quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Tribunal Constitucional rejeitou recurso de Isaltino Morais


Do ACÓRDÃO N.º 460/2011, hoje divulgado pelo Tribunal Constitucional, destacamos o início:


Após acusação deduzida pelo Ministério Público e realização de instrução, A. foi pronunciado pela prática dos seguintes crimes:
- Um crime de participação económica em negócio, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n. º 1, alínea i), e 23.º, n. º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;
- Três crimes de corrupção passiva para acto ilícito, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 1, i), e 16.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;
- Um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo artigo 2.º, n.º 1, a) e b), do Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, e posteriormente p.p. pelo artigo 368.º - A, n.º 1 e 2, do Código Penal;
- Um crime de abuso de poder, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 1, i), e 26.º, n. º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;
- Um crime de fraude fiscal, p.p. pelo artigo 23.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei n.º 20–A/90, de 15 de Janeiro, e posteriormente pelo artigo 103.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro.

Notificado da decisão instrutória, o arguido A. requereu a intervenção do tribunal do júri.

Este requerimento foi indeferido por despacho proferido em 9 de Janeiro de 2009.

O arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 13 de Julho de 2010, negou provimento a este recurso.

Deste acórdão o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, nos seguintes termos:
“O recorrente suscitou, em momento anterior ao início da audiência de julgamento em 1ª instância, bem como no recurso que interpôs da decisão judicial proferida pelo 2º Juízo Criminal do Tribunal de Oeiras, constante de fls. 8913 a 8915, a inconstitucionalidade do artigo 40.º da Lei 34/87, de 16 de Julho.
Nas referidas peças processuais, alegou o ora recorrente a inconstitucionalidade do referido preceito por violação dos artigos 1º, 2º, 12º, 13º, 17º, 18º, 32º, n.º 1 e 207º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, porquanto impossibilita a constituição de tribunal do júri relativamente a crimes alegadamente cometidos por titulares de cargos políticos.
Para além do exposto, suscitou ainda o recorrente a circunstância de o referido artigo 40º da Lei 34/87, de 16 de Julho se mostrar revogado face ao disposto no n.º 1 do artigo 207º da Constituição da República Portuguesa.
A invocada inconstitucionalidade foi arguida a fls. 8997 a 9014 dos autos e foi, agora, objecto de decisão do Tribunal da Relação de Lisboa precisamente quando, a pág. 11 e 12 do acórdão proferido, se entendeu que “...ficam afastadas todas as razões do pedido formulado pelo arguido de revogação do despacho judicial que lhe indeferiu a intervenção do tribunal do júri.”

Recebido este recurso no Tribunal Constitucional em 27 de Junho de 2011, determinou-se que o Recorrente apresentasse alegações.


Seguem-se as extensíssimas alegações do Recorrente, nada mais, nada menos que 108 artigos que o leitor poderá ler no texto do acórdão. Passamos à resposta do Ministério Público:


O Ministério Público respondeu, concluindo do seguinte modo:

"A Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, ao responsabilizar criminalmente os titulares de cargos políticos por actos cometidos no exercício das suas funções, tem especificidades próprias que se explicam pelo relevo dos bens jurídicos que afectam (os bens jurídico-constitucionais em sentido estrito) e pelo especial dever de zelo a que se vinculam esses mesmos titulares de cargos políticos perante o interesse público e perante o povo donde tiram a sua legitimidade.
O n.º 1 do art.º 207.º da Constituição determina os casos em que a constituição ou mera previsão legal do tribunal do júri está excluída (os dos crimes que não sejam graves, e de entre os graves, os de terrorismo e de criminalidade altamente organizada), remetendo para a lei ordinária a concretização dos casos de intervenção do júri.
O art.º 13.º do Código do Processo Penal especifica a competência do tribunal do júri, delimitando o conceito de crime grave para efeitos de julgamento com intervenção de júri.
Neste enquadramento jurídico-constitucional, não se afigura arbitrária, infundada ou manifestamente desproporcionada, a restrição à intervenção do júri, operada por força do art.º 40.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.
Pelo que, tal restrição não afronta a Constituição, nomeadamente, os seus art.ºs 207.º, n.º 1, 13.º e 18.º .
Deve, pois, o presente recurso, improceder.”.


Da fundamentação do acórdão destacamos o ponto 2.2 que esclarece sobre a lei que responsabiliza criminalmente os titulares de cargos políticos e remetemos o leitor que deseje conhecer os restantes para a leitura do texto integral:


2.2. A aprovação da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, teve em vista dar cumprimento à imposição legiferante contida, então, no artigo 120.º, n.º 3, da Constituição (a que corresponde, actualmente, o artigo 117.º, n.º 3), no sentido de a lei determinar “os crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos”.
Este preceito constitucional, no seu n.º 1, começa desde logo por estabelecer o princípio geral de que “os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas acções e omissões que pratiquem”, conceitos estes que não estão isentos de dificuldades de densificação jurídico-constitucional (vide, a este propósito, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2010, pág. 118 e ss.).
A autonomização dos crimes cometidos pelos titulares de cargos políticos no exercício das respectivas funções e por causa do seu exercício explica-se pelo acrescido dever de zelo a que se vinculam esses cidadãos perante o interesse público e o povo (Jorge Miranda, em “Constituição Portuguesa anotada”, tomo II, pág. 322, da ed. de 2006, da Coimbra Editora).
A Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, assumiu a tipificação destes crimes conjuntamente com os cometidos pelos titulares de altos cargos públicos, bem como as sanções que lhes são aplicáveis e os respectivos efeitos.
E, no seu artigo 40.º, dispôs que o julgamento desses crimes far-se-ia sem intervenção do tribunal do júri.
Entre as razões que terão determinado o afastamento da possibilidade de julgamento com intervenção do júri, relativamente aos crimes previstos nesta lei, estará, desde logo, a necessidade de traçar uma distinção clara, entre a responsabilização dos titulares de cargos políticos no plano político e no plano criminal.
Com efeito, se é certo que o tribunal do júri é uma forma privilegiada de participação dos cidadãos na administração da justiça, o legislador entendeu que, quando estejam em causa os crimes previstos na aludida Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, tal participação comporta mais riscos e inconvenientes do que vantagens.
Desde logo, porque os titulares de cargos políticos, independentemente de qualquer responsabilidade criminal pelos seus actos e omissões, têm sempre, no âmbito da sua responsabilidade política, o dever de «prestar contas» pelas suas decisões, pelos seus actos e omissões, e pelos resultados dessa actuação no exercício dos respectivos cargos. Mas esse «prestar de contas» em termos políticos não se confunde, nem pode confundir-se, com um «prestar de contas» em termos de responsabilidade criminal. E um tal risco de confusão é decerto potenciado quando se colocam na situação de julgadores de uma responsabilidade criminal aqueles a quem incumbe o escrutínio político dos titulares de cargos públicos. É assim compreensível e justificado que o legislador tenha entendido excluir a intervenção como julgadores daqueles que dificilmente se poderiam distanciar do juízo (político) que num sistema democrático são naturalmente chamados a formular sobre quem governa.
Não se trata aqui de presumir que os cidadãos, enquanto jurados, são irremediavelmente parciais nos seus juízos em relação aos políticos. O que se pretende realçar é que, em relação a crimes da responsabilidade de titulares políticos, o perigo de “contaminação” entre o plano da responsabilidade política e o da responsabilidade criminal constitui um risco bem evidente.
Dir-se-á que este perigo não fica afastado em relação aos magistrados, que têm também pré-compreensões políticas, podendo ter também pré-conceitos em relação à personalidade a julgar.
Contudo, não se pode afirmar que, neste aspecto, os magistrados estejam nas mesmas condições que os demais cidadãos. Não só a sua formação jurídica e experiência profissional os habilita a melhor evitar a interferência de eventuais elementos inibidores da sua imparcialidade e isenção e a destrinçar os planos político e criminal, em sede de responsabilização, como estão também sujeitos a uma série de deveres estatutários que não impendem sobre a generalidade dos cidadãos (v.g. a proibição da prática de actividades político-partidárias de carácter público e a sujeição a um rigoroso regime de incompatibilidades), deveres esses que são também garantes das referidas qualidades de imparcialidade e isenção.
A tudo isto acresce que, também no caso de julgamento de crimes imputados a titulares de cargos políticos, não se pode excluir a existência de problemas relacionados com a pressão que poderia ser exercida sobre os jurados em determinado tipo de circunstâncias, tendo em atenção a natureza dos crimes em julgamento e o peso político-social dos seus autores.
A admitir-se a possibilidade de julgamento com intervenção de júri nestes casos, torna-se maior o risco de se provocarem situações de difícil aplicação de justiça por força das pressões que venham a ser exercidas sobre os jurados, às quais um cidadão, porque não beneficia das mesmas garantias dos magistrados, consagradas no respectivo estatuto, no sentido de acautelar a sua independência e isenção, poderá ter maior dificuldade em escapar.
É que, também nestes casos, esta proibição de intervenção do tribunal do júri visa proteger os cidadãos que, sendo obrigados a integrar um júri para este tipo de crimes, poderiam ver postos em causa valores essenciais, pessoais e familiares, pois estariam mais expostos a pressões ou outras formas atentatórias da sua liberdade, segurança e tranquilidade, direitos esses que cumpre ao Estado salvaguardar.
No segmento normativo do artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, aqui sob fiscalização, está apenas em causa a proibição de um tribunal do júri julgar um crime de participação económica em negócio, p.p. pelo artigo 23.º, n. º 1, um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p.p. pelo 16.º, n.º 1, e de um crime de abuso de poder, p.p. pelo 26.º, n. º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, quando cometidos por um membro de um órgão representativo duma autarquia local.
O artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na redacção introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, conjugado com o artigo 3.º, n.º 1, i), do mesmo diploma, dispõe que o membro de um órgão representativo duma autarquia local que no exercício das suas funções, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
O artigo 23.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, conjugado com o artigo 3.º, n.º 1, i), do mesmo diploma, dispõe que o titular de cargo político que, com intenção de obter para si ou para terceiro participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpra, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar será punido com prisão até cinco anos e multa de 50 a 100 dias.
O artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, conjugado com o artigo 3.º, n.º 1, i), do mesmo diploma, dispõe que o titular de cargo político que abusar dos poderes ou violar os deveres inerentes às suas funções, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo a outrem, será punido com prisão de seis meses a três anos ou multa de 50 a 100 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Apesar de nestes tipos legais de crime estarem em causa bens jurídicos de especial relevância para a autonomia funcional do Estado, a sua credibilidade e a eficácia da sua intervenção para a realização das finalidades que lhe estão atribuídas, num juízo relativo, a sua sujeição ao julgamento por um tribunal de júri deve considerar-se compreendida na margem de liberdade de que o legislador dispõe para preencher o conceito de crime grave, para os efeitos previstos no artigo 207.º, n.º 1, da Constituição, o que se reflecte, desde logo, nas molduras penais previstas, em que a penas máximas são, respectivamente, de 8, 5 e 3 anos de prisão, sendo certo que a pena máxima de prisão no nosso sistema penal atinge os 25 anos.
Assim, facilmente se verifica que o afastamento do júri pelo legislador ordinário no artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, quando reportado aos crimes de participação económica em negócio, p.p. pelo artigo 23.º, n. º 1, de corrupção passiva para acto ilícito, p.p. pelo 16.º, n.º 1, e de abuso de poder, p.p. pelo 26.º, n. º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, sendo o artigo 16.º, n.º 1, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, quando cometidos por um membro de um órgão representativo de autarquia local, não contraria o critério competencial contido no artigo 207.º, n.º 1, da Constituição.
Daí que, mesmo para quem entenda que a previsão constitucional da possibilidade de intervenção de um tribunal do júri consagra reflexamente um direito a ser julgado por um tribunal desse tipo, enquanto corolário das garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), um direito de todo o cidadão a participar na administração da justiça, enquanto dimensão do direito fundamental de participação na vida pública (artigo 48.º, n.º 1, da Constituição), e uma garantia objectiva da independência dos tribunais e da qualidade, da imparcialidade e fidedignidade da administração da justiça (artigos 203.º e 202.º, n.º 2, da Constituição), estando essa previsão limitada ao julgamento de crimes graves, a proibição de intervenção de um tribunal do júri no julgamento dos crimes acima referidos nunca poderia ser encarada como uma restrição a esses direitos, sujeita às exigências do artigo 18.º, n.º 2 e 3, da Constituição, uma vez que a proibição por ela imposta se contém dentro dos limites definidos pela própria previsão constitucional da competência do tribunal do júri.

(...)

2.5. Não se verificando que o conteúdo normativo sob fiscalização viole qualquer parâmetro constitucional deve ser negado provimento ao recurso.

Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional o artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, no segmento em que impede o julgamento por um tribunal do júri dos crimes de participação económica em negócio, p.p. nos artigos 3.º, n. º 1, alínea i), e 23.º, n. º 1, de corrupção passiva para acto ilícito, p.p. nos artigos 3.º, n.º 1, i), e 16.º, n.º 1, e de abuso de poder, p.p. pelos artigos 3.º, n.º 1, i), e 26.º, n. º 1, todos da referida Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, quando cometidos por um membro de um órgão representativo de autarquia local
b) Em consequência, julgar improcedente o recurso interposto por A. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nestes autos em 13 de Julho de 2010, na parte em que confirmou a decisão de não admitir a intervenção de um tribunal do júri.

1 comentário:

  1. Ou aplicam a Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, ou então, rasguem-na. Não é conhecido nenhum Político/politiqueiro por infracção à mesma.

    ResponderEliminar