domingo, 27 de abril de 2014

In Memoriam Vasco Graça Moura




Vasco Graça Moura
(1942-2014)


Nascido na Foz do Douro, no Porto, a 3 de Janeiro de 1942, Vasco Navarro Graça Moura licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Exerceu a advocacia entre 1966 e 1983 e, a partir de então, enveredou pela carreira literária.

No início do processo democrático filiou-se no PPD, actual PSD, tendo desempenhado os cargos de secretário de Estado da Segurança Social no IV governo provisório (Março a Agosto de 1975) do general Vasco Gonçalves e secretário de Estado dos Retornados no VI governo provisório (Setembro de 1975 a Julho de 1976) liderado pelo almirante Pinheiro de Azevedo.
No entanto, embora fosse amigo de Francisco Sá Carneiro, cedo se desfiliou do partido para recuperar a independência de espírito que demonstrou nas eleições presidenciais de 1980, quando decidiu apoiar Ramalho Eanes contra Soares Carneiro. Teve, porém, especial simpatia por Cavaco Silva.

Foi administrador da Imprensa-Nacional Casa da Moeda (1979-1989) onde se esforçou por combater o progressivo esquecimento dos grandes escritores portugueses de antanho, comissário-geral de Portugal para a Exposição Universal de Sevilha, de 1988 a 1992, e presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos, entre 1989 e 1995. A partir de 1996, foi director do serviço de bibliotecas e apoio à leitura da Fundação Calouste Gulbenkian.

Entre 1999 e 2009 regressou à política e foi eleito deputado ao Parlamento Europeu como independente nas listas do partido social-democrata.

Vasco Graça Moura foi um vulto cultural de primeira grandeza, deixando uma vasta obra literária com mais de meia centena de livros.

Destacamos os romances Quatro Últimas Canções (1987) e Meu Amor Era de Noite (2001) e, na poesia, Uma Carta no Inverno (1997), que recebeu o prémio da Associação Portuguesa de Escritores, e Poemas com Pessoas (1997), de entre quase trinta livros de poemas, que vão de Modo Mudando (1963) a O Caderno da Casa das Nuvens (2010).

No ensaio publicou obras como Luís de Camões, Alguns Desafios (1980), Camões e a Divina Proporção (1985), Os Penhascos e a Serpente (1987) e Sobre Camões, Gândavo e Outras Personagens (2000) que lhe dão um lugar relevante entre os cultores contemporâneos de Camões. Escreveu sobre temas tão variados como os Descobrimentos, a pintura portuguesa da Renascença, a pintura de Graça Morais, a literatura de David Mourão-Ferreira ou de Vitorino Nemésio e a vernaculidade da língua portuguesa à qual dedicou, em 2008, o ensaio Acordo Ortográfico: a Perspectiva do Desastre.

Da sua bibliografia há que fazer ainda referência à sua passagem pela dramaturgia com a peça Ronda dos Meninos Expostos (1987) e a sátira Auto de Mofino Mendes (1994) e às crónicas reunidas em Circunstâncias Vividas (1995), Papéis de Jornal e Outros Materiais (1997), Contra Bernardo Soares e Outras Observações (1999).

Mas o domínio onde se celebrizou foi como tradutor insigne que conseguia respeitar a métrica e a rima e aprimorar a obra traduzida, quer fosse a Divina Comédia e a Vita Nuova de Dante, ou as Rimas e Triunfos de Francesco Petrarca, ou os Testamentos de François Villon, ou ainda a integral dos Sonetos de Shakespeare.

Além de satisfazer o seu fino gosto estético, Graça Moura empenhou-se, como tradutor, para enriquecer o património literário disponível em língua portuguesa.
Poliglota notável — falava espanhol, francês, italiano, inglês e alemão—, traduziu também poetas como Pierre Ronsard, Rainer Maria Rilke, Gottfried Benn, Walter Benjamin, Federico García Lorca, Jaime Sabines, H. M. Enzensberger ou Seamus Heaney. E ainda as peças mais importantes de Corneille, Molière e Racine, os três grandes dramaturgos franceses do século XVII.

O Prémio Pessoa (1995) e a medalha de ouro de 1998 da Comuna de Florença foram atribuídos à sua tradução da Divina Comédia. Mas a maior distinção foi o Prémio Nacional de Tradução (2007) do Ministério da Cultura de Itália, por decisão unânime do júri, pela sua “rica e vasta actividade como tradutor, que contribuiu de forma especial para a divulgação, em Portugal e nos países lusófonos, das mais marcantes obras da literatura italiana, em versões de alta qualidade estética e de escrupuloso respeito pelos originais”.

Com uma profunda cultura humanística, foi naturalmente uma das vozes mais críticas dentro do conjunto de portugueses que defendem a língua portuguesa contra a mutilação perpetrada pelo Acordo Ortográfico de 1990, que considerava um crime de lesa-língua que apenas “serve interesses geopolíticos e empresariais brasileiros, em detrimento de interesses inalienáveis dos demais falantes de português no mundo".

Em coerência, quando foi nomeado, em Janeiro de 2012, para a presidência da Fundação Centro Cultural de Belém, função que desempenhou quase até ao último dia de vida, deu instruções aos serviços para não aplicarem o Acordo Ortográfico e para que os conversores nele baseados fossem desinstalados de todos os computadores da fundação.


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