"Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt
Como convencer alguém a passar um cheque de 3,5 mil milhões ao BCP, BPI e Banif e não intervir em nada do que lá se passa? É quase impossível, não é? Pois é. Mas comece a pensar nisso: o cheque é seu.
A entrevista de hoje ao Negócios do novo presidente executivo do Banif abre as candidaturas: o banco agora gerido por Jorge Tomé e Luís Amado precisa de se capitalizar em 300 milhões de euros, dos quais 200 milhões deverão vir do Estado. Depois virá o BPI (que precisa de mais de mil milhões) e o BCP (perto de dois mil milhões). Já o BES concluiu o seu aumento de capital nos mercados: não precisou de dinheiro do Estado.
Tudo isto será público depois da aprovação da portaria que regulará o apoio financeiro do Estado, o que pode acontecer nos próximos dias. Depois, os bancos recorrerão à linha da "troika" específica para o efeito. A linha é da "troika" mas a dívida é pública. E dívida pública de hoje é impostos amanhã. Por isso a pergunta a fazer é: o que nos vão fazer ao dinheiro?
O dinheiro do Estado vai ser usado de duas formas, a maior parte através de "capital contingente" (cocos), a outra através de entrada directa do Estado no capital dos bancos. No primeiro caso é empréstimo, no segundo é acções. Os "cocos" terão uma elevada remuneração, de 8%, mais do dobro que o Estado paga à "troika" por esse capital. É, portanto, um bom negócio para o Estado... se ao fim de cinco anos houver capacidade de os bancos devolverem o dinheiro. Não é fácil, a não ser que os rácios de capital voltem a reduzir-se. Caso contrário, os "cocos" são convertidos em capital — e o Estado torna-se accionista.
Acontece que o Governo e o Banco de Portugal parecem não querer apenas "emprestar" através de "cocos". Querem entrar directamente no capital. Porque querem poder nos bancos. Coisa que os seus accionistas privados não querem. Vem aí a polémica.
Aceitemos que a polémica não é falsa, cada parte tem boas razões. A portaria dirá que o Estado apenas poderá condicionar o pagamento de dividendos e forçar o corte de 50% dos salários dos administradores. Na prática, o Estado quer mandar mais. Quer pelo menos controlar a estrutura accionista do banco. Sobretudo no caso do BCP. Por isso poderá tomar 20 a 25% do capital do banco. Para que não restem dúvidas de que também manda.
A questão é muito mais complicada do que parece. A nossa experiência recente de administradores bancários nomeados pelo Estado é aterradora. Nomeadamente na Caixa e no BCP. E de um poder político que ainda há dias quis nomear para o Tribunal Constitucional quem quis, teme-se o pior. Teme-se o crédito na mãos de servos políticos. É de arrepiar. A concessão de crédito, a renovação de crédito e sobretudo a renegociação de créditos problemáticos é hoje um poder total sobre a vida e a morte de muitas empresas.
Em Inglaterra, o Estado britânico confiou a gestão do gigantesco Lloyds a António Horta Osório, que há dois dias aqui dizia: "O Governo britânico tem apoiado 100% a estratégia que apresentámos para o Lloyds e a relação entre nós é excelente. E o governo respeita 100% a gestão, não se intrometendo nela". Está tudo dito.
Os políticos não resistirão ao poder, para o qual serão ainda por cima empurrados pela clamor público e político. O futuro accionista dos bancos é demasiado importante para o País para que não seja acautelado, como já aconteceu no BPI, que só pode ser transaccionado sem OPA com o apoio e mesmo as conivência das autoridades (Governo, Banco de Portugal e CMVM). Mesmo que esta operação seja o fim do BPI e o início de uma filial do La Caixa, com contrapartidas para Isabel dos Santos. Veremos o que acontece no BCP, que já tem em Nuno Amado o seu Horta Osório mas não tem ainda uma estrutura accionista clarificada.
O que tem de ser proibido é deixar que políticos mandem no crédito. Para lição, bastou-nos Armando Vara."
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