sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Carlos Moedas: facilis descensus Averno


Quando a sombra da falência já pairava sobre o Grupo Espírito Santo (GES), a família decide jogar a última cartada: um pedido de ajuda financeira ao Governo português através de mediadores.



17/10/2014 - 15:41


A 2 de Junho, sete semanas antes da detenção de Ricardo Salgado para interrogatório, os cinco ramos da família reunidos no conselho superior do GES procuravam desesperadamente uma solução para as dificuldades financeiras do grupo.

Durante essa reunião, o presidente do GES, e também do grupo BES, decidiu atropelar as regras da supervisão e ligou ao governador do Banco de Portugal. A meio da conversa, Salgado diz: “Sr. Governador, vamos fazer o nosso possível, mas vamos precisar de um certo apoio. Pedia-lhe, pelo menos, que desse uma palavrinha à Caixa.” A finalidade era obter um financiamento da Caixa Geral de Depósitos à Rioforte, a holding da área não financeira do grupo.

Carlos Costa recusou liminarmente o pedido. “Não percebe. Não quer perceber”, foram as palavras com que Salgado resumiu a conversa telefónica aos outros elementos do conselho.

Seguiu-se uma série de sugestões dos presentes para falar directamente com a Caixa ou com o Ministério das Finanças. De repente, José Manuel Espírito Santo lança um nome: “O Moedas, o Moedas! Eu punha já o Moedas a funcionar”.

Salgado ligou imediatamente ao então secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro: “Carlos, está bom? Peço desculpa por estar a chateá-lo a esta hora. Tivemos agora uma notícia muito desagradável. Tem a ver com a Procuradoria no Luxemburgo, que abriu inquérito a três empresas. Temos medo que possa desencadear um processo complicado sobre o grupo. Porventura temos de pedir uma linha através de uma instituição bancária. Seria possível dar uma palavrinha ao José de Matos [presidente da CGD], para ver se recebia a nossa gente da área não financeira? Temos garantias para dar.
Durante o telefonema, Carlos Moedas revela a Salgado que conhece o ministro da Justiça do Luxemburgo, o luso-descendente Feliz Braz, e que vai tentar pô-lo em contacto com o GES. Salgado agradece: “Ele abrir a porta para nós o contactarmos é excelente. Obrigado, Carlos, um abraço.

Mais expansivo, Ricardo Salgado relata o diálogo ao grupo: “O Carlos Moedas conhece o ministro luxemburguês de quem é amicíssimo. Vai tentar contactá-lo para ver se nós o podemos contactar. Enfim, é uma coisa simpática. Ao José de Matos vai também tentar contactá-lo, mas não sabe se o apanha hoje.

A reunião prossegue com os elementos do conselho a sugerirem o recurso a bancos estrangeiros, mas a urgência do financiamento descarta essa hipótese.
Em dia de inspiração, José Manuel Espírito Santo, presidente do banco do grupo BES na Suíça, alvitra uma alternativa nacional: “Podias falar com o BCP.
Com o BCP já falei. Ficou de contactar a Rita Barosa [alto quadro do BES e ex-secretária de Estado de Miguel Relvas]. Já houve contactos, mas para os hotéis, não para a linha”, responde Salgado.

Na véspera da detenção de Ricardo Salgado para interrogatório, a 24 de Julho, o Ministério Público fez buscas no edifício da Rua de São Bernardo onde funcionava o conselho superior dos cinco ramos da família Espírito Santo e recolheu as gravações das reuniões. O semanário Sol que, tal como o jornal i, é propriedade da Newshold, uma empresa controlada pelo ex-presidente do BES Angola, Álvaro Sobrinho, teve acesso a estas provas e divulgou hoje o conteúdo de algumas gravações.

Confrontado com estas transcrições, Carlos Moedas, futuro comissário europeu, confirmou ao Público que recebeu dois telefonemas do então presidente do GES/grupo BES, mas garante que nunca se disponibilizou para ajudar o grupo, falando com a Caixa Geral de Depósitos:
O dr. Ricardo Salgado telefonou-me, efectivamente, pelo menos duas vezes. Atendi-o como sempre fiz com quem me contactou, mas o tema morreu ali. Nunca tomei qualquer iniciativa que desse seguimento à conversa."

Sobre os seus contactos com o ministro da Justiça do Luxemburgo, diz que "consistiram num simples telefonema de cortesia a felicitá-lo pela sua nomeação, dado ser luso-descendente, e um último, também de cortesia, quando veio a Portugal [início de Março de 2014] na comitiva oficial do primeiro-ministro, Xavier Bettel".

As dificuldades do GES culminaram nesta sexta-feira com a Justiça luxemburguesa a negar à Espírito Santo International e à sua subsidiária Rioforte — holding da área não-financeira do GES — a possibilidade de gestão controlada. As duas sociedades vão entrar em insolvência e ser liquidadas para pagar aos credores.


*

Carlos Costa recusou liminarmente o pedido: era a atitude correcta.

Já Carlos Moedas mostrou flexibilidade, aceitando o pedido. No entanto, nem o GES teve acesso a informações sobre a investigação a uma das suas holdings sediadas no Luxemburgo, nem a linha de financiamento foi concedida pela Caixa Geral de Depósitos.

Moedas confirma que recebeu dois telefonemas do então presidente do GES/grupo BES, mas garante que em momento algum deu sinal de se disponibilizar para ajudar o grupo, quer falando com a Caixa Geral de Depósitos ou contactando o ministro da Justiça luxemburguês com quem diz ter falado apenas duas vezes e em situações formais.

As gravações mostram, porém, que o futuro comissário europeu se dispôs a mediar um auxílio ao grupo GES. A seguir a este primeiro telefonema, ocorrido em 2 de Junho, terá consultado alguém hierarquicamente acima — só pode ter sido o primeiro-ministro — que recusou o pedido.
Se Passos Coelho tivesse dado luz verde, Carlos Moedas teria efectuado os contactos? Parece que sim. O caminho do mal é fácil de trilhar. Atitude a merecer, portanto, estes comentários do fórum do Público:


Andrade
17/10/2014 16:21
O Moedas, o Moedas! Eu punha já o Moedas a funcionar”. Parece suficientemente revelador de que era de conhecimento do Conselho de Administração do BES a existência de algum ascendente sobre Carlos Moedas, caso não, os termos não seriam estes.
Convinha saber qual a razão para esse ascendente, senão existe o risco de se começar por aí a pensar que a nomeação dos governantes nasce nos bancos, o que obviamente é impensável.

DNG
Lisboa 17/10/2014 21:47
Obviamente se percebe agora a dimensão da informação privilegiada que levou ao short selling. Moedas fez o favor — até compreendo, desligava o telefone a Salgado? —, mas... será que o teatro da posição da Goldman Sachs no final do BES e de outros fundos abutres não é baseada numa aposta de risco mínimo, ou seja, de informações confidenciais?
O que isto quer dizer é que havia um círculo restrito conhecedor da posição frágil do banco e, como é natural, alguns números de telefone particulares funcionaram...

João Luis Martins
18/10/2014 14:45
O declarado apoio de Mário Soares a Salgado nunca foi polémica. Bem como o compungente desagravo da família Espírito Santo protagonizado pelo atual líder da UGT.
Já duas chamadas para um membro do governo em funções que não produziu quaisquer consequência a favor de tal grupo, constitui polémica. De um governo que, contra a lógica profusamente propalada por muitos ideólogos de cartilha, não se hipotecou a processos de apoio ao poder financeiro com nefasta influência e resultados no interesse público.
Critérios noticiosos que parecem não esconderem a defesa dos potenciais agentes de fraudes, ou as preferências e tendências políticas muito concretas e definidas.


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