sábado, 22 de janeiro de 2011

"Votar, mesmo que sem caneta"


"Se eleito, quando Cavaco Silva terminar o seu segundo mandato como Presidente da República terá tido responsabilidades no poder em Portugal por mais de 22 anos, entre as funções que ocupou como ministro das Finanças da Aliança Democrática (1980-1981), a chefia do Governo entre 1985 e 1995 e como Presidente da República; Aníbal Cavaco Silva é o político que mais tempo esteve à frente de um Governo na história portuguesa do pós-25 de Abril.

Manuel Alegre esteve 34 anos no Parlamento. Passou por responsabilidades públicas outras: foi nomeado para Director dos Serviços Recreativos da Radiodifusão Portuguesa em 1974; no I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares, foi primeiro secretário de Estado da Comunicação Social e depois secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro. Foi vice-presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e vice-presidente da Assembleia da República. Perdeu as eleições para a liderança do PS em 2004 para José Sócrates, e em 2006 foi candidato independente, obtendo o famigerado milhão de votos nessas eleições Presidenciais, sendo o segundo candidato mais votado no sufrágio.

Tudo indica que um destes dois homens será o próximo Presidente da República, num mandato que terminará muito perto dos 42 anos da nossa Democracia. Talvez por essa altura a necessidade — que a tanto obriga — nos tenha forçado a uma profunda reflexão sobre as fundações e as perversões do sistema político-partidário, talvez a mais séria ameaça ao nosso desenvolvimento, prosperidade, liberdade e auto-determinação que enfrentamos. Até lá, não se dissipará o perigo do humilhante retrocesso, às mãos da promiscuidade e do clientelismo, ou por outra, da sensação de impunidade a que nos condenam — gasolina para cima das brasas da nossa Democracia.
"


partidocracia 21 Janeiro 2011 - 19:13
Mudar o sistema eleitoral

(1) Não podia concordar mais: o sistema eleitoral é de facto a causa profunda da maior parte dos problemas de Portugal.
Portugal tem sido muitíssimo mal governado e a razão é que os cidadãos não têm uma palavra a dizer sobre o elenco do parlamento. O problema nem sequer é estável: tem vindo a degradar-se a cada mandato parlamentar. É por isso que acontecem coisas como [alguém] dizer que viu o CV de todos os deputados e constatou que nenhum tem experiência de ter integrado os quadros de administração duma empresa.

(2) O cenário é sempre o mesmo: a semanas de cada eleição, o elenco do parlamento seguinte já está largamente decidido, vide "lugares elegíveis". Cinco chefias partidárias escolhem livremente os membros das listas eleitorais, sem qualquer intervenção do eleitorado. Os eleitores só decidem quantos deputados cabem a cada partido e nem sequer podem reordenar as listas. Portugal é, literalmente, uma partidocracia.
Há quem diga que a razão é a falta de exigência do eleitorado. Mas imaginem que nas próximas eleições as chefias partidárias resolvem elaborar listas exclusivamente constituídas por Tiriricas. Suponham também que nessas eleições o eleitorado português tornou-se tão exigente e esclarecido quanto o sueco. Com estas regras, que opções tem o eleitorado? Votar na opção menos má? Ficar em casa? Votar branco? Nulo? O resultado é sempre o mesmo: um parlamento de 230 Tiriricas.

(3) Há muito que os partidos se aperceberam do poder e impunidade que isto lhes confere. Paulatinamente instalou-se nos partidos uma oligarquia partidária que capturou não só o sistema político como o próprio regime e as instituições do Estado.
Todos os problemas têm origem directa ou indirectamente daí. Por exemplo, é por isso que muitos governantes parecem não ter estratégia, ou as competências requeridas para os cargos que ocupam (incluindo nas empresas públicas). Os governos governam mal porque não há verdadeiro escrutínio. A história recente já demonstrou que trocar de partido a cada eleição não resolve o problema.

(4) Muitos problemas de Portugal já estão diagnosticados há anos e no entanto as medidas correspondentes nunca foram tomadas. Dado que as energias são limitadas, mais vale focarmo-nos na causa profunda.
Dificilmente a iniciativa de mudar o sistema eleitoral virá dos partidos. Mesmo que o líder de um dos principais partidos pense desta forma, nunca estará em posição de a defender abertamente. Se o fizesse, as clientelas partidárias tratariam rapidamente de o neutralizar e expulsar da liderança. Sem exageros, estamos entregues a uma oligarquia.

(5) Provavelmente o sistema não é reformável por dentro. Não vale a pena esperar que venha um Sebastião salvador, um "político diferente", que ponha cobro a isto.
A sociedade civil está entregue a si própria e é dela que têm de partir as iniciativas para desalojar as clientelas que capturaram o sistema. Terá de gerar movimentos focados específica e explicitamente para esse efeito. Na história recente, o mais próximo disso foram os movimentos que se geraram no contexto dos referendos. Agora, há que replicar esse feito num jogo muito mais complexo e cuja parada é muito mais alta.

(6) Mesmo que algum movimento da sociedade civil consiga impor na agenda política a mudança do sistema eleitoral, não há garantia de que uma reforma seja levada até ao fim. Os partidos têm o poder de decidir que reforma é aprovada e podem facilmente sabotar o processo, a pretexto de discordâncias.
Provavelmente qualquer mudança que acarrete longas negociações entre chefias partidárias nunca produzirá um acordo. Seria o caso da opção por círculos uninominais, que requerem o delimitar de muitos círculos. Tais negociações eternizar-se-iam e o tema acabaria por sair da agenda.

(7) Para maximizar as hipóteses de vingar, a mudança no sistema tem de parecer moderada e prescindir de negociações morosas.
Uma hipótese é manter o actual sistema eleitoral, mas introduzindo um voto personalizado que determine a ordem efectiva dos candidatos nas listas. Não é o ideal, mas é um passo na direcção certa, e significativo. Já introduziria um elemento de pressão concorrencial, no bom sentido, que contribuiria para elevar gradualmente o nível de exigência. Talvez isto seja o máximo que os partidos consiguem digerir numa primeira fase.


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