Este artigo de opinião foi publicado no Washington Post por uma jornalista que não se revê em todas as propostas políticas de Donald Trump mas detesta a hipocrisia política de Hillary Clinton e a sua tibieza face ao apoio financeiro proporcionado pela Arábia Saudita e pelo Qatar ao terrorismo islâmico que está a provocar carnificinas pelo mundo.
Leitura imprescindível para compreender a vitória de Trump nas presidenciais norte-americanas de 2016:
"Sou mulher, muçulmana e imigrante. Votei em Donald Trump
Asra Q. Nomani 11/11/2016 - 18:28
Esta é a minha confissão e explicação. Sou uma mulher de 51 anos, muçulmana, imigrante e “de cor”. Sou uma das eleitoras silenciosas que votaram em Donald Trump. Não sou “intolerante”, “racista”, “chauvinista” ou “supremacista branca”, como os que votaram em Donald Trump estão a ser apelidados, nem faço parte da “reacção negativa dos brancos”.
No Inverno de 2008, eu era uma liberal de longa data e uma filha orgulhosa da Virgínia Ocidental, um estado que nasceu do lado certo da história da escravatura. Mudei-me para o estado conservador da Virgínia apenas porque este estado tinha ajudado a eleger Barack Obama como o primeiro Presidente afro-americano dos Estados Unidos.
Mas durante o último ano mantive a minha preferência eleitoral em segredo: o meu voto iria para Donald Trump. Na terça-feira à noite, momentos antes do fecho das urnas na Escola Primária de Florestville, no maioritariamente democrata Fairfax County, entrei na cabine de votação, com uma caneta entre os dedos, para assinalar a minha escolha para Presidente, preenchendo o círculo ao lado do nome de Donald Trump e do seu candidato a vice-Presidente, Mike Pence.
Após Hillary Clinton telefonar a Donald Trump, concedendo-lhe a vitória, e tornando-o o Presidente eleito dos Estados Unidos, uma amiga minha escreveu um pedido de desculpas ao mundo no Twitter, afirmando que há milhões de norte-americanos que não partilham do “ódio, discórdia e ignorância” de Donald Trump. E terminou assim: “Sinto-me envergonhada pelos milhões que partilham desses sentimentos.”
Provavelmente estaria incluída nesse grupo. Mas não estou, e Hillary Clinton foi derrotada por não abordar as preocupações dos eleitores. Rejeito abertamente o “ódio, discórdia e ignorância”. Apoio a posição do Partido Democrata em relação ao aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e às alterações climáticas.
No entanto, sou uma mãe solteira que não se pode dar ao luxo de ter um seguro de saúde ao abrigo do Obamacare. O programa de modificação de empréstimo de hipotecas, “HOPE NOW” [esperança já], não me ajudou. Na terça-feira, saí da minha cidade natal, Morgantown na Virgínia Ocidental — onde vejo cidadãos norte-americanos comuns, de meios rurais, como eu, ainda em dificuldades, após oito anos de administração Obama — em direcção à Virgínia.
E por fim, enquanto muçulmana que sentiu, em primeira mão, o extremismo islâmico que há neste mundo, opus-me à decisão do Presidente Barack Obama e do Partido Democrata em andar à volta do “Islão” do Daesh. É claro que a retórica de Donald Trump tem sido muito mais do que indelicada e todos podemos ter diferenças políticas em relação às suas recomendações mas, para mim, esta tem sido exagerada e demonizada pelos governos do Qatar e da Arábia Saudita, pelos seus meios de comunicação, tais como a Al Jazeera, e pelos seus representantes no Ocidente, apresentando uma distracção conveniente da questão que mais me preocupa enquanto ser humano neste planeta: o islamismo extremista que tem feito derramar sangue em corredores do hotel Taj Mahal em Bombaim e na pista de dança da discoteca Pulse em Orlando, na Flórida.
Em Junho, após o trágico tiroteio no Pulse, Trump escreveu uma mensagem no Twitter com o seu estilo característico e subtil: “Será que o Presidente Barack Obama irá finalmente mencionar o terrorismo islâmico radical? Se não o fizer deve imediatamente sair do cargo que ocupa!”
Por volta da mesma altura, no programa New Day da CNN, Hillary Clinton parecia estar em sintonia com Barack Obama, afirmando: “Da minha perspectiva, importa mais o que fazemos do que o que dizemos. E importa que tenhamos capturado Bin Laden, não o nome que lhe demos. Já afirmei explicitamente que não interessa se lhe chamamos jihadismo radical ou islamismo radical, é-me indiferente. Na minha opinião, ambas as expressões têm o mesmo significado.”
Em Outubro, foi um e-mail de 17 de Agosto de 2014, divulgado pela WikiLeaks, que me fez virar as costas a Hillary Clinton. Nesse e-mail, Hillary Clinton dizia ao seu assistente John Podesta: “Temos de usar os nossos activos diplomáticos e mais tradicionais para pressionar os governos do Qatar e da Arábia Saudita, que estão a providenciar apoio financeiro e logístico ilegais ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL),” — o nome politicamente correcto do Estado Islâmico — “e a outros grupos sunitas radicais da região.”
As revelações de contribuições multimilionárias do Qatar e da Arábia Saudita para a Fundação Clinton ditaram o fim do meu apoio a Hillary Clinton. Sim, quero igualdade de remuneração para as mulheres. Não, rejeito a “conversa de balneário” de Donald Trump, a ideia de um “muro” entre os Estados Unidos e o México e um plano para “banir” todos os muçulmanos. Mas tenho confiança de que os Estados Unidos não se convencem com esta hipérbole política — uma política identitária com uma agenda — que demonizou Donald Trump e os seus apoiantes.
Tentei, delicadamente, expressar as minhas opiniões no Twitter mas a “revolução das mulheres de fato” esmagava qualquer discurso ponderado. Quem apoia Donald Trump tem de ser um provinciano. Dias antes das eleições, um jornalista da Índia enviou-me um e-mail a perguntar: “Quais são os seus pensamentos enquanto muçulmana nos Estados Unidos de Donald Trump?”
Respondi que enquanto pessoa que nasceu na Índia, e tendo chegado aos Estados Unidos com 4 anos no Verão de 1969, não tenho qualquer medo sendo muçulmana nos “Estados Unidos de Donald Trump”. A separação e equilíbrio de poderes deste país e o nosso passado rico em justiça social e direitos civis nunca permitirão que a incitação ao medo associada à retórica de Donald Trump se concretize.
O que mais me preocupou foi a minha apreensão sobre a influência de ditaduras teocráticas muçulmanas, incluindo o Qatar e a Arábia Saudita, nos Estados Unidos de Hillary Clinton. Estas ditaduras não representam exemplos notáveis de sociedades progressivas, não conseguindo oferecer direitos humanos e esperança para a cidadania de imigrantes da Índia, refugiados da Síria e dos escravos que vivem nessas ditaduras.
Temos de nos erguer com coragem moral perante o ódio contra os muçulmanos, mas também perante o ódio dos muçulmanos, para que possamos viver com sukhun, ou paz de espírito. E assim terminei a minha reflexão perante o jornalista da Índia. Ele não recebeu o e-mail. Não o reenviei, com medo da indignação que pudesse receber de volta. Mas fui votar.
Exclusivo PÚBLICO/Washington Post"
*
A opinião dos outros:
joao
Abdullah Issa, 11 anos, decapitado pelos "rebeldes" apoiados pelas americanos e aliados
11/11/2016 23:07
Fui tentar perceber quem é esta mulher “inculta” “estúpida” “ignorante” “submissa” “machista”, etc, que votou no Trump. Pois encontrei que é uma mulher com instrução de mais alto nível, com longa carreira jornalística, escritora, activista de longa data de várias causas, activista activa dos direitos das mulheres no mundo muçulmano, e por aí fora, mulher e mãe, ... curriculum avassalador. Curriculum que indicia enorme riqueza cultural, inteligência e valores morais, até fiquei na dúvida se seria ela que tinha votado no traste do Trump. Reverifiquei e parece que é ela mesmo.
Como é que uma mulher tão inteligente, tão instruída, cidadã tão activa, tão ciente da condição feminina e da condição da mulher muçulmana, em particular, como não votou na Clinton? Saliento dois dos seus argumentos. Um argumento é a constatação das guerras e dos crimes e do sofrimento sem fim que a aliança saudita/americana tem trazido às pessoas e ao mundo. Ela refere o conteúdo duns leaks de mails mas esta aliança já existe pelo menos desde 1979 com o envio de terroristas extremistas para o Afeganistão, e espalhou-se desde o Mali às Filipinas, passando pela Síria e Yemen. Pelos vistos essa aliança e os seus crimes causam-lhe repugnância e ela sabe que a Clinton faz parte dessa aliança.
Outro argumento é o incómodo e a saturação que ela sente pelos “jornalistas” gulosos que procuram satisfazer as suas quotas de produção de artigos manhosos, mesquinhos e manipuladores. Generalidade de “jornalistas” que ela sabe que nunca publicariam o que ela respondesse à pergunta “preparada” porque a resposta não corresponderia à narrativa agendada, que omitem os crimes do sistema politicamente correcto instalado e procuram e inventam o que possa beatificar o sistema, que não informam mas são, sim, o principal motor das campanhas partidárias e do sistema. São argumentos de repulsa, mesmo os outros que ela enumera, mais de repulsa pela Clinton e o que ela representa, do que de atracção pelo Trump e o que ele pode (se alguém souber) representar. Penso, é a minha leitura, a triste situação.
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