sábado, 3 de dezembro de 2011

Não toquem no meu quintal


Hoje, no XIII congresso da Associação Nacional de Freguesias (Anafre), em Portimão, ficou claro que a reforma administrativa não agrada à maioria dos 1300 delegados e 500 observadores.
A Anafre não aceita o Documento Verde da Reforma da Administração Local e a respectiva proposta de extinção de cerca de 1800 freguesias, num universo de 4260. O que já representa uma atenuação da exigência da troika que impunha uma redução do número de autarquias, mas que o Governo decidiu restringir às freguesias.

"[A proposta] é redutora nos seus métodos e inútil nos seus objectivos", afirmou o presidente da Anafre, Armando Vieira, logo na abertura dos trabalhos e deixou um aviso: "As pessoas não se moldam por decretos e as vontades não se dobram com imperativos."
"[A reorganização] só poderia ser aceite no contexto de uma reforma que obedecesse ao princípio da universalidade e contemplasse integralmente os diversos patamares do edifício administrativo da Estado". Na proposta apresentada "só as freguesias são reconhecidas como excedentárias, despesistas e responsáveis pelo estado lastimável das contas públicas".
E advertiu: "A reforma, qualquer que ela seja, jamais será conclusiva e pacífica, se não tiver em conta o investimento pessoal e material já introduzido nas dinâmicas locais. Conhecemos o país como ninguém, porque vivemos próximo das raízes que o sustêm e junto das pessoas que lhe dão alma."

Há pelo menos seis municípios onde a reforma das freguesias está a avançar, graças à iniciativa dos seus autarcas: Lisboa, Gaia, Amadora, Arganil, Pampilhosa da Serra e Figueira de Castelo Rodrigo.
A câmara de Lisboa já aprovou a redução das 53 freguesias para 24, conforme um acordo PS/PSD.
A câmara da Pampilhosa da Serra dirigida por José Brito (PSD) foi a primeira a fazer e a acabar a reorganização do território, ainda antes de a legislação estar concluída.
Na Amadora, Joaquim Raposo (PS) afirmou ter em cima da mesa três soluções técnicas que cumprem o Documento Verde e respeitam a realidade do concelho, prevendo a finalização do processo nos próximos três meses.
Em Arganil foi criado um grupo de trabalho para estudar a fusão.
De Gaia, Luís Filipe Menezes defendeu ontem a reforma, frisando que "não se fala de extinguir nada [mas] fundir a funcionalidade da gestão, mantendo-se os nomes e identidades".


Aldeias de xisto da Pampilhosa da Serra vão ser agrupadas numa freguesia


O Presidente da República, Cavaco Silva, em carta dirigida aos congressistas, tentou apaziguar os ânimos: "[A reforma] não deixará certamente de ser feita em diálogo aprofundado com os representantes directos das populações".
O ministro Miguel Relvas ouviu e disse que a reforma "será feita com os autarcas e não contra os autarcas, com as pessoas e não contra as pessoas".
"Esta reforma respeita o direito ao nome, aos símbolos, à História e à cultura das autarquias agregadas", prometeu o ministro. Para defender a redução do número de freguesias, argumentou que "há quase 1600 juntas recebem transferências do Estado inferiores a 25 mil euros e que gastam 10 mil só em senhas de presença do seu executivo".

O que é que o Governo vai dar às freguesias em troca de uma reforma que elas não querem?
Por um lado Miguel Relvas vai "procurar soluções e encontrar mecanismos para que os baldios possam ser geridos pelas juntas de freguesias, em caso de manifesta falta de competência e seguimento das regras básicas de transparências das comissões de compartes".
Por outro, acena-lhes com dinheiro: "Sabemos que são ainda muitos os municípios que resistem activamente à transferência de competências e dos respectivos envelopes financeiros para as juntas de freguesias. Temos de ultrapassar este espírito de resistência". É outra velha reivindicação da Anafre que a transferência de meios financeiros para as freguesias saia directamente do Orçamento do Estado e não do orçamento do município.

Os baldios e comer à mesa do orçamento do Estado não chega. Metade dos congressistas abandonaram a sala onde decorreram os trabalhos, em Portimão, quando Miguel Relvas, ministro dos Assuntos Parlamentares começou o discurso de encerramento. A metade que ficou a ouvir o ministro interrompeu-o diversas vezes com vaias e palavras de contestação.


Uma amostra dos comentários:


pessoas decidem, pt. 03.12.2011 09:15
Referendem a questão e ponto final
Esqueçam os autarcas. Se é para levantar tanta confusão e animosidade, referendem a questão e são as pessoas que decidem, e passem por cima dos autarcas.


Laura Carrilho Penedono, Vila Nova de Paiva. 03.12.2011 10:45
Ingenuidade infantil
Alguém acreditava que as juntas iam abdicar dos rios de dinheiro que sorvem do dinheiro dos contribuintes? Vejam que é muita gente a ganhar com as obras caras, parolas e desnecessárias, a atribuição dos atestados de pobreza para ir buscar os rendimentos mínimos, etc. E não esqueçamos que o automóvel preferido dos presidentes de junta é o BMW. Iam andar os desgraçados num carro normal? É de acabar não com 1800, mas reduzi-las para metade e o trabalhador português que mantém essa gente, agradece. Mas tem de ser por decreto. Não se pode ouvir quem lucra e muito com a coisa. E, já agora, e as câmaras?

Heitor rufo, Portugal. 03.12.2011
RE: ingenuidade infantil
Esta Senhora deve ver muitas novelas e sei do que falo. Explique-me como é possível adquirir um BMW (que não seja sucata), com uma remuneração 276 euros x12 meses, e não 14, isto no caso dos Presidentes de Junta, já que os outros elementos do Executivo ganham 80% deste valor.
Poderá dizer que os Autarcas roubam, mesmo assim. Respondo-lhe: Roubam, como, com orçamentos anuais de 150.000 a 250.000 euros?
Mas, se mesmo assim não acredita, candidate-se pela sua freguesa, mas para trabalhar, utilizar o seu veículo nas tarefas de Autarca sem receber qualquer valor pelo combustível nem para reparações, atender as pessoas, conduzir os trabalhadores, etc. — não para comprar BMW. Quando damos palpites devemos saber do que falamos. Tenha calma e não diga disparates.


jac viseu, Viseu. 03.12.2011 11:34
Os velhos do Restelo
Há uma classe política no país que não se cansa de exigir reformas, mas, quando elas vêm, fazem oposição feroz a essas mesmas reformas. Exigem reformas, mas na área dos outros. Na própria está tudo bem, nada de reformas. Mais dinheiro sim, reformas não!
Faz algum sentido continuar com freguesias pequeníssimas, algumas com poucas centenas de eleitores? Aqui, à minha volta, há 7 freguesias. Fazem parte de 6 concelhos. Todas juntas pouco passa de mil eleitores. Aquando das eleições, os partidos lutam pelo voto porta a porta, criam inimizades e divisão entre populações tão diminutas. Não faz sentido continuar com divisões administrativas que foram criadas quando praticamente não havia transportes e as populações tinham que ir a pé resolver os seus problemas com a administração.


xyz, Portugal. 03.12.2011 13:05
Das 4259 freguesias...
... têm de extintas 4259 freguesias. Tudo o que for inferior a este número é curto.
E o passo seguinte é a redução significativa das câmaras municipais. É insustentável ter câmaras municipais com centenas ou milhares de funcionários (Barcelos tem 800 funcionários). Gastaram milhões a informatizar as câmaras e estas agora têm 10 vezes mais funcionários do que em 1975. Inadmissível.


Alberto Caeiro, Bragança. 03.12.2011 13:08
Até que enfim!
Ficaria admirado se defendessem o contrário.
Esquecem-se, porém de um dos mais importantes argumentos que justificam a extinção das freguesias: a completa falta de democracia dos actos eleitorais nas freguesias pequenas. O que se passa nestas freguesias nunca foi relatado nos jornais: compra de votos, marcação de boletins de voto, preenchimento de boletins em nome de eleitores ausentes, etc. As chapeladas são particularmente graves porque são uma forma de inflacionar, ilegalmente, as transferências financeiras para as freguesias e câmaras.


AB, Porto. 03.12.2011 16:49
As freguesias ...
... são uma invenção do estado liberal, com quase 200 anos, para quebrar a espinha da Igreja Católica. Os tempos mudaram e o hábito e os interesses ficaram. Não faz sentido nenhum este tipo de governação local hiperdescentralizada. É ineficiente e ineficaz. Caso (quase) único na Europa, diga-se.


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