sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O caso Tecnoforma — 4. O arquivamento da denúncia anónima


A Tecnoforma terá feito pagamentos a Passos Coelho, entre 1997 e 2001, para presidir ao Centro Português para a Cooperação (CPPC), uma ONG criada para servir aquela empresa.

Chegada à procuradoria-geral da República em 2 de Junho, esta queixa anónima denunciava a fuga ao fisco desses rendimentos e a violação da exclusividade no mandato de deputado de 1995-99. Foi junta a um processo de investigação sobre a Tecnoforma.
Autonomizada nesta quarta-feira, a procuradoria-geral da República decidiu na quinta-feira arquivar o processo autónomo.



24/09/2014 - 00:13


A PGR esclarece: "O despacho a mandar extrair a certidão para abrir inquérito autónomo tem data de 24/9/2014." Ou seja, no dia a seguir àquele em que chegou à procuradoria o pedido de Passos Coelho para que fosse investigada a possibilidade de algum "ilícito", a denúncia, que estava junta ao processo principal, foi autonomizada e entregue ao procurador Rui Correia Marques.
"Tal decisão foi tomada por se verificar que a matéria subjacente à denúncia não estava directamente relacionada com os factos em apreço no denominado processo Tecnoforma. Acresce que a apreciação dessa matéria não estava dependente das investigações em curso no processo Tecnoforma nem do resultado das mesmas, e vice-versa", acrescenta a PGR.

O inquérito assenta no princípio de que “a factualidade denunciada é susceptível de, em abstracto e actualmente, integrar a prática de crime de Fraude Fiscal e de crime de Recebimento Indevido de Vantagem [por parte de titular de altos cargos públicos ou políticos]”, diz o procurador titular do inquérito, Rui Correia Marques, no despacho de encerramento.

Como a denúncia aludia a pagamentos efectuados de 1997 a 2001 (e não 1999, como foi noticiado), os rendimentos deviam ter sido declarados para efeitos de IRS até ao "dia 30 de Abril de 2002". O crime de fraude fiscal prescreve ao fim de 5 anos. Daí que o procurador Rui Correia Marques calcule que a prescrição tenha ocorrido no fim de Abril de 2007.
Quanto ao crime de recebimento indevido de vantagem nem sequer existia na lei naquela época, apenas foi introduzido na ordem jurídica em 2010.

Mas ficou em aberto o crime de branqueamento de capitais que só prescreve ao fim de 15 anos e que, garantiu ao Público um procurador do DCIAP que pediu para não ser identificado, está muitas vezes associado ao de fraude fiscal porque o branqueamento de capitais corresponde aqui à dissimulação de rendimentos que não foram declarados ao fisco.

A PGR esclareceu o Público de que aquela decisão se baseou numa análise legal: "A queixa delimita o objeto da investigação. Na queixa anónima apresentada não é feita qualquer referência a factos que sejam suscetíveis de integrar o crime de branqueamento", explica o gabinete de Joana Marques Vidal.
Além disso, os factos referidos na queixa eram "anteriores à entrada em vigor" do diploma que define esse crime que entrou em vigor no dia 16 de Fevereiro de 2002.

Não é essa, porém, a interpretação dos magistrados contactados pelo Público. Se o alegado crime "se consumaria no dia 30 de Abril de 2002", como afirma o despacho de arquivamento, então já se aplicaria a moldura penal do branqueamento.

Por outro lado, após a apresentação da denúncia, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) ordenou por escrito à Tecnoforma que procedesse à entrega dos documentos de suporte das entradas e saídas de dinheiro na empresa durante os anos 1997 a 2001.

No dia 10 deste mês, diz o despacho de encerramento, foram recolhidos nas instalações da Tecnoforma “3 livros ‘Diário Razão Balancete' e 2 livros ‘Inventário e Balanços' que abarcam o período compreendido entre 1994 e 2004. (...) De tais documentos não se retira qualquer elemento que permita suspeitar da ocorrência de quaisquer outros factos, com eventual relevância criminal, complementares àqueles que constam na denúncia”, escreve o procurador Rui Correia Marques.

Ora os documentos analisados dizem respeito às rubricas globais da contabilidade da empresa, nunca poderiam conter qualquer informação relativa a uma pessoa individual. Também não foi solicitada a contabilidade do CPPC que, por ser uma organização não governamental, tem de a conservar durante 20 anos.


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