo diploma que completou o anterior: o DL 114-B/20014.

O primeiro decreto-lei procede a um ordenamento das perdas, assegurando que os primeiros a sofrê-las serão os accionistas, seguidos pelos credores (com obrigações subordinadas, por exemplo), enquanto o segundo regulamenta os bancos de transição — precisamente o estatuto que viria a ser aplicado a parte do BES pelo governador do Banco de Portugal e que foi anunciado ao País por Carlos Costa na noite de domingo.

Os dois diplomas transpõem a legislação comunitária, cuja entrada em vigor estaria prevista para o início de 2015, com o mecanismo único de resolução para os bancos sujeitos à supervisão europeia a ser introduzido apenas em 2016.
A legislação comunitária estabelece, porém, um limite a partir do qual até os depositantes ficam sujeitos a perdas: 100 mil euros. Como explica o site do Parlamento Europeu, “a Directiva Sistemas de Garantia de Depósitos [de Março de 2014] fixa em 100.000 euros o limite de proteção dos depositantes. Exige também que a proteção abranja montantes superiores, caso existam saldos temporariamente elevados resultantes, por exemplo, de vendas imobiliárias”. Na legislação portuguesa todos os depositantes foram defendidos.

A imposição de perdas aos depositantes com mais de 100 mil euros num banco deve ser aplicada apenas como último recurso, isto é, após a responsabilização de accionistas e credores, explicou uma fonte de Bruxelas ao Público.

No caso do BES, os depósitos foram salvaguardados seja qual for o montante, com uma excepção importante: os accionistas com mais de 2% do capital e os seus familiares.
Se se tivesse optado por um processo de resolução bancária como o que foi aplicado em Chipre há um ano, o Governo teria deixado os depósitos acima dos 100 mil euros no BES. Em Chipre, essa decisão foi tomada por haver muitos depósitos de clientes estrangeiros, na maioria russos, acima desse valor.
Havia um único membro do Governo com depósitos acima de 100 mil euros no BES.

Também foram salvaguardadas as carteiras de activos depositadas no BES que eram compostas por acções e demais títulos de outras entidades. Carlos Moedas, então secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, tinha uma dessas carteiras no valor de 133.527,42 euros. Agora actualizou a sua declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, aparecendo já como cliente do Novo Banco.

O Público contactou todos os 16 membros do Governo para saber se tinham vendido ou transferido acções e verbas entre o momento da declaração pública de rendimentos depositada no Tribunal Constitucional e a resolução do BES.
Apenas dois responderam. Nuno Brito afirmou que as suas obrigações da ESFG “foram adquiridas em 2009, não tendo existido qualquer transação ou movimentação até à data”. Miguel Morais Leitão, secretário de Estado adjunto do vice-primeiro-ministro Paulo Portas, mantém as 3091 acções do BES, tendo acrescentado que “numa situação como a actual qualquer accionista é passível de incorrer em perdas”.

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Esta é uma notícia do Público para deixar no ar a suspeita de que o actual Governo optou por salvar os depósitos no BES acima de 100 mil euros, ao arrepio de directrizes comunitárias, porque seis membros do governo eram atingidos. Mas o tiro saiu pela culatra: a lista de membros do Governo expostos ao GES, publicada pelo mesmo jornal, mostra que só os depósitos de Isabel Castelo Branco ultrapassavam aquele limite.

Os governantes tinham mais de 1 milhão de euros no GES. Até mais de milhão e meio. Mas só conseguiram salvar os depósitos — cerca de 500 mil euros — e as carteiras de acções de empresas que não pertenciam ao grupo. Os investimentos em acções e outros títulos de empresas do GES estão perdidos.

Alguns comentadores do jornal perceberam o objectivo do artigo:

Henrique Costa
Coimbra 27/10/2014 11:11
Sempre foi melhor que a solução defendida pelos partidos da extrema esquerda que querem nacionalizar o banco e assim poupar até os accionistas...
O artigo baseia-se numa só decisão para levantar a suspeita: a não utilização do tecto dos 100 mil euros. Agora, o BES tinha dinheiro para garantir todos os depósitos, porque é que não o deveria fazer?
Para castigar meia dúzia de governantes que não tiveram nada a ver com a gestão do BES e ao mesmo tempo castigar muitos outros depositantes pelo país? Para deixar feliz quem? A oposição com certeza.
Parece-me que o Público está mais a fazer a notícia que a relatar!

M. Miranda
Engenheiro Civil, Porto 27/10/2014 11:50
Será que quem vier a ocupar um cargo no governo tem de vender acções, títulos, obrigações e levantar todos os depósitos aplicados em bancos portugueses? E já agora, porque não os deputados e os autarcas?
Mas não é que há uma lei (por acaso, ou talvez não, incumprida inúmeras vezes) que obriga os detentores de cargos públicos a participarem todo o seu património quando os assumem e depois quando saem?
Discordo em absoluto da forma com que a notícia é apresentada.


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