sexta-feira, 27 de março de 2020

COVID-19: Carta Aberta ao Primeiro-Ministro (Ordem dos Médicos, Ordem dos Farmacêuticos e Ordem dos Enfermeiros)


Reproduzimos na íntegra a Carta Aberta da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Farmacêuticos e da Ordem dos Enfermeiros em que solicitam ao primeiro-ministro António Costa que seja fornecido aos profissionais de saúde o equipamento de protecção de que carecem e realizados os testes laboratoriais para despistagem precoce da COVID-19 (o negrito é meu):


Lisboa, 25 de Março de 2020
Sua Excelência
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro
Distinto Senhor Dr. António Costa,

A situação de crise de saúde pública internacional provocada pelo novo coronavírus representa um desafio ímpar a nível económico e de organização dos sistemas de saúde para qualquer país, independentemente do ponto de partida. Portugal não é certamente excepção e, precisamente pelas carências que já antes enfrentávamos, não podemos descurar a antecipação de todas as medidas possíveis para preparar o país e os seus vários sectores para a pandemia que estamos a viver.

O primeiro caso de COVID-19 no nosso país foi noticiado no dia 2 de Março, o que nos deveria ter proporcionado uma margem de manobra superior à de outros Estados que foram confrontados com o surto mais cedo e em fases em que a informação sobre as medidas a tomar era mais incipiente. Infelizmente, é entendimento da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros e da Ordem dos Farmacêuticos que o Governo, e o Ministério da Saúde em particular, não têm estado a acautelar medidas básicas e que podem comprometer todo o esforço de combate a este surto, de que é exemplo máximo a escassez de equipamentos de protecção individual.

Às três associações profissionais continuam a chegar milhares de relatos de situações muito difíceis que os nossos profissionais de saúde estão a enfrentar no terreno sem estar devidamente acautelada a protecção das suas próprias vidas, dos seus familiares e dos seus doentes. De resto, a falta de equipamentos de protecção individual está a contribuir para que entre o número de infectados, ou de pessoas colocadas em quarentena por contacto com caso positivo, estejam muitos profissionais de saúde.

Não estaríamos a cumprir o nosso papel de associações de interesse público, em defesa dos direitos dos nossos doentes e dos médicos, enfermeiros e farmacêuticos, se não transmitíssemos a V. Exa. a preocupação real de, quando atingirmos o pico da pandemia, não dispormos nos nossos hospitais e centros de saúde de um número profissionais de saúde suficiente, em virtude de terem adoecido. Neste momento são várias as falhas de segurança, faltando desde máscaras, a luvas, fatos de protecção e desinfectantes alcoólicos, o que é extensível à rede de farmácias.

A este propósito, atente-se a uma notícia vinda a público no dia 24 de Março, de Espanha, com o director do Centro de Emergências e Alertas de Saúde do Ministério da Saúde espanhol a admitir que aquele país conta com mais de 5400 profissionais de saúde com COVID-19 por os stocks de equipamentos de protecção individual não terem sido suficientes. Os casos de COVID-19 entre profissionais de saúde representam em Espanha 12% do total de infecções, contra 8% em Itália e 4% na China.

Complementarmente ao acima exposto, gostaríamos também de lhe transmitir uma outra preocupação relacionada com os profissionais de saúde com exposição a SARS-CoV-2 e as orientações existentes para testagem dos mesmos. Na verdade, a Orientação 013/2020, publicada pela Direcção-Geral da Saúde no passado dia 21 de Março, mesmo nos casos de alto risco de exposição, apenas prevê uma vigilância activa do profissional, e, só perante febre ou sintomas respiratórios compatíveis com COVID-19, serão iniciados os procedimentos de caso suspeito, como a realização de exames laboratoriais.

Esta aplicação conservadora dos testes, tanto nos profissionais como nos casos suspeitos entre cidadãos, vai em sentido contrário ao que se tem feito em países que têm publicado alguns artigos com os bons resultados no controlo do surto através desta metodologia, como Islândia, Alemanha, algumas zonas de Itália ou Coreia do Sul. Os primeiros dados, agora consolidados, de que a infecção pode ser assintomática em muitos dos cidadãos reforça a importância de testar mais pessoas na fase de mitigação em que nos encontramos.

Vivemos tempos extraordinários, em que todos temos de tomar decisões com base em muito pouca informação, mas temos já uma certeza: antecipar, proteger e testar são três metodologias sem as quais nunca poderemos obter os melhores resultados para Portugal e para os portugueses.

Continuaremos a dar todo o apoio e colaboração à Autoridade Nacional de Saúde e ao Governo, como tem acontecido desde a primeira hora. E, acima de tudo, continuaremos empenhados em servir Portugal, tratando e salvando a vida dos portugueses, garantindo o capital humano necessário para que possamos desempenhar a nossa missão com os melhores resultados possíveis.

Precisamos da sua ajuda. Ajude-nos a proteger todos aqueles profissionais que cuidam de nós.

Muito obrigada.

Atentamente,

O Bastonário da Ordem dos Médicos, Dr. Miguel Guimarães

A Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Prof.ª Doutora Ana Paula Martins

A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Enf.ª Ana Rita Cavaco


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Pressuroso, o primeiro-ministro António Costa, logo acorreu ao Hospital Curry Cabral, em Lisboa, para ouvir Fernando Maltez, director do serviço de infecciologia, dar a garantia: “Não tivemos, até à data, falta de equipamento de protecção individual”, acrescentando, logo a seguir que não se deve “confundir a falta de equipamento com a racionalização dos equipamentos”, os quais “devem ser usados de acordo com as necessidades”.
O relato de um enfermeiro deste hospital confirma o que disse Fernando Maltez: “Não, nunca faltou, mas houve esse receio e por isso a disponibilidade do material era feita a conta-gotas. Actualmente estão é a racionar os equipamentos de protecção individual e é sugerido que se use mais tempo para evitar o desperdício”.

O busílis da questão está nas palavras: enquanto o médico utiliza o termo racionalizar, que significa "usar o raciocínio", o enfermeiro escolhe a palavra "racionar" cujo significado é "impor uma ração, uma pequena quantidade".

Uma enfermeira-chefe de um hospital da zona da Grande Lisboa que não é uma das unidades de primeira linha para o combate ao coronavírus, mas trata doentes suspeitos de COVID-19 nos seus serviços, descreve o que, na prática, significa racionar:
Tinha doentes suspeitos e que aguardavam pelos resultados. Mas tinham de ser tratados, medicados e os meus enfermeiros precisavam de equipamento de protecção, nomeadamente máscaras. Pedi ao armazém 50 máscaras. Não tive resposta. Liguei, disseram que não podiam dar. Falei com o chefe acima de mim. Não obtive resposta. Tive de enviar mail à administração a explicar a situação e só aí houve autorização para me darem as máscaras”, diz, acrescentando que só lhe deram 20. Voltou a ligar e disseram-lhe que no dia seguinte arranjavam mais 10.

Este tem sido o meu dia-a-dia. Passo horas e horas a tentar agilizar o equipamento que a equipa precisa. Não peço material só porque sim. Pedi material para proteger os profissionais de Saúde”, contou, sublinhando que no seu hospital há cerca de 14 profissionais de saúde infectados.
Para um turno de oito horas esta enfermeira-chefe disponibiliza dois respiradores de partículas FFP2: “São as que protegem o profissional de saúde e o doente ao mesmo tempo”, explicou.

Aliás, a falta de material é algo constante nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS): “Agora fala-se de falta de máscaras, luvas e fatos. Pois, antes da COVID-19 já havia e continua a existir falta de caixotes do lixo, por exemplo, ou de serviços de limpeza para prevenir as infecções”, desabafa esta enfermeira.

Também no Hospital distrital de Santarém, onde uma médica internista foi infectada há uma semana, obrigando vários médicos, doentes, enfermeiros e outros profissionais de saúde a ficar de quarentena, o material é racionado:
Não se pode dizer que não há. Há é pouco e tem de ser usado mais tempo. Há falta de máscaras FFP2 que são as recomendadas para esta situação. Na falta destas usam-se as máscaras cirúrgicas. Também há poucas protecções para os pés e pernas”, explicou a mesma enfermeira, informando que estão a fazer turnos de 12 horas, mas as folgas ainda estão a ser cumpridas.

No Hospital do Barreiro, “actualmente há equipamento, mas desaparece rápido, porque há cada vez mais casos suspeitos”, explica uma enfermeira desse hospital. “O problema é que na primeira triagem (onde se faz a selecção de doentes com sintomas de COVID-19) apenas há mascaras cirúrgicas e devia, talvez, existir logo outro equipamento. As máscaras FFP2 são apenas para usar noutro patamar da triagem, no terceiro, em que são vistos os doentes já com suspeitas de COVID-19”, diz.
Ora “quando se tira um doente de uma ambulância e ele não vem referenciado como doente com suspeita de COVID-19, quando o tiramos para as nossas macas podemos estar logo a ser contaminados”, explicou, dizendo que, nesta fase, não é usada a máscara FFP2, nem o restante equipamento de protecção. Portanto: “Há equipamento mas só para ser usado em determinadas circunstâncias” muito limitadas.

No Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), no Porto, a enfermeira Helena Mota afirma que não houve nenhum caso de grávidas infectadas com a COVID-19, mas “se acontecer, o bloco está completamente preparado: há uma sala específica para receber essas doentes infectadas, dotada de todo o material necessário”.

A pergunta que os políticos deviam de fazer, e estão a iludir, é esta: quando existir uma afluência muito maior o equipamento chega?

Esses picos são imprevisíveis. Por exemplo, ontem, até às 16 horas, no hospital de São José, em Lisboa, estava tudo calmo e o material parecia não faltar. Mas, após esta hora, houve uma maior afluência de doentes com sintomas suspeitos de COVID-19, e, segundo relatou ao jornal PÚBLICO um profissional deste hospital, o equipamento para proteger o pescoço e a protecção para os pés entraram em ruptura.

Mesmo no Hospital do Litoral Alentejano, que é a região do país que menos casos tem (30 casos confirmados hoje) e onde existem materiais (desinfectantes, máscaras cirúrgicas), não há testes laboratoriais em número suficiente para testar todos os doentes porque estão a ser racionados: um médico afirma que só têm direito a 20 ou 30 por dia.
Instalaram uma unidade COVID-19 em parte do piso da ortopedia, onde estão três suspeitos da doença. Passaram a operar só doentes urgentes e oncológicos. Há cerca de uma semana o conselho de administração enviou uma directiva aos trabalhadores para recomendar-lhes que evitassem expor o hospital nas redes sociais (por exemplo, publicarem fotos) para não alarmarem a população.

Parece que a grande preocupação é evitar por todos os meios que as pessoas saibam o que realmente está a passar-se no Serviço Nacional de Saúde.

Ninguém refere, por exemplo, que a ordem dos Médicos já teve de criar um protocolo para que os médicos possam decidir quais são os doentes com COVID-19 que vão ter o direito de aceder a um ventilador e os que vão morrer sem tratamento.

Em Itália, o departamento de protecção civil da região de Piemonte teve de preparar um documento que vai decidir quais são os doentes que devem ser deixados morrer em caso de falta de camas nas unidades de cuidados intensivos:
"Os critérios para o acesso à terapia intensiva em casos de emergência devem incluir idade inferior a 80 anos ou pontuação no Índice de Comorbidade de Charlson [que indica quantas outras condições médicas o paciente possui] inferiores a 5."

Em Espanha, o critério para acesso à terapia intensiva ainda é mais drástico. O espanhol Óscar Haro, director desportivo da equipa de Moto GP LCR Honda, revelou que os médicos lhe pediram, em lágrimas, permissão para deixar morrer o pai, por falta de ventiladores:
"Não entendo como uma pessoa que trabalha desde os 15 anos, sempre a descontar para pagar impostos, morre porque não há ventiladores, porque não o podem continuar a tratar, pois há uma lei que diz que com mais de 75 anos já não interessa cuidar das pessoas e deixam-nas morrer."

Não foi revelado o que estipula o protocolo português. Não se sabe se é apenas um critério de idade ou se é aplicado o Índice de Comorbidade de Charlson e, nesse caso, outras doenças do paciente registadas no Cartão de Cidadão também serão consideradas.

Quer saber qual é o seu Índice de Comorbidade de Charlson? Encontra a resposta aqui.


1 comentário:

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