Vamos analisar a Síntese da Execução Orçamental publicada em Agosto 2010 pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública.
Comecemos pelo quadro Execução orçamental do Estado (clique para ampliar):
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A receita efectiva, 19.821 M€, aumentou cerca de 700 M€, com uma taxa de variação homóloga (VH) de 3,6%, e aumentou graças aos impostos indirectos (como alerta o 6,2 da última coluna).
O problema é que a despesa efectiva, 28.724 M€, também cresceu, mais de 1.000 M€, com uma VH de 3,8%.
E cresceu nas despesas com o pessoal, como têm insinuado os políticos? Não, aí só cresceu 100 M€, embora não devesse ter crescido. Mas onde aumentou significativamente foi nas transferências correntes, nada mais, nada menos que 1.100 M€ (como sinaliza o 4,0 na última coluna).
O nosso objectivo vai ser descobrir o rasto dos 16.324 M€ das transferências correntes.
Portanto o défice do estado nos primeiros sete meses deste ano ascendeu a 8.903 M€.
Já vimos que a receita cresceu graças aos impostos indirectos. Se o leitor estiver interessado em saber quais, veja o quadro Receita do Estado.
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Disse IVA? Acertou, embora o imposto sobre o tabaco também tenha dado uma ajudinha.
Agora vamos esmiuçar a Despesa do Estado. Comecemos pelo quadro da classificação económica.
Como o problema está nas transferências correntes, procuramos a linha correspondente.
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Então para onde foram os 1.100 M€? Foram 450 M€ para a Administração Central, outro tanto para a Segurança Social e 160 M€ para Outras transferências (muito criativo!).
Uma passagem rápida pelo quadro da classificação funcional para realçar o peso da (temível) Dívida Pública que nos custou 3.037 M€ em juros.
Já agora repare-se no aumento de 150 M€ na despesa com a Defesa Nacional. Com quem é que estamos em guerra?
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Finalmente chegamos à classificação orgânica, i.e. ministério a ministério. É agora que vamos descobrir para onde foram transferidos os 16.324 M€.
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Foram 5.078 M€ para o Ministério da Saúde, 4.511 M€ para o do Trabalho e Solidariedade Social, que depois caem na Segurança Social, 3.736 M€ para o das Finanças e da Administração Pública, 1.065 M€ para uma coisa chamada Encargos Gerais do Estado (muito criativo!), que depois caem quase integralmente na Administração Local, 995 M€ para o da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e uns amendoins para os restantes ministérios e para a Presidência do Conselho de Ministros.
Curiosamente repare-se que esta Presidência do Conselho de Ministros tem uma despesa superior ao ministério da Economia, ao das Obras Públicas, ao do Ambiente ou ao da Cultura.
Já vimos que o défice do estado nos primeiros sete meses de 2010 ascendeu a 8.903 M€.
Este quadro mostra que, mesmo despedindo todos os funcionários públicos do subsector Estado (professores, polícias, militares, pessoal das finanças, juízes, diplomatas, ministros, ...), não se conseguia anular o défice.
Mas se às despesas com pessoal do subsector Estado, adicionarmos os 402 M€ da Administração Regional, os 1.201 M€ da Administração Local e os 1.395 M€ dos Serviços e Fundos Autónomos (Assembleia da República, CMVM, Serviço Nacional de Saúde, Cinemateca Portuguesa, institutos, fundações, agências, fundos, ...) atinge-se a quantia de 9.520 M€!
Aqui tem o leitor os números.
Se a despesa corrente aumentou 4%, não foi devido às despesas com o pessoal — 6.522 M€ — onde ocorreu uma VH de 1,7%, mas por causa das transferências correntes — 16.324 M€ — onde a VH foi 7.3% e sobre uma quantia muito maior!
Como se vê, quando os políticos dizem que é preciso diminuir os salários dos funcionários públicos, o objectivo não é diminuir o défice, é diminuir os salários de toda a população activa.
Mas há um problema na Segurança Social:
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Pensões, prestações sociais e outras despesas correntes cresceram 930 M€. Como as contribuições e as transferências do Fundo Social Europeu só cresceram 500 M€ foi preciso ir buscar os restantes 430 M€ ao poço sem fundo das transferências do Orçamento do Estado (OE).
Aliás os 7.702 M€ das contribuições já nem sequer cobrem os 7.952 M€ das pensões, quanto mais os 4.077 M€ das prestações sociais, e para a Segurança Social ter um saldo positivo é preciso transferir 4.599 M€ do OE que, em último grau, provêm sempre dos impostos.
Mas no tremendo problema da Segurança Social não falam os políticos, não vão os eleitores lembrar-se de perguntar a quanto montam as suas pensões múltiplas e o RSI que, como se sabe, não se basearam em contribuições.
Uma curiosidade final: a Assembleia da República encontra-se na lista dos organismos em incumprimento na prestação de informação:
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Mais um mau exemplo dado pelos 230 deputados da nação!
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