sábado, 8 de junho de 2019

A vingança é um prato que se serve frio


Ouvido na comissão parlamentar de inquérito à gestão e recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, em 28 de Março deste ano, Vítor Constâncio afirmou que o Banco de Portugal não tinha conhecimento prévio das operações de crédito dos bancos.

Constâncio, que foi governador do Banco de Portugal (BdP) na década 2000-2010, declarou aos membros da comissão parlamentar de Inquérito sobre a Caixa Geral de Depósitos neste vídeo:


Claro que [o BdP] só tem conhecimento delas [operações de crédito] depois [dos bancos as realizarem], como é óbvio. É natural! Essa ideia de que pode conhecer antes é impossível”.

Entretanto o jornal Público obteve cópia da correspondência trocada entre a Fundação José Berardo e o BdP, em 2007, quando Berardo comunicou ao supervisor financeiro a pretensão de adquirir uma participação qualificada no Banco Comercial Português com uma linha de crédito da Caixa Geral de Depósitos.

O artigo 102 do Regime Geral das Instituições de Crédito obrigava José Berardo a comunicar ao Banco de Portugal que pretendia adquirir uma participação qualificada no Banco Comercial Português superior a 5% e inferior 10% do capital social e dos direitos de voto, nos termos do Aviso do Banco de Portugal 3/94. Berardo cumpre essa exigência em 19 de Junho de 2007:




No entender do Banco de Portugal, os elementos que acompanhavam a carta de Berardo verificavam cabalmente todos os números e pontos do Aviso do Banco de Portugal 3/94, excepto o ponto 13. Eis o que dizia este ponto:
1.º A comunicação a efectuar nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 102.° do Regime Geral deve ser acompanhada, pelo menos, dos seguintes elementos de informação:
(…)
13 - Descrição das fontes e forma de financiamento da aquisição da participação;
Por isso o Banco de Portugal solicita descrição detalhada em 2007/07/18:
solicitamos a V. Exas. que nos habilitem com uma descrição detalhada das fontes e forma de financiamento da aquisição da participação em apreço, nos termos previstos no ponto 13 do n.º 1.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 3/94, nomeadamente com a cópia das condições contratuais da linha de crédito aberta junto da Caixa Geral de Depósitos.




Berardo responde a 7 de Agosto de 2007:
a aquisição das acções será feita com recurso a fundos disponibilizados pela Caixa Geral de Depósitos, através de Contrato de abertura de crédito em conta-corrente, celebrado em 28 Maio de 2007, até ao montante de € 350.000.000,00 (trezentos e cinquenta milhões de euros) pelo prazo de cinco anos.




Depois de conhecer pormenorizadamente as fontes e forma de financiamento da operação de crédito, o Banco de Portugal comunica que o seu Conselho de Administração deu luz verde à aquisição das acções:
informamos V. Exas. que o Conselho de Administração do Banco de Portugal, em sessão de 21 Agosto de 2007, deliberou não se opor à detenção pela Fundação José Bernardo de uma participação qualificada superior a 5% e inferior a 10% no capital social do Banco Comercial Português SA e inerentes direitos de voto.




Resta dizer que o Aviso do Banco de Portugal n.º 3/94, publicado quando o Ministério das Finanças era tutelado por Eduardo Almeida Catroga, foi revogado em 04-12-2010 quando governava neste país José Sócrates.


*


José Sócrates vence com maioria absoluta as eleições antecipadas de 2005, convocadas depois da dissolução da Assembleia da República pelo presidente Jorge Sampaio.
Começa por nomear um independente para o cargo de ministro das Finanças. Luís Campos e Cunha, porém, sai 130 dias depois de tomar posse, em divergência com José Sócrates por causa da mudança da administração da Caixa Geral de Depósitos exigida pelo primeiro-ministro, o que obrigava ao pagamento de indemnizações aos gestores.

Campos e Cunha foi substituído por Fernando Teixeira dos Santos que tinha sido secretário de Estado do Tesouro e das Finanças no primeiro governo de António Guterres. Ora uma das primeiras medidas do novo ministro foi precisamente substituir a equipa de gestão da Caixa nomeada pelo anterior governo. Carlos Santos Ferreira assume a presidência numa administração onde entra um Armando Vara sem qualificações para o cargo, um típico boy socialista.

O objectivo primordial de José Sócrates é controlar a comunicação social e a banca. No início de 2007, já tem Vítor Constâncio na presidência do Conselho de Administração do Banco de Portugal e Carlos Santos Ferreira na presidência do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos.
Este último terá proposto a José Berardo ser o testa-de-ferro do banco público na aquisição de uma participação qualificada no capital social e nos direitos de voto do maior banco privado português. E, no final desse ano, Santos Ferreira muda-se da Caixa para o Banco Comercial Português, levando consigo Armando Vara.

Em 2008, ocorre a crise do crédito de risco, que ficou conhecida como a crise do subprime, com a falência do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos da América.
José Sócrates e Teixeira dos Santos tinham deixado descontrolar os défices com o consequente aumento da dívida pública. As taxas de juro dos empréstimos pedidos pelo Estado aumentaram substancialmente levando o país a não conseguir financiar-se nos mercados internacionais. Em 2011, Teixeira dos Santos vê-se obrigado a pedir a intervenção do Banco Central Europeu e do FMI.



2:29-3:00 Berardo confirma que teve almoços com Santos Ferreira mas nega que este tenha sugerido a compra de títulos do BCP;
8:54-10:54 Berardo diz que pretendeu vender as acções do BCP quando começaram a desvalorizar mas os bancos não estavam interessados na alienação dos títulos.

Concomitantemente o valor das acções do Banco Comercial Português pertencentes a Berardo cai abruptamente, mas a Caixa não o deixa vender esses títulos. Quando o valor dos títulos já não cobre o empréstimo que lhe fora concedido, a operação de crédito de 350 milhões de euros torna-se mais um dos vários negócios ruinosos feitos pela Caixa.
Em 2018, chega a hora dos contribuintes capitalizarem o banco público com 3,9 mil milhões de euros.

Entretanto os portugueses são informados pela comunicação social que José Berardo pertence ao conjunto dos maiores devedores da Caixa Geral de Depósitos, mas não possui património pessoal que lhe permita pagar a dívida. E procuram saber quem era o governador do Banco de Portugal, em 2007, e o que conhecia sobre a aquisição de acções do Banco Comercial Português com crédito da Caixa Geral de Depósitos dando como garantia as próprias acções.
Acontece que Vítor Constâncio está amnésico. Quanto ao partido Socialista, primeiro emudeceu e depois teve de aprovar uma nova audição parlamentar ao ex-governador.

Quem terá divulgado as quatro cartas publicadas pelo jornal Público? Esta correspondência está arquivada tanto no Banco de Portugal como na Fundação José Berardo.

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal desde 2011 e administrador da Caixa Geral de Depósitos responsável pelo departamento Internacional e Marketing no período 2004-2006, foi enxovalhado pelos socialistas na comunicação social por ter participado em algumas reuniões do Conselho Alargado de Crédito da CGD em que outros administradores falaram de créditos de risco.

José Berardo foi escolhido para bode expiatório dos devedores da Caixa Geral de Depósitos mas, na audição parlamentar, riu-se dos idiotas dos contribuintes que pagaram a sua dívida ao banco público. A seguir foi massacrado pelos políticos "à portuguesa", desde o primeiro-ministro António Costa até ao presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.

Quer a fuga tenha partido de alguém próximo de Carlos Costa ou de José Berardo, os socialistas, com António Costa e Vítor Constâncio à cabeça, estão neste momento a engolir um prato muito frio.





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