sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A crise política - II. Outra opinião


Uma outra opinião onde de fala de celtas, de gregos e... dos lusitanos:


"Um manual marxista-leninista para principiantes

Pedro Sousa Carvalho 13/11/2015 - 05:28

A austeridade não é uma mania da direita e o alívio da austeridade não é património da esquerda


O Governo de Passos Coelho e de Paulo Portas caiu esta semana. É inacreditável, dizem os descrentes. Os crentes, como Calvão da Silva, dirão que foi um "act of God". É a democracia a funcionar, dirão uns. É a ânsia de poder, dirão outros. A verdade é que o Governo caiu e, segundo Telmo Correia, “caiu de pé”. E esperemos, para o bem do país, que o novo não entre de cócoras. Para quem levou e deu tanta pancada já é um milagre não ter saído de gatas. Na hora da despedida, Passos Coelho merece que lhe seja feita uma pequena homenagem, nem que seja condicional: se é verdade que os socialistas vão acabar com toda a austeridade de uma assentada, e mesmo assim o défice não vai derrapar, é porque alguma coisa terá feito este Governo.

Nestes quatro anos de austeridade, muitos terão ficado pelo caminho e importa acudi-los. Algures, a meio do caminho, Passos Coelho deixou-se embevecer por uma retórica calvinista e por uma visão punitiva da austeridade. Mas o “que se lixem as eleições” do líder do PSD também foi importante num determinado momento da História deste país, em que tínhamos de escolher entre ser celtas ou ser gregos. Escolhemos ser celtas e conseguimos equilibrar as nossas contas públicas e evitar um segundo resgate. Mas, como bons lusitanos que somos, vemo-nos agora gregos para prosseguir o caminho dos celtas.

Há alguns mitos que temos de deixar pelo caminho de uma vez por todas: um deles é que a disciplina orçamental é incompatível com o crescimento. A Irlanda, que também passou por um ajustamento agressivo parecido com o nosso, cresceu 5% no ano passado e este ano voltará a crescer 6%. A Grécia, segundo a Comissão Europeia, vai continuar em recessão. O outro mito que importa desmontar é que a austeridade é uma mania da direita e que o alívio da austeridade é património da esquerda.

Com o que Passos Coelho não contava na sua caminhada é que António Costa, depois de ser derrotado a 4 de Outubro, utilizasse a sua máxima do “que se lixem as eleições” para lhe roubar o poder. Agora, ao que tudo indica, vamos ter um governo do PS com o apoio do PCP, Bloco e Verdes, que esta semana assinaram acordos de governação. Chamar àquelas folhas acordos é um manifesto exagero, porque os documentos não têm ponta por onde se lhe pegue, nem na forma nem no conteúdo. Os comunistas, que aprovaram o acordo por uma “unanimidade informal” (seja lá o que isso quer dizer), nem sequer esconderam o embaraço. Não quiseram aparecer na fotografia de família da esquerda, e o Comité Central do PCP enviou instruções específicas aos socialistas para que a cerimónia protocolar fosse organizada de uma forma “sequencial com momentos individualizados” (seja lá o que isso quer dizer). A direcção do PS terá tido bastante dificuldade em descodificar a mensagem. Um destes dias vai precisar de comprar um manual marxista-leninista para principiantes para continuar o diálogo com os comunistas.

A cerimónia lá se fez à porta fechada, imaginamos “sequencial” e “com momentos individualizados”, só com um fotógrafo oficial para registar o episódio que é, sem dúvida, histórico. Manuel Alegre terá derramado uma lágrima e Cavaco Silva terá chorado baba e ranho. Para quem pediu tanto e teve tão pouco, é caso para ficar agastado.

O acordo que a esquerda vai mostrar a Belém está a milhas de garantir o tal governo estável, consistente e duradouro pedido pelo Presidente da República. O PCP e o Bloco não vão para o governo, o que é um sinal de instabilidade. O acordo nem sequer faz uma referência ao de leve aos tratados europeus, o que é um sinal de inconsistência. E não dá a António Costa a garantia de que pelo menos um único Orçamento seja aprovado, o que é um sinal de pouca durabilidade.

Quando há uma semana Cavaco Silva exigiu que o Governo respeitasse o PEC, o "Six Pack" ou o "Two Pack", não estava a falar de rappers ou de bandas de heavy metal; estava a falar de compromissos internacionais com os quais Portugal se comprometeu e que este acordo à esquerda dá poucas garantias de vir a honrar. O PCP e o Bloco dão suporte ao Governo para o alívio da austeridade (e mesmo aqui não se entendem sobre o ritmo de reposição dos cortes ou da descida da sobretaxa de IRS), mas não dão respaldo nenhum caso seja necessário apertar o cinto. Nesse caso, como é que se equilibram as contas públicas? Pode ser que o tal manual marxista-leninista para principiantes tenha lá a explicação.

Eventualmente, António Costa estará a contar com a boa vontade do PSD e CDS-PP para essas alturas de aperto, mas esta semana Paulo Portas foi cristalino: “Não venha depois pedir socorro.” O vice-primeiro-ministro em gestão, no dia em que o seu Governo foi derrubado, veio mostrar-se contra aquilo que chama “bebedeira de medidas” à esquerda, alertando que “as bebedeiras têm um só problema: chama-se ressaca”. Portas fala do acordo à esquerda como se estivesse a falar de uma Cuba Libre que mistura a Coca-Cola dos socialistas com o rum dos comunistas. E já ficou claro que a direita não será uma espécie de Guronsan político de António Costa.

Perante tudo isso, o que deve fazer Cavaco Silva? Não sei."


*


A coligação PSD/CDS apresentou-se aos eleitores em 4 de Outubro com um programa eleitoral que mereceu 107 deputados, ficando apenas a 9 deputados da maioria absoluta.
António Costa também se candidatou com um programa mas recebeu apenas 86 deputados. Agora alterou profundamente esse programa para satisfazer as exigências do BE e do PCP.

O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, também foi obrigado a fazer alterações profundas no seu programa eleitoral mas teve a hombridade de permitir que os gregos se pronunciassem em eleições sobre o novo programa antes de começar a aplicá-lo.

Não será essa, porém, a atitude de Costa que já recusou uma alteração dos prazos constitucionais para que os portugueses possam sufragar o novo programa socialista. Ou seja, quer enganar os eleitores que votaram no PS.

No meio desta trapalhada que vai fazer Cavaco Silva? Não sei, mas penso que devia aguardar que os portugueses se pronunciem nas eleições presidenciais de Janeiro de 2016.

Outras opiniões:


Luis Marques
Javali profissional, Manchester 13/11/2015 08:33
A disciplina orçamental é a base mais sólida possível para o crescimento. Coloquem os olhos na Suécia ou na Finlândia. Vejam os países que estão melhores que nós e analisem os últimos 20 anos das suas finanças públicas. Portugal nunca vai sair da liga dos últimos da Zona Euro enquanto os portugueses continuarem a dar ouvidos a loucos que acham que ter défice é natural e saudável. Não é. Nunca foi. Nunca será.
Ter défice pode ser quanto muito uma excepção (e mesmo assim défices pequenos), nunca a normalidade. Enquanto não metermos isso na cabeça andaremos sempre de crise em crise. Mas aparentemente é disso que gostamos. 1 ou 2 anos de alívio artificial para 3 ou 4 de ressaca. Quem nunca aprende, nunca evolui.
  • martins.ruijorge
    13/11/2015 09:17
    Quem é que teve o deficit orçamental a subir 6% no primeiro semestre de 2015? Quem foi? Olha... Foram os Estados Unidos... E quem é que por via do crescimento do emprego o tinha diminuído no segundo semestre de 2014? Pois é, mais uma vez os EUA, esses despesistas crónicos, cripto comunistas certamente...
  • Luis Marques
    Javali profissional, Manchester 13/11/2015 09:30
    Os Estados Unidos foram integrados na Europa nos últimos meses e ninguém me disse nada?
  • OldVic
    13/11/2015 09:44
    Gaste algum tempo a comparar a eficácia produtiva, a capacidade de inovação e a rapidez de resposta das economias americana e portuguesa para ver se faz sentido comparar alguns meses de finanças públicas dos 2 países.
  • Pedro
    13/11/2015 10:47
    A regra mencionada pelo Luis, nem é regra, é uma LEI. Tem sido assim há milénios, ou seja desde que existe civilizações. Infelizmente aqui a memória sobre história é curta.
  • martins.ruijorge
    13/11/2015 23:04
    OldVic, quando estamos a falar de eficácia produtiva, capacidade de inovação e rapidez de resposta da economia nos EUA, estamos a falar de Detroit?
  • JDF
    14/11/2015 00:18
    Caro Luís Marques,
    Concordando com praticamente tudo o que escreveu, a realidade é que ter défice é uma parte dos estados, democráticos, capitalistas, republicanos... Até a China, a fábrica do planeta Terra, tem défice. Saudável não é, mas é parte existente e não-eliminável. Lutar pela dimensão de défices, será caminho. Lutar pela erradicação, estamos, na minha humilde opinião, a olhar para o lado errado. Défices e PIBs andam sempre de avessas, sempre! Défice é consequência de várias coisas. PIB é acção a haver riqueza. Na acção está a resolução de problemas e não na constatação do problema. Se tivermos PIB, sem o estoirar por más políticas, veremos como fica o défice. Nos tempos áureos de 2002 a 2008, ninguém ligava porcaria ao défice. Sabe porquê? "Havia dinheiro nessa altura."
  • OldVic
    16/11/2015 08:46
    Detroit é uma pequena parte dos EUA, Rui. Para si um sistema económico só é bom se nunca tiver crises? Nesse caso, tem que escolher a teoria dos regimes totalitários (mas só a teoria).

martins.ruijorge
13/11/2015 09:13
Cavaco é (devia ser) um garante da constituição e não um garante dos tratados orçamentais (como é) portanto, de acordo com o juramento que fez e as suas competências, não deve apreciar acordo nenhum, programa nenhum. Essas são funções da AR. Cavaco deve dar posse ao governo do PS já que apresenta uma maioria parlamentar que o suporta. A partir daí a bola passa para o Parlamento, a casa da democracia, da qual o presidente não é tutelar.
  • OldVic
    13/11/2015 09:41
    A partir do momento em que são assumidos pelo país, os tratados são tão constitucionais e respeitáveis como a constituição.
    Artigo 8.º da CRP
    "2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português."
    Além disso, o papel principal do PR é garantir o “regular funcionamento das instituições democráticas”, e para isso o governo que lhe for proposto por Costa tem que ser minimamente parecido com uma instituição democrática.
  • Luis Simões
    13/11/2015 14:12
    "não deve apreciar acordo nenhum, programa nenhum. Essas são funções da AR. Cavaco deve dar posse ao governo do PS já que apresenta uma maioria parlamentar que o suporta. A partir daí a bola passa para o Parlamento, a casa da democracia, da qual o presidente não é tutelar." É mesmo isso Rui...
  • JP
    13/11/2015 14:26
    Continua a falar-se da Constituição como se a Constituição fosse uma espécie de pedra basilar. A Constituição é uma lei e as leis, como se costuma dizer, não se escrevem em pedra. A CRP que temos actualmente é uma versão praticamente inalterada da que foi feita no pós-revolução, com nuances anti-democráticas e dignas de regime soviético. Além de que a ambiguidade ou o significado pouco claro de certos artigos é apenas mais um factor de instabilidade e fardo burocrático na máquina do Estado, já de si perra. A única razão que há para falar da CRP é para relembrar a necessidade e urgência de uma revisão constitucional profunda.
  • JDF
    13/11/2015 19:03
    Caro Martins Jorge,
    Concordo com a sua primeira frase. Mas certamente que não é ingénuo a supor que há constituição, se não houver país à volta dela. E esse país vive de mercados e empréstimos. É o que é. Nem sempre é bom, nem sempre é mau.
    Pergunto-lhe hipoteticamente: ao comprar o seu carro ou casa, pagou a pronto ou pediu empréstimo? Se foi empréstimo, sabe como é que esse dinheiro se "cria" não sabe? (Esta é a parte dos tratados orçamentais) Não aplicou os correctos ensinamentos dos mais velhos de nunca pedir fiado e pagar sempre o que deve. (Esta é a parte da constituição. Está ver o meu ponto?) Que vá o PS para o governo. Que governe é bem. Agora a brincadeira de "coligarem" pós-eleições e moção de rejeição já custou milhares de milhões na bolsa. Pago eu... e você!


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