domingo, 6 de março de 2016

A ideia II


Além desta ideia, há outra das "Dezanove ideias sobre o estado da confiança em Portugal" dos 26 anos do Público que merece reflexão. É a do Professor David Justino, o ministro da Educação (2002-2004) a quem devemos a valorização do ensino pela introdução dos exames de Português e Matemática no 9º ano:


A escola está a ser capaz de preparar as crianças e os jovens para os desafios dos novos tempos?

Se fizermos um balanço dos últimos 15 anos da sociedade portuguesa, o saldo obtido não nos deixará confortáveis. A economia não nos trouxe nem maior bem-estar. O país deixou-se cair na teia imobilizante da dívida externa (pública e privada). A população deixou de crescer. O sistema político, as instituições centrais, a Justiça, o sistema financeiro deixaram de merecer a já reduzida confiança dos cidadãos. As recorrentes reformas estruturais, de há muito identificadas e debatidas, estão na sua maioria por fazer.

E a Educação? Surpreendentemente, parece ter escapado a esse quadro de estagnação, apesar do ruído constante que a desvaloriza. Temos uma população mais escolarizada e o abandono escolar precoce reduziu-se de uma taxa de 44,8% em 2001 para 13,7% em 2015. Os resultados dos alunos nos testes internacionais de leitura, matemática e ciências, passaram dos últimos lugares para uma posição próxima da média dos países da OCDE. O número de diplomados com formação superior duplicou nos dez anos anteriores à crise de 2008, tendo estagnado a partir de então.

Tivesse a economia e os restantes sectores uma evolução semelhante à Educação e decerto não viveríamos a incerteza do presente. Por isso arrisco defender que a escola em Portugal está mais bem preparada para formar as novas gerações do que estava há 15 anos. O problema está em saber, em primeiro lugar, se a economia e a sociedade estarão preparadas para criar as oportunidades para que essas gerações mais qualificadas possam encontrar no seu país as condições para a sua realização como pessoas e como cidadãos. Em segundo lugar, importa questionar se a escola está preparada para uma sociedade “imaginada” para daqui a 15 anos. Para a primeira questão só encontramos uma resposta: mais e melhor crescimento económico de forma a criar mais oportunidades de emprego qualificado. Para a segunda, sugiro que se dê continuidade ao esforço de organização e racionalização do sistema educativo, ao mesmo tempo que se investe na mobilização e qualificação dos professores.

Num contexto de incerteza só temos um caminho a seguir: centrarmo-nos sobre o fundamental, o conhecimento e o saber pensar, a cultura e o saber criar, a abertura ao mundo e o saber comunicar. Este centramento irá obrigar a escola a repensar as suas práticas e a valorizar no seu currículo o desenvolvimento dessas novas capacidades. Por isso precisamos de currículos menos prescritivos e mais flexíveis, menos extensos e mais aprofundados, menos compartimentados e mais coerentes, mais centrados sobre o conhecimento e as maneiras de pensar de base científica e menos sobre o senso comum e as vulgatas pedagógicas de inspiração romântica.

David Justino
Presidente do Conselho Nacional de Educação, Professor da Universidade Nova de Lisboa


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