segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O caso Tecnoforma — 2. Os alegados pagamentos a Passos Coelho


O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho terá recebido pagamentos do grupo Tecnoforma no valor de 150 mil euros, entre 1997 e 1999, quando era deputado em regime de exclusividade.

Segundo noticia a revista SÁBADO, a denúncia chegou este ano à procuradoria-geral da República.

O Ministério Público já estava a investigar, desde o início de 2012, se a Tecnoforma foi favorecida em 2004, durante o governo de Durão Barroso (2002-04), na adjudicação de contratos para formação de funcionários de autarquias financiados pela União Europeia.
Nessa época Passos Coelho era consultor e administrador da Tecnoforma, Miguel Relvas era secretário de Estado e as acções de formação decorreram no âmbito do programa Foral, tutelado por Relvas.

Eis o artigo publicado na edição nº 542, de 18 de Setembro de 2014, desta revista:




"Uma denúncia apresentada no Ministério Público garante que, enquanto deputado em exclusividade de funções, Passos Coelho recebeu ilegalmente 5.000 euros por mês da Tecnoforma. As autoridades já estão a investigar as contas da empresa

Por António José Vilela

A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, recebeu este ano uma denúncia com informações sobre alegados pagamentos do grupo Tecnoforma a Pedro Passos Coelho quando este desempenhou funções de deputado em exclusividade entre 1995 e 1999. O montante total em causa poderá chegar a mais de 150 mil euros. O caso está a ser investigado no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que ordenou recentemente por escrito à Tecnoforma que proceda à entrega dos “livros selados” da contabilidade.

Segundo a denúncia, Passos Coelho terá recebido, entre 1997 e 1999, cerca de 5.000 euros mensais que não terão sido declarados pelo actual primeiro-ministro ao fisco. A confirmar-se, isso violaria o que está previsto na lei e no estatuto do deputado. De acordo com a legislação em vigor, os deputados que optem pela exclusividade de funções ficam proibidos de acumular outros rendimentos no Estado e em empresas e associações públicas e privadas. Em contrapartida, acabam por ficar com um maior vencimento mensal. Recebem, por exemplo, mais 10% do ordenado bruto em despesas de representação; ou 15% quando desempenhem funções de vice-presidente da bancada parlamentar como então sucedeu com Passos Coelho. Estas disposições legais não sofreram alterações desde que o líder do PSD foi deputado nos anos 90.

A denúncia feita ao Ministério Público (MP) refere ainda que os alegados pagamentos a Passos ocorreram quando o social-democrata acumulou as funções de deputado com a presidência do Centro Português para a Cooperação (CPPC), uma organização não governamental (ONG) concebida pelo grupo Tecnoforma para obter financiamentos comunitários destinados a projectos de formação e de cooperação.




Questionado pela SÁBADO sobre o conteúdo específico da denúncia, nomeadamente se foi remunerado de alguma forma quando presidiu ao CPPC, Passos Coelho não respondeu até ao fecho desta edição. Em 2012, também não o fez ao jornal Público, limitando-se a dizer que encarou “com seriedade o propósito quer do senhor Fernando Madeira [na imagem], quer do dr. Manuel Castro, administradores e accionistas da Tecnoforma, de ajudarem a criar uma ONG com a finalidade de promover a cooperação entre Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa”.

O líder do PSD disse ainda “desconhecer” a data de cessação da actividade do CPPC e onde estariam os documentos desta ONG, antes de justificar o facto de não ter inscrito o cargo de presidente da instituição no “registo de interesses” da Assembleia da República, ou no seu currículo: “Trata-se de um assunto a que, na altura, não atribui relevância especial, mas de que não constitui segredo nem pretendi que o fosse."

A SÁBADO confirmou que a ligação de Passos Coelho ao CPPC também não consta no arquivo da 4ª Secção do Tribunal Constitucional (TC), a entidade encarregue de guardar todas as declarações públicas sobre o património e os rendimentos de titulares políticos (Passos Coelho nem sequer entregou a declaração quando cessou funções de deputado em 1999). No TC também não há qualquer referência ao CPPC na pasta do político onde deveriam constar as respectivas declarações de “inexistência de incompatibilidades ou impedimentos”, que os deputados são obrigados a preencher enumerando os cargos, as funções e as actividades profissionais em empresas, associações e fundações, sejam ou não remunerados. Neste dossiê, que não é de acesso público, mas que a SÁBADO consultou após autorização do presidente do TC, não constam sequer declarações das duas legislaturas em que Passos Coelho foi deputado nos anos 90.




Pagamentos através do Totta?
As informações recolhidas pela SÁBADO (a PGR não respondeu às questões enviadas na sexta-feira, dia 12 de Setembro) garantem que, após receber a denúncia, Joana Marques Vidal (na foto), remeteu de imediato a documentação ao director do DCIAP, Amadeu Guerra.

A informação passou depois a estar sob investigação, nomeadamente porque a denúncia identifica até a origem do dinheiro alegadamente pago no fim dos anos 90 a Passos Coelho: terá vindo das empresas Tecnoforma, Formação e Consultoria, SA, e da Liana, Importação e Exportação, Lda., esta última uma sociedade por quotas detida maioritariamente pela Tecnoforma e entretanto já dissolvida e encerrada. Também a Tecnoforma, SA, foi declarada insolvente em Novembro de 2012 pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, que nomeou até um administrador judicial para gerir a empresa sediada em Almada.

As autoridades judiciais estão agora a averiguar se as alegadas movimentações financeiras terão sido — como garante a denúncia — concretizadas através do Banco Totta & Açores (actual Banco Santander Totta) para uma antiga conta bancária titulada por Passos Coelho. De acordo com os documentos que chegaram ao MP, estes alegados pagamentos terão sido a fórmula usada pela então administração da Tecnoforma e pelo empresário Fernando Madeira — o então accionista maioritário da empresa — para convencer Passos Coelho a presidir durante vários anos à ONG, cujo grande objectivo passava por conseguir acções de formação financiadas por fundos comunitários que seriam depois adjudicados pelo CPPC ao grupo Tecnoforma. Um projecto que nunca terá tido grande sucesso até Fernando Madeira vender, em 2001, a maioria das acções da Tecnoforma a uma empresa offshore, a Itaki, com sede em Gibraltar.

Pedro, o abridor de portas
Numa entrevista à SÁBADO publicada em Maio passado (clique aqui para a ler), o empresário afirmou que não se lembrava de ter pago um ordenado ou uma avença a Passos Coelho no CPPC. Aliás, foi na sequência dessa questão que pediu ao jornalista da SÁBADO para parar a gravação da entrevista. Outro dado importante: a sede da ONG era nas instalações da Tecnoforma, situadas em Almada, onde estará hoje depositada a contabilidade pedida pelo MP.




Apesar da falta de memória que alegou na mesma entrevista à SÁBADO, Fernando Madeira fez questão de explicar porque é que tinha sido criado o CPPC e quem lhe apresentou Passos Coelho (na foto), um político que não conhecia pessoalmente: “(...) Pensámos que poderíamos resolver os problemas se abríssemos uma ONG, pois estas organizações eram mais baratas em termos de pessoal e tinham mais facilidade de acesso a verbas e financiamentos da então Comunidade Europeia.” E concluiu: “Na altura, falei com o sr. Sérgio Porfírio, que era meu director comercial na Liana, e ele disse-me que tinha umas pessoas que podiam estar eventualmente interessadas em participar. Quem é que depois o Sérgio me apresentou? O advogado João Luís Gonçalves [o ex-secretário-geral de Pedro Passos Coelho na JSD, que integrou a direcção do CPPC e, em 2001, se tornou num dos donos da Tecnoforma] e depois o sr. Pedro Passos Coelho.

O empresário garantiu ainda que até vender a maioria das acções que tinha na Tecnoforma, se encontrou várias vezes com Passos Coelho, até na Assembleia da República, para falar dos projectos do CPPC. E que viajou também com o deputado para Bruxelas, onde se encontraram com o então comissário europeu João de Deus Pinheiro. “O Pedro é que abria as portas todas”, especificou.

O alvo Passos Coelho
Fontes judiciais consultadas pela SÁBADO não têm dúvidas em reconhecer que a investigação judicial em curso no DCIAP se tornou nos últimos meses “extremamente delicada” porque passou a visar directamente Passos Coelho. No mesmo processo — com o número 222/12.1TELSB — também se está a tentar apurar se a Tecnoforma (que não respondeu às perguntas que a SÁBADO lhe remeteu por email) foi favorecida em 2004 por influências políticas na adjudicação pelo governo de Durão Barroso de contratos de formação para funcionários de autarquias financiados pela União Europeia no âmbito do projecto Foral.

Aberto em 2012 depois de uma investigação do jornal Público, este inquérito visa indícios de crimes de tráfico de influência, corrupção (activa e passiva), abuso de poder, participação económica em negócio e fraude na obtenção de subsídio ou subvenção. Mas o processo do DCIAP é apenas uma das três investigações autónomas ao caso Tecnoforma. No DIAP de Coimbra há outro inquérito sobre um financiamento público de 1,2 milhões de euros destinado a um projecto de formação para funcionários de dois heliportos e seis aeródromos estatais.




A última investigação está a ser feita pelo Organismo de Luta Antifraude (OLAF) da UE depois de uma queixa apresentada por Ana Gomes (na foto). Na altura, a eurodeputada do PS justificou assim a iniciativa pessoal: “Interessa a todos, desde logo aos próprios protagonistas deste caso e ao povo português, saber se o primeiro-ministro e um ex-membro do Governo [Miguel Relvas] engendraram ou foram instrumentais num esquema de manipulação de fundos europeus para benefício de uma empresa privada.

Os amigos do primeiro-ministro
Onde estão e quem integrou a ONG da Tecnoforma:

Luís Carvalho integrou o Conselho Fiscal do Centro Português para a Cooperação presidido por Pedro Passos Coelho. O actual primeiro-ministro nomeou-o em 2011 para a administração da Parque Escolar — a empresa que gere as obras de requalificação das escolas —, em 2013 escolheu-o para presidir à empresa até 2015.

Vasco Rato era outro dos elementos formalmente ligados à ONG controlada pela Tecnoforma. Militante do PSD e amigo pessoal de Passos Coelho, foi escolhido pelo Governo para liderar a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Iniciou funções no início de 2014.

Fernando Sousa é um ex-deputado do PS que presidiu nos anos 90 à assembleia-geral do CPPC. Ainda hoje é amigo íntimo de Passos Coelho e foi ele que levou este ano o primeiro-ministro à inauguração do World of Discoveries, um museu interactivo e parque temático no Porto, que recria a história dos Descobrimentos."


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