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O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, decidiu submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade o decreto nº 109/XIV do parlamento, que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível, porque recorre a conceitos excessivamente indeterminados na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida e consagra a delegação pelo parlamento de matéria que lhe competia densificar.
Trata-se de um documento de grande profundidade no domínio do Direito Administrativo que pode ser um pouco difícil de interpretar. Para facilitar a leitura recorri ao negrito e, também, à cor vermelha para realçar os princípios constitucionais que não foram respeitados:
Excelentíssimo Senhor Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional
Excelência,
Nos termos do nº 1 do art.º 278º da Constituição da República Portuguesa, bem como do nº 1 do art.º 51º e nº 1 do art.º 57º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, venho requerer ao Tribunal Constitucional, com os fundamentos a seguir indicados, a apreciação da conformidade com a mesma Constituição das seguintes normas constantes do Decreto nº 109/XIV da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, Série II-A, número 76, de 12 de Fevereiro de 2021, que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, recebido e registado na Presidência da República, no dia 18 de Fevereiro de 2021, para ser promulgado como lei:
- a norma constante do n.º 1 do artigo 2º, na parte em que define antecipação da morte medicamente assistida não punível como a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em “situação de sofrimento intolerável”;
- a norma constante do n.º 1 do artigo 2º, na parte em que integra no conceito de antecipação da morte medicamente assistida não punível o critério “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”;
- Consequentemente, as normas constantes dos artigos 4º, 5º e 7º, na parte em que deferem ao médico orientador, ao médico especialista e à Comissão de Verificação e Avaliação a decisão sobre a reunião das condições estabelecidas no artigo 2º.
- Consequentemente, as normas constantes do artigo 27º, na parte em que alteram os artigos 134º, n.º 3, 135º, n.º 3 e 139º, n.º 2 do Código Penal.
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa refere-se a esta parte do
DECRETO N.º 109/XIV
Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera
o Código Penal
Artigo 2.º
Antecipação da morte medicamente assistida não punível
1– Para efeitos da presente lei, considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.
[…]
Artigo 4.º
Parecer do médico orientador
1– O médico orientador emite parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos referidos no artigo 2.º e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afecta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respectivo prognóstico, após o que verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada.
[…]
Artigo 5.º
Confirmação por médico especialista
1 – Após o parecer favorável do médico orientador, este procede à consulta de outro médico, especialista na patologia que afecta o doente, cujo parecer confirma ou não que estão reunidas as condições referidas no artigo anterior, o diagnóstico e
prognóstico da situação clínica e a natureza incurável da doença ou a condição definitiva da lesão.
[…]
Artigo 27.º
Alteração ao Código Penal
Os artigos 134.º, 135.º e 139.º do Código Penal passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 134.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições
estabelecidas na Lei n.º xxx.
Artigo 135.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições
estabelecidas na Lei n.º xxx.
Artigo 139.º
[…]
1 – (Actual corpo do artigo).
2 – Não é punido o médico ou enfermeiro que, não incitando nem fazendo
propaganda, apenas preste informação, a pedido expresso de outra
pessoa, sobre o suicídio medicamente assistido, de acordo com o n.º 3 do artigo 135.º.»
1º
Pelo Decreto nº 109/XIV, a Assembleia da República aprovou o regime que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal.
2º
Nos termos da exposição de motivos de um dos projectos de lei (PS), que deram origem ao Decreto em apreciação, o legislador entendeu, com o presente Decreto, exercer a sua margem de conformação, em matéria muito sensível, relativamente à qual, afirma-se na mesma exposição de motivos, a Constituição não determina orientação definitiva. Quer isto significar que, nos termos da Lei Fundamental, cabe ao legislador permitir ou proibir a eutanásia, de acordo com o consenso social, em cada momento.
3º
Não é objecto deste requerimento ao Tribunal Constitucional, em todo o caso, a questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a Constituição, mas antes a questão de saber se a concreta regulação da morte medicamente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma com a Constituição, numa matéria que se situa no core dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por envolver o direito à vida e a liberdade da sua limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana.
4º
Esta mesma dificuldade é, de resto, reconhecida pelo legislador, na citada exposição de motivos, na medida em que afirma que “para que a intervenção, a pedido, de profissionais de saúde seja despenalizada sem risco de inconstitucionalidade por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a lei tem de ser rigorosa, ainda que recorrendo inevitavelmente a conceitos indeterminados, desde que determináveis”.
5º
Considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a antecipação da morte da própria pessoa, maior, cuja vontade seja actual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em i) situação de sofrimento intolerável, ii) com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, iii) quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.
6º
O primeiro critério estabelecido é o da situação de sofrimento intolerável. Todavia, este conceito não se encontra minimamente definido, não parecendo, por outro lado, que ele resulte inequívoco das leges artis médicas. Com efeito, ao remeter-se para o conceito de sofrimento, ele parece inculcar uma forte dimensão de subjectividade. Uma vez que estes conceitos devem ser, nos termos do Decreto, como adiante se concretizará, preenchidos, no essencial, pelo médico orientador e pelo médico especialista, resulta pouco claro como deve ser mensurado esse sofrimento: se da perspectiva exclusiva do doente, se da avaliação que dela faz o médico. Em qualquer caso, um conceito com este grau de indeterminação não parece conformar-se com as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição, na matéria sub judice.
7º
O mesmo se diga do segundo critério, em particular do subcritério de lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico.
8º
Este subcritério aponta para uma solução pouco consentânea, de resto, com os objectivos assumidos pelo legislador, na medida em que permite uma interpretação, segundo a qual a mera lesão definitiva de gravidade extrema poderia conduzir à possibilidade de morte medicamente assistida. Este subcritério deve ser conjugado com o primeiro, é certo, e para além da lesão definitiva de gravidade extrema deve estar presente o sofrimento intolerável. Mas tendo em conta o que antecede — o carácter muito indefinido do conceito de sofrimento intolerável —, e a total ausência de densificação do que seja lesão definitiva de gravidade extrema, nem de consenso científico, não parece que o legislador forneça ao médico interveniente no procedimento um quadro legislativo minimamente seguro que possa guiar a sua actuação. Acresce que, sendo o único critério associado à lesão o seu carácter definitivo, e nada se referindo quanto à sua natureza fatal, não se vê como possa estar aqui em causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer em consequência da referida lesão, tal como alerta, no seu parecer, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
9º
A referida insuficiente densificação normativa não parece conformar-se com a exigência constitucional em matéria de direito à vida e de dignidade da pessoa humana, nem com a certeza do Direito. Contudo, como bem alerta no seu parecer o Conselho Superior do Ministério Público, há uma outra dimensão em que essa falta de densidade se revela especialmente problemática.
10º
Com efeito, a concretização destes conceitos fica largamente dependente da decisão do médico orientador e do médico especialista. Resulta do disposto no artigo 4º que o médico orientador emite parecer sobre se o doente cumpre todos os requisitos do artigo 2º, devendo este ser confirmado por parecer de especialista, nos termos do previsto no artigo 5º, o qual confirma a reunião das condições referidas, bem como o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza incurável da doença ou a condição definitiva da lesão.
11º
Para além de alguma redundância exibida por esta norma — referindo-se aos critérios já enunciados, e depois elencando-os numa ordem diversa, o que não contribui para a clareza e segurança jurídica — resulta claro, mais uma vez, que cabe aos clínicos, no âmbito do procedimento, a definição do preenchimento dos pressupostos para o exercício da antecipação da morte medicamente assistida, sendo depois tal verificado e confirmado pela Comissão de Verificação e Avaliação.
12º
Como é sabido, a Constituição veda ao legislador a delegação da integração da lei em actos com outra natureza que não a legislativa, nos termos do disposto no artigo 112º, nº 5. Na verdade, ao utilizar conceitos altamente indeterminados, ademais em matéria de direitos, liberdades e garantias, remetendo a sua definição, quase total, para os pareceres dos médicos orientador e especialista, o legislador parece violar a proibição de delegação, constante no artigo 112º da Constituição.
13º
Não se diga, por outro lado, que a insuficiente densificação normativa pode ser corrigida em sede de regulamentação da lei. Nos termos do disposto no artigo 30º do Decreto, o Governo aprova, no prazo máximo de 90 dias, a referida regulamentação. Todavia, sendo o presente Decreto o único instrumento legislativo que pode ser analisado neste momento, e padecendo ele das insuficiências assinaladas, a sua inconstitucionalidade não pode ser sanada com a expectativa de um regime futuro, cujo conteúdo se desconhece, ainda que dele o legislador faça depender a entrada em vigor do regime presente. É sobre este, e apenas sobre ele, que deve recair o juízo de conformidade constitucional.
14º
Com efeito, como se referiu, ao não fornecer aos médicos quaisquer critérios firmes para a interpretação destes conceitos, deixando-os, no essencial, excessivamente indeterminados, o legislador criou uma situação de insegurança jurídica que seria, de todo em todo, de evitar, numa matéria tão sensível. Esta insegurança afecta todos os envolvidos: peticionários, profissionais de saúde, e cidadãos em geral, que assim se vem privados de um regime claro e seguro, num tema tão complexo e controverso.
Ante o exposto, requer-se, nos termos do nº 1 do art.º 278º da Constituição, bem como do nº 1 do art.º 51º e nº 1 do art.º 57º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas do artigo 2º e, consequentemente, dos artigos 4º, 5º, 7º e 27º constantes do Decreto nº 109/XIV da Assembleia da República, por violação dos princípios da legalidade e tipicidade criminal, consagrados no artigo 29.º, n.º 1 e do disposto no n.º 5 do artigo 112º, relativamente à amplitude da liberdade de limitação do direito à vida, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme decorre da conjugação do artigo 18.º, n.º 2, respectivamente, com os artigos 1.º e 24.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Apresento a Vossa Excelência os meus mais respeitosos cumprimentos.
Lisboa, 18 de fevereiro de 2021
O Presidente da República
(Marcelo Rebelo de Sousa)
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No dia 29 de Janeiro, o parlamento aprovou um diploma para deixar de ser punida a "antecipação da morte medicamente assistida" verificadas as seguintes condições: "Por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
Na votação participaram 218 dos 230 deputados, registando-se 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções. Os dois maiores partidos deram liberdade de voto aos seus parlamentares.
Votaram a favor 95 deputados do PS, todos os do Bloco de Esquerda (19 votos), 14 deputados do PSD, incluindo o presidente do partido, Rui Rio, do PAN (3 votos), do PEV (2 votos), o deputado único da Iniciativa Liberal e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
Votaram contra 53 deputados do PSD, 9 do PS, incluindo o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, todos os do PCP (10 votos), do CDS-PP (5 votos) e o deputado do Chega, André Ventura.
Registaram-se 2 abstenções na bancada do PS e outras 2 na do PSD.
O diploma seguiu hoje da Assembleia da República para o Palácio de Belém e foi enviado pelo Presidente da República para o Tribunal Constitucional no mesmo dia. Este tribunal tem, agora, um prazo de 25 dias, para se pronunciar.
Sabendo-se que os seguros de saúde prevêem que os doentes possam ouvir segundas opiniões médicas porque existem opiniões divergentes na comunidade médica sobre as suas doenças, pergunto: O que é que os deputados portugueses entendem por consenso científico?
O que é uma lesão de gravidade extrema? Aquela que causa tetraplegia, coma, ...? Qual é o padrão usado para medir a gravidade da lesão? Se o doente estiver em coma, como é que pode pronunciar-se?
O que é uma doença incurável? É aquela em que 300 doentes entram num ensaio clínico e morrem no prazo de um ano, mas há 1 que entra em remissão sem que a comunidade científica consiga explicar o desaparecimento da doença ou possa dizer que o doente está curado?
Repare-se noutras palavras que os deputados usam, mas não definem — sofrimento intolerável. Isto é um conceito altamente subjectivo. Tirem a esperança a um doente, ele fica em sofrimento intolerável. Devolvam-lhe a esperança, anunciando a existência de um novo fármaco que consegue controlar a doença por mais 6 anos, o sofrimento desaparece.
Com este decreto, António Costa e Rui Rio pretendem recorrer à eutanásia para fazer economias no tratamento de certas doenças dispendiosas. O facto de poderem desencadear autênticos assassínios parece que não lhes causa preocupações éticas.
Quanto à referência no artigo 4.º do decreto a tratamentos na área dos cuidados paliativos, é um mero exercício de hipocrisia pois praticamente não há vagas nas poucas unidades que existem neste país. A ADSE recusa-se mesmo a pagar o internamento em qualquer unidade de cuidados paliativos dos hospitais privados.
Será que a maioria dos nossos deputados, além de serem uma nulidade em Direito Administrativo, também não percebem nada de Biologia nem sequer têm experiência de vida? Em que espécie de gente é que andamos a votar?
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