domingo, 16 de novembro de 2014

A demissão do ministro da Administração Interna


O director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Manuel Jarmela Palos, o presidente do Instituto dos Registos e Notariados (IRN), António Figueiredo, e a secretária-geral do Ministério da Justiça (MJ), Maria Antónia Anes, foram detidos nesta quinta-feira na sequência de uma investigação sobre a atribuição de vistos gold.



13/11/2014 - 14:36

Além de outros funcionários do IRN, também foram detidos três cidadãos chineses ligados a empresas que apoiam as atribuições de autorização de residência para investimento (ARI), mais conhecidas por "vistos gold". Em causa estarão comissões cobradas ilegalmente na concessão desses vistos.
Os detidos, no total de 11, são suspeitos de terem cometido crimes de corrupção, tráfico de influências, peculato e branqueamento de capitais.

No âmbito da Operação Labirinto, que mobilizou 200 inspectores da Polícia Judiciária (PJ) em todo o país, foram realizadas 60 buscas nesta quinta-feira, principalmente no IRN e em instalações dos ministérios da Administração Interna, da Justiça e do Ambiente. A sede do SEF em Porto Salvo, Oeiras, foi um dos alvos de buscas, assim como a sua Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, e a do Alentejo.

A PJ fez também buscas na Secretaria-Geral do ministério do Ambiente chefiada por Albertina Gonçalves.
Os inspectores chegaram a este ministério de manhã cedo, aguardaram pela chegada de Albertina Gonçalves e acompanharam-na ao escritório de advogados do qual é sócia, tal como o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo. No início da tarde, a PJ regressou ao ministério, tendo efectuado buscas no gabinete de Albertina Gonçalves durante quatro horas.
A secretária-geral ficou como arguida e pediu a demissão. Na sexta-feira aquele ministério anunciou a nomeação de Alexandra Carvalho para o cargo.

Sob investigação estará também uma empresa onde a filha do presidente do IRN, Ana Luísa Oliveira Figueiredo, tem uma quota de 20%. A Golden Vista Europe tem o objectivo da comercialização de automóveis, prestação de serviços de documentação e de serviços de formação e ensino para jovens nacionais e estrangeiros; e actividades agro-pecuárias, florestais e piscatórias. Todas estas actividades são habitualmente requisitadas pelos detentores dos vistos gold.
António Figueiredo garantiu ao Público, em Junho, que a empresa sediada em Cascais não teve qualquer actividade desde que foi criada em Outubro do ano passado. O sócio gerente Carlos Oliveira confirmou, porém, que a firma fora constituída para vender imóveis aproveitando a lei dos vistos gold, embora não tivesse transaccionado ainda qualquer casa.
Além de Ana Luísa e de Carlos Oliveira (0,01%), a Golden Vista Europe tem como sócios-gerentes dois cidadãos chineses — Zhu Baoe (20%), com residência na sede da empresa, em Cascais, que está ligada à Pyramidpearl, uma empresa de investimentos imobiliários, e Zhu Xiaodong (20%), com residência nas ilhas Baleares — e ainda João Miguel Duarte Martins (20%) e Tiago Luís Santos Oliveira (19,99%).

Ana Luísa Figueiredo, Miguel Macedo, o antigo líder do PSD Luís Marques Mendes e o sócio-gerente Jaime Couto Alves Gomes, partilharam quotas de igual valor na empresa de consultoria e gestão de empresas JMF – Projects & Business, com sede em Lisboa.
Constituída em 2009, esta empresa não apresentou movimentos contabilísticos em 2009 e 2010, tendo registado despesas no valor de 2588 euros, em 2012, e 302 euros em 2013. Nunca realizou vendas. O objecto social da empresa inclui ainda a prestação de serviços nas áreas de estratégia empresarial, orientação e assistência operacional a empresas, assim como a importação e exportação de bens e serviços, distribuição e representação de marcas, bens e serviços, de âmbito nacional e internacional.
Mas Miguel Macedo vendeu a sua quota na JMF a Jaime Gomes em Junho de 2011, mês em que foi para o governo.

O Relatório Anual de Segurança Interna de 2013 referia já no capítulo dedicado às orientações estratégicas para 2014 que “ainda no corrente ano” seriam adoptados “novos procedimentos” para assegurar que, mesmo após a concessão de ARI, se avaliava, “com regularidade, a inexistência de situações que, pela sua relevância criminal”, pudessem “obstar à manutenção da autorização concedida”.
Até então, o registo criminal dos candidatos aos vistos gold apenas era exigido na altura da concessão da autorização de residência. A detenção pela PJ de um cidadão chinês a quem tinha sido atribuído um visto gold, na sequência de um mandado de captura internacional emitido pela Interpol a pedido das autoridades chinesas, revelou fragilidades na atribuição destes vistos.
A investigação deste caso mostrou que a compra de casas de valor superior a 500 mil euros ou a transferência, para Portugal, de capitais de valor igual ou superior a 1 milhão de euros era, frequentemente, apenas um meio para obter autorização de residência por mais de seis anos e viajar pelo espaço europeu.

Estas detenções ocorrem durante uma guerra interna entre ministérios, a propósito das competências de investigação das diferentes polícias. O ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, defendia a tese de uma polícia única integrando o SEF. A ministra da Justiça desistiu da proposta de lei que restringia a realização de escutas telefónicas à PJ e que foi na quinta-feira ao Conselho de Ministros. Inicialmente a proposta previa que SEF, PSP e GNR deixariam de ter esse poder que mantêm há vários anos.
Paula Teixeira da Cruz defendeu que “qualquer pessoa que ponha em causa uma instituição deve imediatamente apresentar o seu pedido de demissão ou de suspensão de funções”.

Manuel Palos foi nomeado director do SEF por António Costa, quando este era ministro da Administração Interna (Março de 2005 – Maio de 2007) no primeiro governo de José Sócrates. E foi reconduzido pelo ministro Rui Pereira, sucessor de Costa naquela pasta quando este foi para a câmara municipal de Lisboa.

Em Agosto de 2005, na abertura da Universidade de Verão do PSD em Castelo de Vide, Miguel Macedo, então secretário-geral do PSD liderado por Marques Mendes, defendeu a demissão do director do SEF depois deste manifestar discordância relativamente ao regime de quotas de entrada de imigrantes em Portugal, tendo dito: “A única solução é convidar o Governo a demiti-lo.”
Em Dezembro de 2012, já como ministro da Administração Interna, Miguel Macedo também reconduziu Manuel Palos à frente do SEF. Mas na cerimónia o ministro salientou querer que a tomada de posse assinalasse “o momento de viragem de página do SEF” e observou que havia aspectos a melhorar, como a intensificação da acção inspectiva e a melhoria do relacionamento dos cidadãos com o serviço. Estas afirmações foram interpretadas como descontentamento perante pressões atribuídas ao CDS para manter Manuel Palos no cargo.

Contudo o autor das presumidas pressões, Nuno Magalhães, actual líder da bancada centrista, e que tutelou o serviço de estrangeiros como secretário de Estado da Administração Interna nos governos Barroso e Santana Lopes, nega: “Não é verdade que eu ou o CDS tenhamos feito qualquer pressão para indicar qualquer director no âmbito do MAI [Ministério da Administração Interna] ou de qualquer outro ministério.” Mas acrescentou: “Se me pergunta se o dr. Manuel Palos foi, quando trabalhei com ele [2002-2005], um profissional dedicado, competente e sério, digo obviamente que sim.


15 Nov, 2014, 20:44

Começou este sábado o interrogatório dos detidos que estão a ser defendidos por advogados habituais em processos de corrupção. Manuel Palos, o director do SEF conhecido como o "senhor dez por cento", um funcionário do IRN e um dos cidadãos chineses já foram interrogados pelo juiz Carlos Alexandre do Tribunal Central de Investigação Criminal.


19:34 Domingo, 16 de novembro de 2014


Esta noite, numa declaração lida no Ministério da Administração Interna, Miguel Macedo afirmou que a sua autoridade enquanto governante ficou diminuída depois das investigações da Operação Labirinto e, por isso, havia apresentado um pedido de demissão:

A primeira palavra é para reafirmar publicamente o escrupuloso respeito pela separação de poderes e, portanto, pelas investigações que desde a passada quinta-feira são do domínio público. Num Estado de Direito democrático o que tiver que ser investigado deve ser investigado e quem eventualmente tenha infringido a lei deve ser responsabilizado pelos seus actos e comportamentos.

Em segundo lugar, quero dizer que não tenho qualquer intervenção administrativa no processo de atribuição de vistos e que pessoalmente nada tenho a ver com as investigações e o processo em curso, como de resto se infere da nota pública emitida pela Procuradoria-Geral da República.
Nesta, como noutras matérias, tenho pautado sempre a minha conduta pelo escrupuloso respeito da lei e da dignidade das instituições. Ou seja, pessoalmente não sou responsável por nada do que está em causa nestas investigações.

A terceira e última palavra é de natureza política. Apesar de não ter qualquer responsabilidade pessoal no que está a ser investigado, não desconheço que no plano político as coisas se passam de maneira diferente e são de natureza distinta os critérios da tomada de decisão.

O ministro da Administração Interna, pelas funções que exerce em áreas de especial sensibilidade e exigência, tem que ter sempre uma forte autoridade para o exercício pleno e eficaz das suas responsabilidades. É essa autoridade que, politicamente, entendo ter ficado diminuída e um ministro, nesta pasta, não pode ter nunca a sua autoridade diminuída.

Assim sendo, tomei a decisão de apresentar ao senhor primeiro-ministro o meu pedido de demissão das funções de ministro da Administração Interna, pedido esse que foi hoje aceite.

Esta é uma decisão com exclusivo fundamento nas minhas convicções pessoais e politicas e só a estas devo obediência. Não assumo, porque não tenho, qualquer culpa ou responsabilidade pessoal. Saio para defender o Governo, a autoridade do Estado e a credibilidade das instituições.

Só hoje concretizo a minha intenção inicial porque aceitei, entretanto, fazer a reponderação que generosamente me foi pedida pelo senhor primeiro-ministro. Também por essa razão quero agradecer publicamente ao senhor primeiro-ministro o apoio que sempre me dispensou ao longo destes últimos dias e ao longo destes mais de três anos de Governo.

Muito obrigado a todos.



*

Miguel Macedo é amigo próximo de António Figueiredo, um dos principais detidos no caso das comissões ilegais cobradas na atribuição dos vistos gold, foi sócio da JMF – Projects & Business, tendo vendido a sua quota ao sócio-gerente Jaime Gomes, outro detido, e é sócio da sociedade de advogados Miguel Macedo & Albertina Gonçalves. Apesar do envolvimento de pessoas com quem mantém relações de amizade e ligações empresariais, parece evidente que Miguel Macedo nada tem a ver com este caso de corrupção e peculato.

O seu pedido de demissão foi uma decisão tomada no plano político. Uma guerra de competências de investigação das diferentes polícias com a colega da pasta da Justiça em que o prato da balança pendeu para o lado desta quando a PJ, que ela tutela, desencadeou a Operação Labirinto. E, sobretudo, não soube, ou não pôde, afastar os corruptos do seu círculo de amigos e subordinados.
Fica por determinar a influência que terá tido o CDS-PP e Paulo Portas, o criador dos vistos dourados, no desenrolar desta história.

Perde Passos Coelho um colaborador competente e de confiança: o líder parlamentar que dirigiu a bancada social-democrata depois dele ter ganho as eleições internas no PSD a Paulo Rangel, considerado o herdeiro natural de Manuela Ferreira Leite pela facção cavaquista.


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