O último discurso de Francisco Louçã, enquanto líder do Bloco de Esquerda (BE), abriu a oitava convenção do bloco.
Em cerca de 25 minutos, Louçã elogiou os mortos, enumerou as vitórias do BE — a liberalização do aborto, o casamento gay, a protecção dos toxicodependentes —, louvou os deputados socialistas que se juntaram ao bloco para levar, ao Tribunal Constitucional, um pedido de fiscalização do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas, e lançou farpas contra os 4 mil milhões desaparecidos no BPN e contra o rotativismo político entre o PS e o PSD:
E terminou com estas palavras:
"Hoje tenho uma certeza, não há despedidas aqui. A mim ninguém me vai perguntar para onde vou, porque estou aqui, sou daqui."
À noite, no encerramento do comício internacional "Vencer a troika" promovido pelo seu partido em Lisboa, é que fez um discurso incendiário que vai dar brado na Europa:
"Há duzentos anos, quando Napoleão se sagrou imperador, Beethoven decidiu colocar em cima da sua secretária uma imagem de Brutus e rasgou uma dedicatória que tinha feito a Bonaparte da sua sinfonia "Eroica". Hoje podemos perguntar onde estão os 'Beethovens' da Europa, dessa cultura insubmissa, dessa democracia irredutível, quem toma nas suas mãos a resposta, que povo é que se defende? E veremos esta semana, na semana que entra, a força dessa Europa que fala por todos, pela cultura e pela democracia.
Quando Merkel diz que os países endividados, a quem impuseram a dívida que faz mais dívida, devem perder a soberania e, portanto, perder o direito dos seus parlamentos decidirem sobre os impostos, que é o fundamento do contrato da eleição, o povo só pode defender-se.
O que hoje sabemos e dizemos ao povo português é que somos credores da banca alemã, que quem toma emprestado a zero por cento, e nos cobra a quatro, são os agiotas. E que Merkel, que cá estará na segunda-feira, é a intermediária de um negócio usurário, é uma assaltante e vangloria-se desse assalto. Segunda-feira a Europa vai responder em Lisboa à visita da imperatriz e à exibição dos seus apoderados e dos seus valetes.
Disseram-me que a senhora Merkel se vai encontrar com o Governo no Forte de São Julião da Barra. Eu lembro-me que houve um Presidente norte-americano — e tanto protesto houve contra ele que merecia muito bem — que veio a Portugal e chegou a falar perante o parlamento, com o protesto de muitos deputados que lá estavam. Ela está refugiada em São Julião da Barra.
São Julião da Barra é um forte que foi construído para impedir os piratas de entrar no Tejo, quem é que imaginava que os piratas iam para dentro do Forte de São Julião da Barra, alguém imaginava? Se é para isso, podia ter mandado um postal ilustrado.
Mas há uma forma simpática de ver as coisas: enquanto a Merkel está presa dentro do forte com Passos Coelho e Paulo Portas, a liberdade está nas ruas de Lisboa. E vamos fazer ouvir essa liberdade, essa é a liberdade da Europa, é quem luta por todos, é quem vai à luta.
É claro que Merkel tem uma virtude, e não me levem a mal por vos falar da virtude da Merkel, é que ela não esconde nada, cada dia que passa é mais violenta e mais arrogante.
(...)
Há uma resposta que é uma esquerda unida, para uma Europa unida, para proteger o emprego de todos, contra a finança. Um banco central europeu subordinado à economia, desvalorizar o euro, emitir moeda, controle financeiro, euro-obrigações, orçamento para o emprego.
E essa luta vai-se fazer nas praças de Barcelona e de Madrid, de Paris, de Atenas e de Berlim.
(...)
O bloco de Esquerda apresentou um programa para a reestruturação da dívida. (...) E apresentámos três propostas: impor a redução do pagamento de juros da nossa dívida a 0,75% porque queremos poupar na despesa e no défice os 4750 milhões que estamos a pagar a mais, tirando a salários e a pensões.
Propusemos, em segundo lugar, a troca dos títulos por metade do seu valor em obrigações do tesouro a 30 anos indexadas ao crescimento do PIB. A economia que vive é aquela que se defende.
E em terceiro lugar exigimos o abatimento dos juros para que a dívida ao BCE e ao FMI seja já reduzida para metade.
(...)
Na segunda-feira, este País que acorda responderá à Merkel. Serão muitos, essa força que exigiu ”Que se lixe a troika” para recuperar a Europa e Portugal. E na quarta-feira teremos uma greve geral. Greve geral ibérica, greve geral na Grécia, em Malta, em Chipre, com tanta luta que se lhe junta em Itália e em França. E como acabaram de ouvir, este é o nosso piquete pela Europa. Portugal, Espanha, Grécia, Malta, Chipre, Itália e França em greve é o piquete pela Europa.
(..)
Se a vida serve para juntar, que se saiba e que se grite, há uma esquerda na Europa, há uma esquerda na Europa. Boa noite, boa Europa."
*
Como professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão, Louçã sabe que a Economia é um domínio do conhecimento que obriga ao estudo e ao trabalho, algo que enfada muitos dos seus compatriotas.
Ora Louçã ambiciona o poder e para o alcançar precisa obter votos, muitos votos.
Dizer que Sócrates duplicou a dívida pública em seis anos dá votos? Não.
Dizer que Sócrates, quando deixou de conseguir dinheiro nos meios financeiros ocidentais, foi pedir empréstimos aos comunistas chineses que lhos concederam a juros usurários de 6,7% dá votos? Não.
Dizer que esgotada a possibilidade de obter dinheiro no Qatar, Sócrates foi mendigar à porta da França, da Alemanha e do FMI que o obrigaram a assinar um memorando que ia pôr o País a pão e água, dá votos? Não.
O povinho até gostava dos espectáculos de luz e som de Sócrates, das distribuições de computadores nas escolas para os miúdos se viciarem nos videojogos, dos diplomas do 12º ano nas Novas Oportunidades para as pessoas sonharem que iam arranjar um emprego bem pago, sentadas numa secretária a rabiscar papéis, e daquelas leis que permitiam obter licenciaturas com as experiências de vida. E enquanto não houve cortes nos salários e pensões e um desemprego galopante, nem se preocupou com essa questão da dívida pública.
E tornar a chanceler Merkel no bode expiatório da delapidação de Sócrates, dizendo que é uma assaltante e uma agiota, dá votos? Dá, então vamos a isso.
O povinho até detesta o espírito de organização dos alemães, a persistência na persecução de resultados, o empenho no trabalho e a aversão à fraude.
A ideologia marxista-leninista sempre criou ditaduras que limitam a iniciativa individual e atrofiam as economias dos países onde foi aplicada quando estes não dispõem de recursos naturais.
Se o BE chegasse ao poder, deixávamos de pagar os juros da dívida mas perdíamos a ajuda financeira que recebemos da Comissão Europeia. Pior do que isso, perdíamos o acesso aos empréstimos de que vamos precisar para relançar a economia depois do tremendo ajuste financeiro por que o País está a passar desde o início de 2011 e que vai durar cerca de uma década. Saíamos da Zona Euro e regressávamos ao escudo.
Deixando de poder adquirir tudo o que actualmente é importado — automóveis, telemóveis, computadores, televisores, fornos microondas, máquinas de lavar roupa, frigoríficos, ... — , ficávamos com um nível de vida semelhante ao de Cuba.
É pena ver um homem inteligente e culto como Louçã, escravo daquela ideologia e a recorrer à mentira, à demagogia e ao insulto.
É verdade que Portugal está infestado de políticos corruptos e é preciso fazer algo. Mas actrizes ignorantes e médicos defensores de clubes de cannabis a coordenar o bloco, mesmo que a prazo — em Novembro de 2014 vamos assistir ao regresso apoteótico de Francisco Louçã para disputar as legislativas do Outono de 2015 — só irão acelerar a decadência.
É verdade que o País precisa da voz do BE para denunciar a corrupção e apresentar propostas como a do orçamento de base zero, por exemplo.
Mas não precisa de um BE a governar com o apoio da escumalha que odeia o estudo e o trabalho, que vive do RSI ou do comércio ilegal. A governar contra aqueles que, nas classes média e média-baixa, incentivam os filhos a ascender socialmente através da educação e exigem rigor e exigência na escola pública. A defender a bandalheira criada por socialistas, comunistas e bloquistas invejosos que acicatam os miúdos a desrespeitar os professores que os obrigam a estudar e a aprender e incitam os pais a olharem todos os empresários como criminosos só pelo facto de serem mais abastados.
Do que o País precisa é de um governo de pessoas competentes e incorruptíveis, sem agendas revolucionárias, não ligadas a partidos políticos, sem ambições de poder e que efectivamente desejem o desenvolvimento do País.
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