sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A crise política - I. A crise de 1987 e a actual


Uma opinião sobre a crise política de 1987 da autoria de um dos deputados do Partido Renovador Democrático (PRD) que, como é relatado no texto, foi o partido que a desencadeou:


"A verdadeira história da posição de Soares na queda do primeiro Governo de Cavaco

José Carlos de Vasconcelos 13/11/2015 - 05:36

Com essa decisão [marcar eleições], Mário Soares foi sem dúvida, factualmente, o principal “obreiro” da posterior carreira política de Cavaco Silva, que, aliás, o apoiaria – o PSD apoiaria – na sua reeleição.


Por estes dias, a propósito da indigitação ou não pelo Presidente da República do líder do PS para formar governo, sustentado por um acordo formal com os partidos à sua esquerda, tem-se falado muito do que Mário Soares (M.S.) fez, em 1987, enquanto Presidente da República, após o primeiro executivo de Cavaco Silva haver sido derrubado por uma moção de censura apresentada pelo PRD e aprovada com os votos do PS e do PCP. A intenção é, caído Passos Coelho, invocar a existência de um antecedente para “legitimar” uma eventual recusa de Cavaco Silva indigitar António Costa como primeiro-ministro, apesar de o PS ter formalizado com BE, PCP e PEV acordos que garantem uma maioria viabilizadora do seu governo.

Ora, esse antecedente não existe, pois não é exato que tenha sido apresentado a M.S. um acordo nos termos do qual o PRD apoiaria e o PCP deixaria passar um governo do PS, chefiado pelo seu então secretário-geral Vítor Constâncio. A verdade é outra e para se compreender o que ocorreu torna-se necessário ir um pouco atrás. Foi o PRD que, pela abstenção, viabilizou em 1985 o Governo PSD, de Cavaco Silva – que teve apenas 28% dos votos, seguindo-se o PS com 20% e o PRD com 18%. Viabilizou-o não exigindo, mais: não querendo (e tive nisso influência talvez decisiva) integrá-lo; e explicando que a sua posição seria de inteira independência crítica face a ele, mantendo um diálogo com todos os partidos, do CDS ao PCP – este então colocado numa espécie de “gueto” para nós inadmissível.

Dado o que entendemos serem então (aliados a certa arrogância) crescentes erros e deficiências do Governo, face às excecionais condições favoráveis no país (o excelente economista e deputado do PRD Silva Lopes demonstrou serem as melhores desde o tempo do oiro do Brasil), foram-se assumindo em relação a ele, Governo, posições cada vez mais críticas, que culminaram com a apresentação de uma interpelação e, depois, da moção de censura – que Soares fez o possível para o PS não aprovar. Mas que o PS aprovou. A declaração política que então fiz, em nome do PRD, mereceu, aliás, o apoio da generalidade da bancada socialista. E uma das coisas que nela disse é que assumíamos a inteira responsabilidade pela moção de censura, mas não assumíamos nenhuma responsabilidade pelas consequências de não se criar depois uma alternativa de governo. Deixámos claro que contribuiríamos para tal alternativa apoiando um governo do PS. De novo não para integrá-lo, apenas com a condição de serem aprovadas medidas e garantidas práticas visando a moralização e democratização políticas, pela quais lutávamos.

Abreviando, a direção do PS aceitou. E o PCP, com quem tínhamos as boas relações que a meu ver se impõem entre todos os partidos, mostrou-se disponível para viabilizar tal governo. Foi a essa possibilidade, transmitida ao Presidente, que ele se mostrou desfavorável. A posição de M.S. foi, no entanto, no essencial, esta: se lhe fosse apresentado formalmente um acordo garantindo a passagem do governo no Parlamento, ele indigitaria Constâncio para o formar – só que diria aos portugueses que o fazia apenas por imperativo constitucional e das boas regras democráticas, mas distanciando-se da solução encontrada.

Face a isto, Constâncio, que não tinha na coragem política uma das suas qualidades, desistiu. Assim, nunca se chegou a formalizar qualquer acordo e nunca foi apresentada ao Presidente uma proposta que ele tivesse recusado (pelo contrário, disse, como se viu, que, embora contrariado, teria de a aceitar). E o Presidente marcou eleições, que toda a gente sabia dariam a maioria absoluta ao PSD e a Cavaco, dadas as referidas condições de que beneficiara, com a consequente melhoria de vida dos portugueses.

Com essa decisão, M.S. foi sem dúvida, factualmente, o principal “obreiro” da posterior carreira política de Cavaco Silva, que, aliás, o apoiaria – o PSD apoiaria – na sua reeleição. Mais, o meu querido amigo Mário Soares (com quem várias vezes, no entanto, estive em profunda discordância política) com essa decisão propiciou mais duas coisas, que seguramente então lhe agradaram muito: 1) o desabar do PRD, contra o qual sempre foi, até porque considerava Ramalho Eanes o seu principal inimigo político; 2) a demissão da liderança do PS de Constâncio – que nela o substituiu e lhe fez críticas que nunca esqueceu.

Já agora, também por ser atual, quanto à eleição para presidente da Assembleia da República de um deputado não pertencente à maior bancada, revelo ou recordo que se é certo que em 1985 o presidente eleito era do PSD, não é menos certo que não foi o PSD quem o escolheu. De facto, o PSD queria que o presidente fosse Amândio de Azevedo, enquanto o PS propunha Tito de Morais. O PRD, porém, recusou Amândio e comunicou ao PSD que só elegeria Fernando Amaral, pela qualidade da forma como desempenhou o cargo na anterior legislatura. E foi só por isso que o PSD o propôs. Fernando Amaral, eleito, sempre correspondeu à nossa expectativa, presidindo à câmara com independência e dignidade. De tal modo que na legislatura seguinte, a da primeira maioria de Cavaco, já lá não estava...

Director do Jornal de Letras"


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Um comentário pertinente:

Antonio
13/11/2015 22:43
Então... segundo as suas próprias palavras, conseguiu extinguir o seu partido, dar a primeira maioria absoluta de sempre a outro, fugir a toda e qualquer responsabilidade de governar fosse com o PSD ou o PS, ajudar a uma década de poder aos seus dois maiores inimigos (Soares e Cavaco) e ainda atirar com Constâncio de volta para o Banco de Portugal onde veio a fazer o belíssimo trabalho de supervisão do BPP e BPN que todos conhecemos. Bom trabalho. Dada toda essa competência política, é suposto ouvirmos a sua opinião sobre o que qual será a melhor solução para este momento tão complicado?


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